A perícopa evangélica assumida na liturgia do XXXII domingo
do Tempo Comum no Ano A (Mt
25,1-13) integra-se no chamado
discurso escatológico de Jesus – o seu quinto e último discurso – que ocupa os capítulos
24 e 25 do Evangelho de Mateus.
Para a sua composição o evangelista, que antes fora
publicano, reelaborou o discurso escatológico de Marcos (cf Mc 13) e ampliou-o com três parábolas – a parábola
do mordomo fiel (Mt
24,45-51), a parábola
das dez virgens (Mt
25,1-13) e a parábola
dos talentos (Mt 25,14-30) – e a pinturesca descrição do juízo
final (Mt 25,31-46).
Porém, enquanto Marcos, no discurso escatológico, se refere predominantemente
aos sinais que precederão a destruição do Templo de Jerusalém, Mateus aborda,
sobretudo, o tema da segunda vinda de Jesus e a atitude com que os discípulos a
devem preparar. Trata-se duma perspetiva diferente para responder às
necessidades da comunidade a quem Mateus se dirige. Com efeito, nos finais do século
I (década de 80), Já tinha passado o afã da iminência
do tempo escatológico e os cristãos estavam a relaxar o fervor evangélico e o
ardor testemunhal, pois já não aguardavam com a mesma paciência e esperança como
próxima a última vinda do Senhor e, arrefecida a fé, a comunidade instalara-se
na rotina e no comodismo. Era preciso redespertar os discípulos para o
compromisso com o Evangelho. Um cristianismo descafeinado não interessa!
Neste ambiente, o evangelista vê no “discurso escatológico”
de Jesus uma forte interpelação, que transforma em veemente exortação aos
cristãos lembrando-lhes que a segunda vinda do Senhor está no horizonte final
da história humana e que, enquanto ela não se realiza, os crentes são instados
a viver com coerência e entusiasmo a fé na fidelidade ao ensinamento de Jesus e
no compromisso com a construção do Reino. É a atitude da vigilância à espera do
Senhor.
A parábola das “dez virgens que, tomando as suas candeias (tàs
lâmpadas eautôn),
saíram ao encontro do noivo” alude ao ritual típico do casamento judaico. Efetivamente,
o cenário é o do casamento
judaico tradicional. De acordo com o costume, a cerimónia do casamento começava
com a ida do noivo a casa da noiva, depois do pôr do sol, para a levar para a
sua nova casa.
Normalmente, o noivo chegava atrasado, pois devia, antes,
discutir com os familiares da noiva os presentes que ofereceria à família da amada.
As negociações entre as duas partes eram demoradas e tinham uma importante
função social. Os parentes da noiva deviam mostrar-se exigentes, sugerindo
dessa forma que a família perdia algo de muito precioso ao entregar a menina a
outra família; por seu turno, o noivo e os seus familiares ficavam contentes
com as exigências, pois dessa forma mostravam aos vizinhos e conhecidos o valor
e a importância da mulher que entrava na família. As testemunhas do acordo
estavam prontas para irem avisar a noiva de que as negociações estavam
concluídas e o noivo ia chegar. Entretanto, a noiva, vestida a preceito, esperava
na casa paterna que o noivo viesse ao seu encontro. E as amigas da noiva esperavam
também, com as candeias acesas, para acompanhar a noiva, entre danças e
cânticos, à sua nova casa, pois era aí que tinha lugar a festa nupcial.
O noivo,
acompanhado pelos amigos em cortejo, à luz de tochas e ao som de cânticos,
dirigia-se para a casa da noiva e, quando, ao som do pregão “Chegou o noivo: ide ao seu encontro” (idoù ho nymphíos, exérkhesthe eis apántêsin
autoû), o cortejo chegava à casa do pai da
noiva, esta, com as amigas, deixava a casa de seu pai e formava-se a única
comitiva luminosa e ruidosa, que se dirigia para a casa do noivo para a celebração
do casamento e degustação do banquete nupcial.
