A
pertinência da reflexão em torno da saudação resulta da contraindicação dada
pelas autoridades de saúde em praticamente todo o mundo para o não contacto
físico, observando o que alguns denominam de distanciamento social, o que, a
meu ver, é outra coisa.
Distanciamento
social é o que sucede quando pessoas de determinado grupo ou escalão social não
podem conviver com os de grupo ou escalão diferente, quando nem todos têm
acesso aos mesmos benefícios vitais, culturais e civilizacionais, quando uns
têm tudo e outros não têm quase nada ou uns fogem dos outros. Assim, o que
recomendam as autoridades de saúde é o distanciamento físico e a não utilização
de determinados gestos de proximidade.
A
saudação ou cumprimento é uma forma de proximidade física, quando as pessoas ou
grupos estão em presença, ou virtual, quando as pessoas não se encontram
presentes. Obviamente nem toda a proximidade, mesmo em presença, implica
contacto físico.
Em
aldeias recônditas do país profundo, as pessoas saudavam-se vulgarmente
perguntando “donde vem”, “donde vens” ou “para onde vai”, “para onde
vais”. E a resposta vinha com verdade ou sem ela. Se a pessoa levava um
animal ou mais ou um instrumento de trabalho ou de diversão, a pergunta era
como segue ou similar: Vai fartá-las? Vai
metê-las? Vai botar a água ao lameiro? Vai regar? Vai então animar a festa?
E a resposta podia ser: Só as desmentei.
Tem que se aproveitar aquele fiozinho de água. É preciso aproveitar os dias em
que os louvados nos dão a água. Tem que ser, a malta precisa de se divertir. No
início de trabalho coletivo, o chefe tirava o chapéu e bradava: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”.
E todos respondiam: “Para sempre seja
louvado no Céu e na Terra e sua Mãe, Maria Santíssima!”. Porém, se alguém
passava no caminho e avistava uma pessoa ou um grupo a trabalhar, saudava de
longe: “Deus o(a) ajude!”. E a resposta era: “Venha(m) com Deus!”.
Não “dar a salvação” era ofensa e só
acontecia em pessoas de relações cortadas.
A
saudação de “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” em alemão vem em acusativo, a
significar que se trata de completo direto. E lembro-me de que os lacónicos
“bom dia” ou “bons dias”, “boa tarde” ou “boas tardes” e “boa noite” ou “boas
noites” integravam uma frase em que funcionavam como complemento direto do
tipo: “Deus Nosso Senhor lhe(s) dê um bom dia!”. Hoje, alguns locutores de
rádio e de televisão dizem: “Tenha uma boa noite!”.
No
género epistolar, a saudação no início é o vocativo do tipo: caro/a amigo/a;
Ilustríssimo/a Senhor/a – outros mais cerimoniosos, dependendo do
distanciamento social, e outros mais afetuosos, dependendo do tipo de
intimidade entre os correspondentes. No fim, vem a saudação de despedida do
tipo: “adeus”, “adeusinho”, “abraço”, “beijinhos”, “até à vista”, até à
próxima”, “com os melhores cumprimentos”. Lembro-me do tempo em que certas
exposições terminavam com o: “Deus guarde
Vossa Excelência”; “A Bem da Nação”;
“A Bem da República”.
Os
requerimentos, reclamações e pedidos de recurso são iniciados com o vocativo
protocolar e terminam com a fórmula PED ou por extenso “Pede e espera deferimento”.
As
cartas dos romanos tinham como portada o nome do emitente em nominativo (sujeito), o do destinatário em dativo (complemento
indireto) e a sigla
S., subentendendo S.P.D. Por exemplo: Cicero Attico S. – ou seja Cicero Attico Salutem Plurimam Dicit:
Cícero envia muitas saudações a Ático. E, no fim, a despedida contém, pelo menos,
a expressão “cura ut valeas” (cuida
da tua saúde) ou
equivalente. A saúde era a grande preocupação da família.
Os
discursos públicos iniciam-se com uma fórmula de saudação as diversas entidades
relevantes até ao comum “minhas senhores
e meus senhores” e terminam com um lanço de otimismo e o inútil “disse” ou “tenho dito”, sendo que alguns oradores/as preferem dizer “muito
obrigado/a”.
