sábado, 28 de novembro de 2020

Novo Banco contaminou Orçamento do Estado para 2021

O problema do Novo Banco (NB) esteve na berlinda no âmbito do Orçamento do Estado para 2021 (OE 21) na Assembleia da República (AR), depois de, numa reviravolta, ter sido aprovada a proposta do Bloco de Esquerda (BE) de travar a transferência do Fundo de Resolução (FR) para o banco em 2021 até que seja conhecida a auditoria do Tribunal de Contas (TdC)A medida foi de novo chamada à AR, onde voltou a ser aprovada.

No dia 25, a proposta foi viabilizada com a coligação negativa na AR que agrupou PSD, BE, PCP e PAN. O CDS absteve-se e o PS, o Chega e a Iniciativa Liberal (IL) votaram contra. No dia 26, após o PS ter pedido por duas vezes pausas nos trabalhos, as votações ocorreram de forma conturbada. E os três deputados do PSD Madeira pediram para ir a plenário e votar de forma diferente do partido, o que fizeram votando contra, ao lado do PS, da IL e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Em conjunto com a abstenção do CDS, do PAN e do Chega, tal significava que a proposta fora rejeitada. No entanto, imediatamente depois, os três deputados do PSD Madeira acabaram por mudar o sentido de voto para favorável. Desta forma, os votos contra do PS, IL e Cristina Rodrigues não foram suficientes e a proposta voltou a ser aprovada.

A proposta do BE diminui o valor da autorização de despesa total do FR por eliminação da despesa prevista com Ativos Financeiros, ou seja, “é retirada a autorização para a transferência de 476.608.819 euros para o Novo Banco”.

Explicou o BE que o objetivo é retirar a verba para o NB, de forma que o “Estado não assuma nenhum compromisso antes de auditoria” do TdC. Mariana Mortágua defendeu a proposta, uma das linhas vermelhas do partido para viabilizar o OE, apontando que “aprovar a verba e dizer que vai levar-se a auditoria a sério é uma mentira”. E, salientando que “há uma maioria neste momento na Assembleia que não está disposta a passar cheque em branco”, na discussão em plenário, vincou que, “na verdade, quem está isolado nesta matéria é o PS, que se recusa a adotar medida de transparência” e que “não vale a pena chantagem e dramas num assunto tão sério como este”. Por isso, apontou que se deve avaliar a “forma como o Novo Banco está a abusar do contrato e, depois da avaliação, o Governo tomar uma decisão”, pois não se devem “cumprir contratos ruinosos sem ter qualquer controlo”.

No encerramento do debate do OE 21, o Ministro de Estado e das Finanças disse que a proposta “viola a Lei de Enquadramento Orçamental, que obriga o Estado a orçamentar os compromissos assumidos”, acusou o PSD de brincar com o fogo (num banco com mais de um milhão de depositantes) e garantiu que o Estado, sem especificar como, “honrará sempre os seus compromissos”.

Já no debate sobre a proposta do BE, o Governo sublinhara que não há no OE 21 transferências diretas para o NB, mas assegurou que é preciso cumprir o contrato, tendo o Secretário de Estado das Finanças dito que “o que está no OE é para garantir condições para Estado respeitar compromissos”, nomeadamente com a Comissão Europeia, e os contratos, vincando:

Vai haver auditoria independente relativamente a 2019 e resultado vai estar disponível no final de março. (…) Temos todo interesse em que tudo seja apurado, mas não vamos colocar o Estado português perante instituições europeias e quadro contratual numa situação de incumprimento.”.

E, no dia 26, o mesmo governante recordou que “foi realizada uma auditoria independente por uma das maiores empresas do setor, que tem 400 páginas e foi enviada a instituições”, sendo que, “até ao momento, não vimos nenhum documento, nem feito pelo PSD ou BE, que sustentasse o que quer que fosse com base legal em relação a texto”. Pelo que João Nuno Mendes voltou a assegurar que “será realizada a nova auditoria” e que esta “vai estar pronta a tempo da nova transferência”. Questionou, no entanto, o calendário da auditoria do TdC, perguntando aos deputados “até quando é que o Governo vai ficar à espera”.

Ademais, o Secretário de Estado apontou que esta é uma “situação de total incerteza jurídica, em que temos o Parlamento a substituir-se a instituições reguladoras e a tribunal arbitral”, frisando que a transferência “está em linha com decisões da Comissão Europeia e é substancialmente inferior a todas as outras transferências”.

Fonte oficial do Ministério das Finanças terá ficado estupefacta com a posição do PSD, de completa irresponsabilidade, reveladora de “falta de sentido de Estado e de defesa dos interesses país”, ao votar que impede o FR de transferir dinheiro para o banco liderado por Ramalho.

Do lado do PS, João Paulo Correia acentuando que “o PSD juntou os seus votos aos do BE para impedir a banca de resolver o problema da banca”, sustentou que “não está em causa o dinheiro dos impostos”, mas que a aprovação desta proposta “significa rasgar um contrato”. Ou seja, a atitude do PSD em relação ao NB é “uma bomba atómica no setor financeiro”, porque rasga a estabilidade do setor.

Rui Rio, líder do PSD, clamando que “o Ministério Público devia ver isto”, disse que fez uma votação política e que, se o Governo quiser ir para uma batalha legal, tem esse direito”. E afirmou pretender “que os contratos sejam cumpridos, mas com a contraparte” a cumprir também. Por isso e já que a proposta “dá a garantia de que o lado vai cumprir, quando o Novo Banco cumprir também”, garantiu que a votava, fosse ela do BE, quer fosse do Chega. E, aduzindo que a sua posição é “não massacrar os contribuintes”, comentou:

O Novo Banco a vender património um atrás do outro sabe-se lá a quem, há um momento em que é preciso dizer basta”.

