O problema do Novo Banco (NB) esteve na
berlinda no âmbito do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21) na Assembleia da República (AR), depois de, numa reviravolta, ter sido aprovada a
proposta do Bloco de Esquerda (BE) de travar a
transferência do Fundo de Resolução (FR) para o banco em 2021 até que seja conhecida a auditoria do Tribunal de
Contas (TdC). A medida foi de novo chamada à
AR, onde voltou a ser aprovada.
No dia 25, a proposta foi viabilizada com a coligação negativa na AR que
agrupou PSD, BE, PCP e PAN. O CDS absteve-se e o PS, o Chega e a Iniciativa
Liberal (IL) votaram contra. No dia 26, após o PS ter pedido por
duas vezes pausas nos trabalhos, as votações ocorreram de forma conturbada. E os
três deputados do PSD Madeira pediram para ir a plenário e votar de forma
diferente do partido, o que fizeram votando contra, ao lado do PS, da IL e da
deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Em conjunto com a abstenção do CDS,
do PAN e do Chega, tal significava que a proposta fora rejeitada. No entanto, imediatamente depois, os três deputados do PSD Madeira
acabaram por mudar o sentido de voto para favorável. Desta forma,
os votos contra do PS, IL e Cristina Rodrigues não foram suficientes e a
proposta voltou a ser aprovada.
A proposta do BE diminui o valor da autorização de despesa total do FR por
eliminação da despesa prevista com Ativos Financeiros, ou seja, “é retirada a autorização para a transferência de 476.608.819 euros
para o Novo Banco”.
Explicou o BE que o objetivo é retirar a verba para o NB, de
forma que o “Estado não assuma nenhum compromisso antes de auditoria” do
TdC. Mariana Mortágua defendeu a proposta, uma das linhas vermelhas do partido
para viabilizar o OE, apontando que “aprovar a verba e dizer que vai levar-se a
auditoria a sério é uma mentira”. E, salientando que “há uma maioria neste momento
na Assembleia que não está disposta a passar cheque em branco”, na
discussão em plenário, vincou que, “na verdade, quem está isolado nesta matéria
é o PS, que se recusa a adotar medida de transparência” e que “não vale a pena
chantagem e dramas num assunto tão sério como este”. Por isso, apontou que se deve
avaliar a “forma como o Novo Banco está a abusar do contrato e, depois da
avaliação, o Governo tomar uma decisão”, pois não se devem “cumprir contratos
ruinosos sem ter qualquer controlo”.
No encerramento do debate do OE 21, o Ministro de Estado
e das Finanças disse que a proposta “viola a Lei de
Enquadramento Orçamental, que obriga o Estado a orçamentar os compromissos
assumidos”, acusou o PSD de brincar com o fogo (num banco com
mais de um milhão de depositantes) e garantiu que o Estado, sem especificar como,
“honrará sempre os seus compromissos”.
Já no debate sobre a proposta do BE, o Governo sublinhara que não há no OE
21 transferências diretas para o NB, mas assegurou que é preciso cumprir o contrato,
tendo o Secretário de Estado das Finanças dito que “o que está no OE
é para garantir condições para Estado respeitar
compromissos”, nomeadamente com a Comissão Europeia, e os contratos,
vincando:
“Vai haver auditoria independente
relativamente a 2019 e resultado vai estar disponível
no final de março. (…) Temos todo interesse em que tudo seja apurado,
mas não vamos colocar o Estado português perante instituições europeias e
quadro contratual numa situação de incumprimento.”.
E, no dia 26, o mesmo governante recordou que “foi
realizada uma auditoria independente por uma das maiores empresas do setor, que
tem 400 páginas e foi enviada a instituições”, sendo que, “até ao
momento, não vimos nenhum documento, nem feito pelo PSD ou BE, que sustentasse
o que quer que fosse com base legal em relação a texto”. Pelo que João Nuno
Mendes voltou a assegurar que “será realizada a nova
auditoria” e que esta “vai estar pronta a tempo da nova transferência”. Questionou,
no entanto, o calendário da auditoria do TdC, perguntando aos deputados “até
quando é que o Governo vai ficar à espera”.