Os
eclesiásticos costumam dirigir-se ao seu auditório com o “caríssimos irmãos” e, mais recentemente, “irmãos e irmãs”. Sou do tempo do “piedosos cristãos” e de quando um
bispo dizia: “Queridos padres e pessoas
que me ouvis”. No fim, vem a mensagem de esperança e de recomposição da
vida, a que as pessoas respondiam: “Assim
seja!”.
Hoje, em
tempo de telegramas, e-mails, SMS, muitos respeitam ainda os termos da mensagem
epistolar; outros esquecem-na e usam expressões inconvenientes. Porém, nas
mensagens oficiais – políticas, sociais ou religiosas – o cuidado com os
destinatários é geralmente bem tratado.
Não
posso deixar de recordar que os digladiadores romanos, depois de entrarem na
arena, voltavam-se a par para a tribuna onde pontificava o Imperador e
saudavam-no: “Ave (ou
“Salve”), Caesar, victor, morituri te salutant” (Avé
ou Salve, César, vencedor, os que vão morrer saúdam-te). Habitualmente, os lutadores no
circo morriam ambos.
Os
romanos saudavam, à chegada, com o imperativo “ave” ou “aveto” (para
uma pessoa) e “avete” (para várias) e “salve” ou “salveto” (para
uma pessoa) e “salvete” (para várias), dos verbos “avere” (passar bem, estar de saúde, de “aveo”: desejo muito, desejo ardentemente)
e “salveo” (estou salvo,
estou são, estou de boa saúde, passo bem),
respetivamente. “Salutare” (saudar,
salvar) é cognata de
“salus, salutis” (saúde
e salvação). À
despedida, diziam “vale” ou “valeto” (para uma pessoa)
e “valete” (para
várias), do verbo “valeo” (sou forte, tenho
saúde, passo bem).
Os gregos, tanto à chegada como à despedida, diziam “khaîre” ou ““khaírete” (alegra-te,
alegrai-vos), do
verbo “khairô”
(alegro-me, regozijo-me).
Os judeus diziam “shalom” (A
paz).
É de
relevar que a Bíblia relata cenários em que relevam as saudações. A título de
exemplo:
O anjo
Gabriel saudou Zacarias com o “Não temas”
(Lc
1,13) e saudou Maria
como a “Ave, Cheia de Graça” (Lc
1,28); Maria saudou
Isabel (Lc
1,40); Jesus
Ressuscitado saudou as mulheres com o “khaírete”,
Alegrai-vos (Mt
28,9), Maria
Madalena com o “Mulher, porque choras?”
e “Maria” (Jo
20,15.16) e os
discípulos com “A paz convosco” (Lc
24,36; Jo 20,19.21.27).
Paulo saudava, no início das cartas, com o binómio “kháris kaì eirênê”, graça e
paz (vg:
Rm 1,7; 1Cor 1,3; 2Cor 1,2; Gl 1,3…);
e, no fim, com “hê kháris”, a graça (vg: Rm 16,20; Rm
16,23.24; Gl 6,18…).
Assim,
na liturgia, há saudações como “Dominus
vobiscum” (O Senhor convosco), “Pax vobis”
(A
vós a paz), “Pax Domini sit sempre vobiscum” (A
paz do Senhor sempre convosco),
a que se respondia com o “Et cum spiritu
tuo” (E
com o teu espírito).
E atualmente usa-se também, no início da Missa, a saudação: “Gratia Domini nostri Iesu Christi, et
caritas Dei,
et communicatio Sancti Spiritus sit cum omnibus vobis”, A Graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o Amor
do Pai e a Comunhão do Espírito Santo estejam convosco (parte final de 2Cor),
ou “Gratia et pax a Deo patre nostro et
Domino Iesu Christo sit cum omnibus vobis”, A graça e paz de Deus Nosso Pai e de Jesus Cristo Nosso Senhor estejam
convosco (normal no
início da cartas paulinas), sendo que, em latim, se responde na
forma habitual e, em português, “Bendito
seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”. No fim, “Ite,
missa est”, Ide em paz e o Senhor vos
acompanhe, a que se responde “Deo gratias”, Graças a Deus.
Paulo
junta na sua fórmula o elemento grego, graça ou favor, alegria, com o hebraico,
paz. Os sacerdotes hoje, além da fórmula ritual, usam as de “bom dia”, boa tarde”, “boa noite”.
