quinta-feira, 7 de julho de 2016

Sobre a proibição do glifosato

O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural disse, em audição parlamentar na Comissão de Agricultura e Mar, que o Governo quer proibir uso de glifosato em espaços públicos em “mês ou mês e meio”, especificando que “espaços públicos” se refere a locais com “grande concentração de pessoas”, como escolas ou hospitais, mas salientando que o produto pode continuar a ser usado nas atividades agrícolas. O governante explicitou que o facto de a legislação que o seu Ministério está a preparar “para levar a Conselho de Ministros” dentro de mês / mês e meio” excecionar da proibição as atividades agrícolas visa o controlo das pragas.

Respondendo a deputado do PSD, que aduziu que a proibição do glifosato pode pôr em causa a competitividade agrícola e vai contra uma anterior decisão da Assembleia da República, que inviabilizou três projetos de resolução para interditar o uso do herbicida, Capoulas Santos esclareceu que o produto poderá continuar a ser usado nas atividades agrícolas. Com efeito, o objetivo não é prescrever a “proibição total”, mas precaver os riscos para a saúde humana associados à inalação do produto, pelo que o Ministério tem estado a promover também a qualificação de aplicadores de fitofármacos. Porém, esqueceu-se, do meu ponto de vista, da polémica sobre a exigência e custos de tal qualificação – o que levou, em tempo, ao esclarecimento de que a formação prescrita se destinava apenas a aplicadores profissionais. O responsável da pasta da Agricultura admitiu ainda exceções em “situações devidamente comprovadas”, se aparecerem “focos de infeção” que seja necessário controlar, por exemplo, em árvores decorativas. E, em resposta a André Silva, deputado do PAN, o Ministro adiantou que a DGAV (Direção-Geral de Agricultura e Veterinária) autorizara a comercialização dum herbicida biológico de uma empresa francesa que pode constituir alternativa ao glifosato, faltando ainda aprovar o rótulo.