Ademais, o Secretário de Estado apontou que esta é uma “situação de total
incerteza jurídica, em que temos o Parlamento a substituir-se a instituições
reguladoras e a tribunal arbitral”, frisando que a transferência “está em
linha com decisões da Comissão Europeia e é substancialmente inferior a todas
as outras transferências”.
Fonte oficial do Ministério das Finanças terá ficado estupefacta com a
posição do PSD, de completa irresponsabilidade, reveladora de “falta de sentido
de Estado e de defesa dos interesses país”, ao votar que impede o FR de
transferir dinheiro para o banco liderado por Ramalho.
Do lado do PS, João Paulo Correia acentuando que “o PSD juntou os seus votos aos do BE para impedir a banca de resolver
o problema da banca”, sustentou que “não está em causa o dinheiro dos impostos”,
mas que a aprovação desta proposta “significa rasgar um contrato”. Ou seja, a atitude
do PSD em relação ao NB é “uma bomba atómica no setor financeiro”, porque rasga
a estabilidade do setor.
Rui Rio, líder do PSD, clamando que “o
Ministério Público devia ver isto”, disse que fez uma votação política e que, se
o Governo quiser ir para uma batalha legal, tem esse direito”. E afirmou
pretender “que os contratos sejam cumpridos, mas com a contraparte” a cumprir
também. Por isso e já que a proposta “dá a garantia de que o lado vai cumprir,
quando o Novo Banco cumprir também”, garantiu que a votava, fosse ela do BE,
quer fosse do Chega. E, aduzindo que a sua posição é “não massacrar os
contribuintes”, comentou:
“O
Novo Banco a vender património um atrás do outro sabe-se lá a quem, há um
momento em que é preciso dizer basta”.
E Duarte Pacheco, também deputado do PSD, admitiu, em consonância com o
líder, que “o Estado tem de cumprir os contratos sempre”, mas frisou que “o
cumprimento dos contratos tem as duas partes”, pelo que se paga “a conta se a conta for devida” e não só a conta que “é
apresentada”. E apontou que, depois de a auditoria ao NB estar
concluída, o Governo poderá apresentar uma alteração ao OE, ficando o PSD com o
compromisso de a viabilizar, porque “temos de honrar sempre os nossos
compromissos”.
O PCP não se pronunciou sobre o tema na discussão no plenário naqueles dois
dias de debate. No entanto, votou a favor da proposta do BE tanto num dia como
no outro, além de anteriormente ter apresentado uma proposta de alteração ao OE
(que foi
rejeitada), que determinava que, “no ano de 2021, a utilização de quaisquer verbas do Fundo de
Resolução para a recapitalização de instituições de crédito de capital privado
ou parcialmente privado, obriga o Governo a iniciar o processo necessário
ao controlo público da instituição de crédito em causa, nos termos a definir
por Decreto-Lei”. Nessa proposta, o PCP ditava que o Governo tinha de
aprovar, “no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente Lei, o
Decreto-Lei que regulamenta as condições e procedimentos necessários ao
controlo público de instituições de crédito que tenham recorrido ao Fundo de
Resolução”.
Quanto ao CDS, Cecília Meireles declarou que o partido criticou, desde o
início, o contrato de venda do NB e, observando que o que se está a discutir é
se a transferência deve ou não ser autorizada antes da auditoria, cuja “necessidade
o próprio reconhece”, explicitou:
“A questão do incumprimento contratual é uma
falsa questão. Há uma solução muito fácil para este assunto.
É a auditoria ser entregue e de uma vez por todas esclarecer as dúvidas
relacionadas com a venda de ativos.”.