É este pano de fundo que suporta a parábola. Não obstante, Dom
António Couto, Bispo de Lamego (vd Jornal da Madeira, de 8 de
novembro), adverte que a
noiva nunca é referida no texto e que o noivo não segue o ritual previsto, pois
se atrasa muito para lá da hora habitual. Também as amigas da noiva saltam fora
da norma, pois estão divididas em dois grupos, iguais em número, mas não em
qualidade: cinco prudentes (phrónimoi) e cinco insensatas (môraí).
E o prelado
lamecense explicita como a arqueologia tem mostrado estas antigas cadeias ou
tochas e o seu funcionamento: um suporte de madeira em cuja cavidade superior
se introduziam trapos e estopa, que eram então embebidos em azeite e acesos só
na hora de sair para o exterior. São, na verdade, luzes de exterior, que nada
têm a ver com as lucernas de interior. Depois de embebidas em azeite, e acesas,
o seu tempo de duração era de cerca de 15 minutos. Pelo que só deviam ser
acesas imediatamente antes de sair (aqui diz-se que estavam acesas). E, como a viagem poderia demorar, devia
transportar-se a almotolia para não haver o risco de a tocha se apagar.
Dado o inesperado
atraso do cortejo do noivo, as amigas da noiva adormecem todas, não se notando,
neste aspeto, diferença entre os dois grupos, até que, a meio da noite, inesperadamente,
a vozearia do cortejo do noivo faz acordar, estremunhadas, todas as amigas da
noiva, surgindo agora a grande diferença no comportamento dos dois grupos: as
prudentes, juntamente com as suas candeias, necessárias para entrarem na
luminosa comitiva noturna, levam o indispensável combustível, o azeite (élaion); mas insensatas, com as candeias a apagarem-se e sem o indispensável
azeite, não puderam integrar a comitiva e, enquanto foram comprar o azeite,
pôs-se em marcha o cortejo até à casa do noivo, iniciou-se o banquete e
fechou-se a porta.
Mais tarde,
chegaram as jovens insensatas e disseram: “Senhor,
Senhor, abre-nos a porta”: Kýrie,
Kýrie, ánoixon hêmîn (Mt 25,11). Porém, a
resposta, surge com mais estrondo que o fechar da porta: “Em verdade vos digo: não vos conheço”: Amèn légô humîn, ouk oîda humâs (Mt 25,12).
A parábola, tal como saiu da boca de Jesus, é uma “parábola
do Reino” (v. 1: “o Reino
dos céus pode comparar-se…”: homoiôthêsetai
hê basileía tôn ouranôn…). O Reino dos Céus é, pois, comparado a uma das celebrações mais alegres
e festivas que os israelitas conheciam: o banquete de casamento. As dez jovens
representam a totalidade do Povo de Deus, que espera ansiosamente a chegada do
Messias (o noivo). Uma parte (a das jovens previdentes) está preparada e, quando o Messias aparece,
pode entrar a fazer parte da comunidade do Reino; outra parte (a das jovens descuidadas, loucas, embrutecidas) não está
preparada e não pode entrar na comunidade do Reino.
Originariamente, a parábola constituía um apelo aos israelitas
a não perderem a oportunidade de participar na grande festa do Reino. Alguns anos
depois, Mateus retomou a parábola para a adaptar às necessidades da comunidade
e converteu-a numa exortação a estarmos preparados para a vinda do Senhor, a
qual pode acontecer no momento menos esperado. A festa é, neste novo contexto,
a segunda vinda de Jesus. O noivo que está para chegar é Jesus. As dez jovens
representam a Igreja que, experimentando na história as dificuldades e as
perseguições, anseia pela chegada da libertação definitiva. Uma parte da Igreja
está preparada, vigilante, atenta e, quando o noivo chega, pode entrar no
banquete da vida eterna; a outra parte não está preparada, porque apostou nos
valores do mundo e esqueceu os valores do Reino.