Capoulas Santos lembrou igualmente que o Governo passou, a nível comunitário, duma posição favorável ao glifosato para a abstenção, após análise da informação atualmente disponível, que não permite por enquanto “tomar uma posição clara e inequívoca” em relação ao herbicida.
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O potencial carcinogénico do glifosato tem sido associado à taloamina, um coformulante cuja proibição já foi decidida e entrou em vigor a 1 de julho. Trata-se de uma substância que está presente em 26 produtos cujo stock terá de ser escoado durante um período transitório de seis meses (até 31 de dezembro). O glifosato é o ingrediente ativo da fórmula dalguns herbicidas. Porém, as suas diversas formulações comerciais contêm, para lá de sais de glifosato, certos aditivos, como surfactantes de diferentes tipos e em concentrações variáveis. Os toxicologistas vêm estudando os efeitos, isoladamente, do glifosato, dos aditivos e das formulações. E as análises toxicológicas permitem inferir que outros ingredientes em combinação com o glifosato podem ter maior toxicidade do que o glifosato considerado isoladamente. 
A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera que a substância tem um forte potencial cancerígeno. Porém, a Comissão Europeia, que é tão zelosa em determinadas matérias, decidiu prolongar a autorização do emprego do glifosato até 31 de dezembro de 2017, enquanto analisa o assunto com mais detalhe.
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O glifosato foi inventado em 1950, na Suíça, mas foi esquecido por não se conhecer a sua função herbicida. Porém, em 1969, John E. Franz, a trabalhar na Monsanto, fez experiências com compostos que tinham alguma atividade herbicida até chegar ao glifosato. A substância infiltra-se nas folhas das plantas e bloqueia a ação de uma enzima importante na produção de moléculas orgânicas, acabando por matar os vegetais. E, em 1974, o herbicida Roundup, a marca da Monsanto para o glifosato, tinha chegado ao mercado. De então para cá, foram produzidas muitas variações do produto. Em 2000, a patente da Monsanto expirou e outras empresas apostaram neste químico. Só na Europa, são comercializados 300 herbicidas à base de glifosato, de 40 empresas diferentes. A pari, o desenvolvimento desde a década de 1990 de culturas transgénicas – como a soja, o milho e o algodão, resistentes ao glifosato – fez disparar as vendas deste herbicida. Além da agricultura, o herbicida também é usado nos jardins urbanos. E é um dos vários herbicidas oficialmente usados pelo governo dos EUA no “Plano Colômbia” para a pulverização de campos de marijuana e cocaína. E os seus efeitos sobre a saúde e sobre plantações legais e florestas tropicais, bem como a sua eficiência na guerra às drogas têm sido fortemente contestados.
Há mais de 20 anos, as plantações colombianas têm vindo a ser pulverizadas por iniciativa do governo do país, enquanto outros países andinos produtores de coca optaram pela erradicação manual. E, em 2005, o governo da Colômbia manifestou a intenção de pulverizar com glifosato as reservas florestais (a Colômbia é o terceiro país do mundo em biodiversidade), como a Floresta de Putumayo, o que não teve sucesso mercê dos protestos e denúncias da população. Também o governo do Equador protestou, aduzindo que o glifosato afeta os camponeses equatorianos, sendo que as comunidades indígenas são as mais afetadas pelo herbicida.
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No âmbito da Química, o glifosato (termo composto de glicina + fosfato) é um aminofosfonato análogo ao aminoácido natural “glicina”, que ocupa o lugar desta na síntese proteica. O glifosato (N-(fosfonometil) glicina, C3H8NO5P) é um herbicida sistémico não seletivo (mata qualquer tipo de planta) desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes, que é absorvido pelas folhas das plantas e não pelas suas raízes. É o ingrediente principal do Roundup. Muitas plantas culturais geneticamente modificadas são simplesmente modificações genéticas para resistir ao glifosato. Este mata as plantas por inibir a enzima 5-enolpiruvoil-shikimato-3-fosfato sintetase (EPSPS), que sintetiza os aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano), sendo que a EPSPS catalisa a reação do shikimato-3-fosfato (S3P) e do fosfoenolpurivato para formar EPSP (sintase de Mycobacterium tuberculosis) e fosfato. Os aminoácidos aromáticos são usados também para a produção de metabólitos secundários (folatos, ubiquinonas e naftoquinas). Porém, a via do shikimato não está presente em animais.
O glifosato fixa-se fortemente no solo, não deslizando para os aquíferos e sendo, no solo, rapidamente metabolizado por desfosforilação. E persiste menos na água que no solo. Não obstante, foi observada uma persistência 12 a 60 dias nas águas das lagoas do Canadá (a mortalidade era significativa quando as concentrações era superiores aos limites estabelecidos pelas autoridades canadenses); porém, no norte dos EUA, em sedimentos lacustres analisados em Michigan e Oregon, foi observada uma persistência superior a um ano; e glifosato em baixas concentrações tem sido encontrado em muitos rios e córregos dos Estados Unidos e da Europa. Já o uso massivo do glifosato provoca a aparição de resistência, o que leva ao aumento progressivo das doses usadas. Por outro lado, provoca a desvitalização e perda de fertilidade do solo, além de que o herbicida elimina também as bactérias indispensáveis à regeneração do solo.
Entretanto, o risco da utilização do glifosato contra plantas indesejáveis em pântanos ou áreas encharcadas é insignificante ou pequeno para os organismos aquáticos, se as taxas de aplicação forem inferiores a 4 Kg por hectare, e ligeiramente maior, se as taxas de aplicação forem de 8 Kg por hectare. Também o impacto da utilização dos herbicidas à base de glifosato sobre os anfíbios não pode ser considerada como a principal causa do declínio dos anfíbios, pois a maior parte desse declínio ocorreu antes do uso generalizado de glifosato ou até em áreas tropicais intactas, com exposição mínima ao glifosato. No entanto, os cientistas recomendam mais estudos sobre as espécies e o estágio de desenvolvimento da toxicidade crónica e sobre dos níveis de glifosato ambientais, com monitorização contínua dos dados, para se poder determinar se o glifosato tem algum papel (e que tipo de papel) no declínio dos anfíbios em todo o mundo, sugerindo mesmo a inclusão dos anfíbios em baterias de testes padronizados. Na verdade, fatores locais, como o pH e a presença de sedimentos em suspensão, afetam substancialmente a toxicidade nas larvas de anfíbios. Também se sabe que as formulações que contêm glifosato são muito mais tóxicas para anfíbios e peixes do que o glifosato isoladamente. Aquelas formulações podem conter certos componentes ditos “inertes” ou coadjuvantes, que às vezes não constam nos instrumentos de informação, pois a legislação de diversos países não exige a revelação de tais ingredientes. 
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O glifosato comercial causou falhas neurais e malformações craniofaciais em rãs-de-unhas-africanas. Nas experiências foram usados embriões de rã incubados em solução comercial de glifosato com diluição de 1 por 5000, os quais sofreram redução do tamanho do corpo, alterações na morfologia do cérebro, redução dos olhos, alterações dos arcos branquiais e da placa neural, além de outras anomalias do sistema nervoso. Também a injeção de glifosato puro produziu resultados similares em embriões de galinha.
Há fortes indícios de que o glifosato do produto Roundup tenha efeitos nocivos sobre a saúde, como o aumento da incidência de certos tipos de cancro e alterações de feto por via placentária, originando microcefalia. Ademais, pode causar danos aos sistemas cardiovascular, renal, nervoso, gastrointestinal e respiratório. Também há uma substância bacteriogénica que impede a reprodução da flora intestinal e estimula o surgimento do autismo. Mas, apesar de alguns estudos in vitro terem demonstrado que o glifosato reduz a produção de progesterona em células de mamíferos e afeta a mortalidade de células placentárias, ainda não se concluiu pela classificarão do glifosato como disruptor endócrino.
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Sendo tais os efeitos nefastos do herbicida – quer isolado, quer em concentrações, quer em formulações – sobre a saúde das pessoas e dos animais, bem como os riscos ambientais e ecológicos, porque espera a Comissão Europeia para urgir a proibição da sua utilização, se a OMS considera que a substância tem um forte potencial cancerígeno? Serão prioritários os interesses empresariais e não a saúde humana e animal? Espera a UE pelo tratado interatlântico (TTIP) em que se reforçará o império das multinacionais? E o Governo de Portugal não encontra outros meios de combater as pragas ou os seus agricultores não são pessoas a preservar?

2016.07.07 – Louro de Carvalho

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