André Silva, do PAN, vincou que a posição do partido “foi claríssima desde
o primeiro dia”: “não queríamos mais injeções diretas de dinheiro público” no
NB. E o partido propôs que “toda e qualquer injeção tivesse” fosse sujeita à aprovação da AR mas que a avaliação da UTAO (Unidade
Técnica de Apoio Orçamental) e do CFP
(Conselho
das Finanças Públicas)
verificasse o impacto.
Quanto ao PEV, José Luís Ferreira lembrou que, desde o início da crise
financeira, “os portugueses já pagaram mais de 20 mil milhões a tentar salvar a
banca”. E, sobre o NB, atirou:
“O que nasce torto tarda ou nunca se
endireita. Os contribuintes já estão fartos de andar a pagar as aventuras dos
banqueiros.”.
E o deputado do PEV, alinhado com o PCP, defendeu que o NB deve estar nas
mãos do Estado ou que “é preciso começar a fechar a torneira”.
João Cotrim de Figueiredo, da IL, criticou a proposta do BE, anotando que o
partido “lembrou-se de eliminar verba do Fundo de Resolução numa versão populista
do já pagamos”. E, frisando que o NB “não é coisa estática mas altamente
dinâmica”, defendeu que, com aquela proposta, “toda a gente, dentro e fora de Portugal,
fica a saber que Estado não fica obrigado a cumprir contratos e percebe que o
banco pode ficar descapitalizado”. Assim, como vincou, “com banco mais frágil,
menos depositantes, menos clientes, serão trabalhadores do Novo Banco primeiros
a pagar”. Por isso, reiterou que só não vê “cenas em que contribuinte português
saia bem”.
Já André Ventura, sustentando que a proposta do BE é uma “aberração
jurídica”, “ao convidar incumprimento” e ao não esclarecer condições, recordou
que o Chega propôs uma comissão de inquérito ao NB que o BE não votou a favor.
No entanto, adiantou que o Chega não se oporá à proposta, mas que apenas não
vota favoravelmente porque “está juridicamente mal construída”.
***
A agência de ‘rating’ DBRS, uma das 4
reconhecidas pelo BCE, diz que o “impasse político” gerado esta quinta-feira
cria “incerteza” sobre o capital do Novo Banco e traz risco de litigância.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro
anunciou no Twitter que telefonou à presidente do BCE (Banco Central Europeu) a garantir que Portugal vai cumprir
escrupulosamente os compromissos assumidos relativamente ao NB. E o BCE referiu
não haver comentários
a fazer, nesta fase.
Os investidores no mercado de
obrigações estão a transacionar dívida pública portuguesa no prazo de referência
a 10 anos com juros muito perto de zero (já, mesmo, yields negativas segundo
algumas fontes). Este é
um momento histórico que acontece num momento em que os participantes do
mercado estão a posicionar-se para um mais do que provável reforço dos estímulos
monetários a anunciar pelo BCE no próximo mês. E não há, para já,
qualquer reação à polémica na AR com a aprovação da
alteração que impossibilitará, para já, a transferência anual do FR para o NB,
mesmo com fundos vindos de um empréstimo por parte dos bancos ao FR. A polémica ainda não chegou, pelos vistos “aos ouvidos” dos mercados.
Por sua vez, o TdC não confirma se já
iniciou os trabalhos da auditoria pedida pela AR sobre a gestão de ativos do
NB, nem responde a questões relativas a prazos e métodos. Fonte oficial apenas
afirma que o “Tribunal de Contas recebeu o pedido de auditoria formulado pelo
Parlamento, ao qual está a dar o respetivo seguimento”.
***
Não se entende a insistência no
cumprimento literal de contrato face a indícios de atropelo de um dos
outorgantes. Portanto, antes de decisão definitiva, terão de se apurar os
factos e agir em conformidade. Não o aceitar é imprudência, servilismo ou arrogância.
Isto para não falar da conveniência de o Estado dever controlar (ao menos transitoriamente) um ente custeado por si.
2020.11.28 – Louro de Carvalho
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