Na perspetiva de Mateus, “estar preparado para acolher a
vinda do Senhor” significa escutar as palavras de Jesus, acolhê-las no coração
e viver de forma coerente com os valores do Evangelho. “Estar preparado”
significa viver na fidelidade ao desígnio do Pai e amar os irmãos até ao dom da
vida, em todos os instantes da nossa existência. A mensagem que Mateus quer transmitir
com a parábola aos cristãos da sua comunidade e, por analogia, aos cristãos de
todas as comunidades de todos os tempos e lugares é que nós, os crentes, não
podemos afrouxar a vigilância e enfraquecer o compromisso com os valores do
Reino. Com o tempo, as nossas comunidades tendem a instalar-se no comodismo, no
adormecimento, no descuido, numa vida de fé que não compromete, numa religião
de “meias tintas”, num testemunho pouco empenhado e pouco coerente. No entanto,
é preciso renovar em cada dia o nosso compromisso com Jesus Cristo. E a certeza
de que Ele virá deve impulsionar-nos a um compromisso ativo com os valores evangélicos,
na fidelidade ao ensinamento de Jesus e ao compromisso com o Reino.
Para se
entender o alcance das locuções “Senhor,
Senhor” e “não vos conheço”,
importa reler no discurso programático da Montanha (Mt 7,21-23):
“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus,
mas sim aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão
naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos e em teu
nome que expulsámos demónios e em teu nome que fizemos muitos milagres?’. Então
eu lhes declararei: ‘Nunca vos conheci’.”.
E a
propósito do conhecimento e do seu valor, importa reler Mateus 12,48-50, para
descobrir a nova família, instaurada não na categoria do sangue, mas na do
Reino:
“… ‘Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’. E, estendendo a sua mão para
os seus discípulos, disse: ‘Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem faz a
vontade do meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’.”.
Está dito
que o noivo que demora a vir é o Senhor. Ora, temos de saber que o tempo (khrónos) da sua demora é o tempo (kairós) que nos é dado a todos para estarmos sempre prontos,
preparados e operosos. Com efeito, na basta estar informado, mas estar pronto.
Afinal, as jovens insensatas também sabiam o que era necessário, tanto que
acabaram por cumprir o programa e chegar à meta, mas tarde e a más horas,
estando já encerrado o controlo.
É para esta implicação
prática do saber que nos alerta o texto do livro da Sabedoria (Sb6,13-18), qual espelho por antecipação deste passo do
Evangelho.
A sabedoria não é algo de misterioso e oculto que o homem
tenha dificuldade em encontrar. Ao invés, ela brilha com brilho inalterável e
atraente, que prende o olhar de quem a procura. Não é preciso correr atrás dela
com cuidado e fadiga, trilhando caminhos difíceis ou procurando em lugares
recônditos e sombrios. Basta amá-la, desejá-la, que imediatamente se fará
presente a oferecer a vida e felicidade a todos os que anseiam por ela. Quem
ama a sabedoria nela tropeça facilmente, nas circunstâncias mais comuns da vida
quotidiana: à porta da casa, nos caminhos e na intimidade do pensamento. Para
que a sabedoria ilumine a vida do homem, só é preciso disponibilidade para a
acolher.
Neste pão da
“Sabedoria” encontramos o amor, a luz, o conhecimento, a busca incessante, o
encontro feliz. Na verdade, a Sabedoria em Deus é Deus e constitui uma figura
simbólica que indica o amor de Deus, amor nupcial, transformante, unitivo – luminosamente
visível em Jesus Cristo, Sabedoria de Deus. A Sabedoria é Luz divina
inalterável, Vida divina inalterável. Apresenta-se como esposa que vem ao nosso
encontro, tomando a iniciativa do Amor. É Graça preveniente, concomitante, consequente,
que desposa cada fiel e todos os fiéis reunidos em comunidade. É trabalho do
Amor que atravessa o Novo Testamento como Sabedoria Incarnada.
***
Por tudo
isto, não podemos deixar de aproveitar o tempo favorável que nos é concedido
para embarcar no dinamismo do Reino e participar no festim eterno, o das núpcias
divinais.
2020.11.08 – Louro de Carvalho
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