E Duarte Pacheco, também deputado do PSD, admitiu, em consonância com o líder, que “o Estado tem de cumprir os contratos sempre”, mas frisou que “o cumprimento dos contratos tem as duas partes”, pelo que se paga “a conta se a conta for devida” e não só a conta que “é apresentada”. E apontou que, depois de a auditoria ao NB estar concluída, o Governo poderá apresentar uma alteração ao OE, ficando o PSD com o compromisso de a viabilizar, porque “temos de honrar sempre os nossos compromissos”.

O PCP não se pronunciou sobre o tema na discussão no plenário naqueles dois dias de debate. No entanto, votou a favor da proposta do BE tanto num dia como no outro, além de anteriormente ter apresentado uma proposta de alteração ao OE (que foi rejeitada), que determinava que, “no ano de 2021, a utilização de quaisquer verbas do Fundo de Resolução para a recapitalização de instituições de crédito de capital privado ou parcialmente privado, obriga o Governo a iniciar o processo necessário ao controlo público da instituição de crédito em causa, nos termos a definir por Decreto-Lei”. Nessa proposta, o PCP ditava que o Governo tinha de aprovar, “no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente Lei, o Decreto-Lei que regulamenta as condições e procedimentos necessários ao controlo público de instituições de crédito que tenham recorrido ao Fundo de Resolução”.

Quanto ao CDS, Cecília Meireles declarou que o partido criticou, desde o início, o contrato de venda do NB e, observando que o que se está a discutir é se a transferência deve ou não ser autorizada antes da auditoria, cuja “necessidade o próprio reconhece”, explicitou:

A questão do incumprimento contratual é uma falsa questão. Há uma solução muito fácil para este assunto. É a auditoria ser entregue e de uma vez por todas esclarecer as dúvidas relacionadas com a venda de ativos.”.

André Silva, do PAN, vincou que a posição do partido “foi claríssima desde o primeiro dia”: “não queríamos mais injeções diretas de dinheiro público” no NB. E o partido propôs que “toda e qualquer injeção tivesse” fosse sujeita à aprovação da AR mas que a avaliação da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) e do CFP (Conselho das Finanças Públicas) verificasse o impacto.

Quanto ao PEV, José Luís Ferreira lembrou que, desde o início da crise financeira, “os portugueses já pagaram mais de 20 mil milhões a tentar salvar a banca”. E, sobre o NB, atirou:

O que nasce torto tarda ou nunca se endireita. Os contribuintes já estão fartos de andar a pagar as aventuras dos banqueiros.”. 

E o deputado do PEV, alinhado com o PCP, defendeu que o NB deve estar nas mãos do Estado ou que “é preciso começar a fechar a torneira”.

João Cotrim de Figueiredo, da IL, criticou a proposta do BE, anotando que o partido “lembrou-se de eliminar verba do Fundo de Resolução numa versão populista do já pagamos”. E, frisando que o NB “não é coisa estática mas altamente dinâmica”, defendeu que, com aquela proposta, “toda a gente, dentro e fora de Portugal, fica a saber que Estado não fica obrigado a cumprir contratos e percebe que o banco pode ficar descapitalizado”. Assim, como vincou, “com banco mais frágil, menos depositantes, menos clientes, serão trabalhadores do Novo Banco primeiros a pagar”. Por isso, reiterou que só não vê “cenas em que contribuinte português saia bem”.

Já André Ventura, sustentando que a proposta do BE é uma “aberração jurídica”, “ao convidar incumprimento” e ao não esclarecer condições, recordou que o Chega propôs uma comissão de inquérito ao NB que o BE não votou a favor. No entanto, adiantou que o Chega não se oporá à proposta, mas que apenas não vota favoravelmente porque “está juridicamente mal construída”.

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A agência de ‘rating’ DBRS, uma das 4 reconhecidas pelo BCE, diz que o “impasse político” gerado esta quinta-feira cria “incerteza” sobre o capital do Novo Banco e traz risco de litigância.

Por seu turno, o Primeiro-Ministro anunciou no Twitter que telefonou à presidente do BCE (Banco Central Europeu) a garantir que Portugal vai cumprir escrupulosamente os compromissos assumidos relativamente ao NB. E o BCE referiu não haver comentários a fazer, nesta fase.

Os investidores no mercado de obrigações estão a transacionar dívida pública portuguesa no prazo de referência a 10 anos com juros muito perto de zero (já, mesmo, yields negativas segundo algumas fontes). Este é um momento histórico que acontece num momento em que os participantes do mercado estão a posicionar-se para um mais do que provável reforço dos estímulos monetários a anunciar pelo BCE no próximo mês. E não há, para já, qualquer reação à polémica na AR com a aprovação da alteração que impossibilitará, para já, a transferência anual do FR para o NB, mesmo com fundos vindos de um empréstimo por parte dos bancos ao FR. A polémica ainda não chegou, pelos vistos “aos ouvidos” dos mercados.

Por sua vez, o TdC não confirma se já iniciou os trabalhos da auditoria pedida pela AR sobre a gestão de ativos do NB, nem responde a questões relativas a prazos e métodos. Fonte oficial apenas afirma que o “Tribunal de Contas recebeu o pedido de auditoria formulado pelo Parlamento, ao qual está a dar o respetivo seguimento”.

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Não se entende a insistência no cumprimento literal de contrato face a indícios de atropelo de um dos outorgantes. Portanto, antes de decisão definitiva, terão de se apurar os factos e agir em conformidade. Não o aceitar é imprudência, servilismo ou arrogância. Isto para não falar da conveniência de o Estado dever controlar (ao menos transitoriamente) um ente custeado por si.

2020.11.28 – Louro de Carvalho


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