***
Nem só de
palavras se faz a saudação como tratamento afetuoso ou de reverência e respeito,
cortesia e consideração. Acompanha-a um gesto corporal (aperto de mão, beijo, abraço, simples
toque, inclinação, pôr-se de pé, ajoelhar), fisionómico (sorriso, olhar…).
Andava-se pela esquerda. Gregos e romanos levantam as mãos direitas desarmadas,
descobriam a cabeça e davam o aperto de mão.
Porém, os
gestos de cumprimento variam conforme a cultura e a situação.
No Ocidente e na maior parte do mundo, entre homens, costuma dar-se
o aperto de mão (direita). Utiliza-se o abraço entre
homens, homens e mulheres e entre mulheres que já são amigos/as e que já se
conhecem há algum tempo. Utiliza-se um, dois ou até três beijos no rosto
entre homens e mulheres, e entre mulheres, que já são colegas ou amigos/as há
algum tempo. Porém, entre homens e mulheres, e entre mulheres que não têm certa
intimidade, também se utiliza o aperto de mão. Diz-se adeus, muitas vezes
levantando e agitando a mão com ou sem lencinho.
Em alguns
países da Ásia, cumprimenta-se unindo as próprias mãos.
No Japão as saudações dão-se curvando a coluna e os apertos de mão
são comummente feitos em conjunto com a forma tradicional de saudação. No Tibete mostra-se a língua; na Nova Zelândia
pressiona-se o nariz e a testa ao mesmo tempo; na Índia e na Tailândia, não se
aperta a mão, mas saúda-se juntando as mãos à altura do peito, gesto que
significa “eu faço uma vénia perante o
divino que há em ti”.
Na Groelândia encosta-se só o nariz; na Holanda dão-se três beijinhos; na
Alemanha e na Áustria, nada de beijinhos, só um aperto de mão; para os russos,
beijar na boca já foi tradição e, embora alguns o façam, o mais comum é beijar
as bochechas e dar aquele abraço apertado, o “abraço de urso”; entre árabes, o cumprimento
normal entre dois homens amigos é a troca de beijos nas faces; na Itália,
França e na Argentina, é comum o beijo no rosto entre homens
familiares e amigos; e militares, fardados e cabeça coberta põem-se em sentido
e fazem continência estendendo a mão (palma paralela ao solo) na testa com o antebraço a fazer ângulo agudo com o braço. A
saudação romana era de mão aberta e braço estendido à altura do ombro.
Para o dia
inteiro é: Bom dia, normalmente pela manhã (mas serve para o dia inteiro); Boa tarde, pela tarde; e Boa
noite, pela noite. A língua portuguesa também incorporou durante
o século XX o cumprimento em italiano ciao, que ao
decorrer do século se tornou palavra para despedida, e foi dicionarizado
como tchau. Entre os cristãos evangélicos (e não só), e cumprimenta-se dizendo: “A paz do Senhor”. Porém,
palavras e gestos são importantes. Cristo ouvia, fazia gestos e pregava ou
curava. O mesmo faziam os apóstolos. Bispos, sacerdotes e diáconos semiabrem os
braços a rezar, impõem as mãos, abençoam fazendo o sinal da cruz sobre as
pessoas; os fiéis põem as mãos, fazem o sinal da cruz, benzendo-se e
persignando-se, genufletem, ajoelham, inclinam-se… Leiloeiros e juízes batem
com o martelo, médicos (e
outros profissionais de saúde) fazem palpação, auscultam, põem o termómetro, avaliam a tensão arterial,
fazem vários toques (olhos,
ouvidos…) e examinam de
várias formas com vista ao diagnóstico.
Com a
pandemia, tudo foi abolido ou minimizado: beijos, abraços, toques, apertos de
mão. Mal se toca nas crianças. Nas missas nem a saudação da paz se faz
verbalmente, nem com o olhar ou pondo a mão no nosso coração a exprimir
cordialidade (afeto de
coração, do latim “cor, cordis”: coração), como sugeriu o Diretor-Geral da OMS. Estupidamente, a meu
ver, inventou-se o cumprimento com o cotovelo, para não falar do cumprimento
com os pés, que alguns ensaiaram. Mesmo os atos simbólicos perderam o aperto de
mão, provavelmente por falta de gel alcoólico!
Importantes
são os gestos e alguns podiam ser usados algumas vezes com as devidas cautelas.
2020.11.11 – Louro de Carvalho
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