O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural disse, em audição
parlamentar na Comissão de Agricultura e Mar, que o Governo quer proibir uso de glifosato em espaços públicos em “mês ou mês
e meio”, especificando que “espaços públicos” se refere a locais com
“grande concentração de pessoas”, como escolas ou hospitais, mas salientando
que o produto pode continuar a ser usado nas atividades agrícolas. O governante
explicitou que o facto de a legislação que o seu Ministério está a preparar
“para levar a Conselho de Ministros” dentro de mês /
mês e meio” excecionar da proibição as atividades agrícolas visa o controlo das
pragas.
Respondendo a deputado
do PSD, que aduziu que a proibição do glifosato pode pôr em causa a
competitividade agrícola e vai contra uma anterior decisão da Assembleia da
República, que inviabilizou três projetos de resolução para interditar o uso do
herbicida, Capoulas Santos esclareceu que o produto poderá continuar a ser
usado nas atividades agrícolas. Com efeito, o objetivo não é prescrever a
“proibição total”, mas precaver os riscos para a saúde humana associados à inalação
do produto, pelo que o Ministério tem estado a promover também a qualificação
de aplicadores de fitofármacos. Porém, esqueceu-se, do meu ponto de vista, da
polémica sobre a exigência e custos de tal qualificação – o que levou, em tempo,
ao esclarecimento de que a formação prescrita se destinava apenas a aplicadores
profissionais. O responsável da pasta da Agricultura admitiu ainda exceções em
“situações devidamente comprovadas”, se aparecerem “focos de infeção” que seja
necessário controlar, por exemplo, em árvores decorativas. E, em resposta a André
Silva, deputado do PAN, o Ministro adiantou que a DGAV (Direção-Geral de Agricultura e Veterinária) autorizara a comercialização dum herbicida
biológico de uma empresa francesa que pode constituir alternativa ao glifosato,
faltando ainda aprovar o rótulo.
Capoulas Santos lembrou igualmente que o Governo passou, a nível
comunitário, duma posição favorável ao glifosato para a abstenção, após análise
da informação atualmente disponível, que não permite por enquanto “tomar uma
posição clara e inequívoca” em relação ao herbicida.
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O potencial carcinogénico do glifosato tem sido associado à
taloamina, um coformulante cuja proibição já foi decidida e entrou em vigor a 1
de julho. Trata-se de uma substância que está presente em 26 produtos cujo stock terá de ser escoado durante um
período transitório de seis meses (até 31 de dezembro). O glifosato é o ingrediente
ativo da fórmula dalguns herbicidas. Porém, as suas diversas formulações
comerciais contêm, para lá de sais de glifosato, certos aditivos, como surfactantes de diferentes tipos e em concentrações
variáveis. Os toxicologistas vêm estudando os efeitos, isoladamente, do glifosato,
dos aditivos e das formulações. E as análises toxicológicas permitem inferir que
outros ingredientes em combinação com o glifosato podem ter maior toxicidade do que o glifosato considerado isoladamente.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera que a substância tem um forte potencial
cancerígeno. Porém, a Comissão Europeia, que é
tão zelosa em determinadas matérias, decidiu prolongar a autorização do emprego
do glifosato até 31 de dezembro de 2017, enquanto analisa o assunto com mais
detalhe.
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O
glifosato foi inventado em 1950, na Suíça, mas foi esquecido por não se
conhecer a sua função herbicida. Porém, em 1969, John E. Franz, a trabalhar na
Monsanto, fez experiências com compostos que tinham alguma atividade herbicida
até chegar ao glifosato. A substância infiltra-se nas folhas das plantas e
bloqueia a ação de uma enzima importante na produção de moléculas orgânicas,
acabando por matar os vegetais. E, em 1974, o herbicida Roundup, a marca da Monsanto para o glifosato, tinha chegado ao
mercado. De então para cá, foram produzidas muitas variações do produto. Em
2000, a patente da Monsanto expirou e outras empresas apostaram neste químico.
Só na Europa, são comercializados 300 herbicidas à base de glifosato, de 40
empresas diferentes. A pari, o
desenvolvimento desde a década de 1990 de culturas transgénicas – como a soja,
o milho e o algodão, resistentes ao glifosato – fez disparar as vendas deste
herbicida. Além da agricultura, o herbicida também é usado nos jardins urbanos.
E é um dos vários herbicidas oficialmente usados pelo governo dos EUA no “Plano
Colômbia” para a pulverização de campos de marijuana e cocaína. E os seus efeitos sobre a saúde e sobre
plantações legais e florestas tropicais, bem como a sua eficiência na guerra às
drogas têm sido fortemente
contestados.
Há
mais de 20 anos, as plantações colombianas têm
vindo a ser pulverizadas por iniciativa do governo do país, enquanto outros
países andinos produtores de coca optaram pela erradicação manual. E, em 2005,
o governo da Colômbia manifestou a intenção de pulverizar com glifosato as
reservas florestais (a Colômbia é o terceiro país do mundo em biodiversidade), como a Floresta de
Putumayo, o que não teve sucesso mercê dos protestos e denúncias da população.
Também o governo do Equador protestou,
aduzindo que o glifosato afeta os camponeses equatorianos, sendo que as
comunidades indígenas são as mais afetadas pelo herbicida.
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No âmbito da Química, o glifosato (termo
composto de glicina + fosfato) é um aminofosfonato
análogo ao aminoácido natural “glicina”, que ocupa o lugar desta na síntese
proteica. O glifosato (N-(fosfonometil) glicina, C3H8NO5P) é um herbicida sistémico não seletivo (mata qualquer tipo de
planta)
desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes, que é absorvido pelas
folhas das plantas e não pelas suas raízes. É o ingrediente principal do Roundup. Muitas plantas culturais
geneticamente modificadas são
simplesmente modificações genéticas para resistir ao glifosato. Este mata as plantas por inibir a enzima 5-enolpiruvoil-shikimato-3-fosfato
sintetase (EPSPS), que sintetiza os
aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano),
sendo que a EPSPS catalisa a reação do shikimato-3-fosfato (S3P) e do
fosfoenolpurivato para formar EPSP (sintase de Mycobacterium
tuberculosis) e fosfato. Os aminoácidos aromáticos são
usados também para a produção de metabólitos secundários (folatos,
ubiquinonas e naftoquinas). Porém, a via do shikimato não está presente em animais.
O
glifosato fixa-se fortemente no solo, não deslizando para os aquíferos e sendo,
no solo, rapidamente metabolizado por desfosforilação. E persiste menos na água
que no solo. Não obstante, foi observada uma persistência 12 a 60 dias nas
águas das lagoas do Canadá (a mortalidade era significativa quando as concentrações era
superiores aos limites estabelecidos pelas autoridades canadenses); porém, no norte dos
EUA, em sedimentos lacustres analisados em Michigan e Oregon, foi observada uma
persistência superior a um ano; e glifosato
em baixas concentrações tem sido encontrado em muitos rios e córregos dos
Estados Unidos e da Europa. Já o uso massivo do glifosato provoca a aparição de
resistência, o que leva ao aumento progressivo das doses usadas. Por outro lado,
provoca a desvitalização e perda de fertilidade do solo, além de que o herbicida
elimina também as bactérias indispensáveis à regeneração do solo.
Entretanto,
o risco da utilização do glifosato contra plantas indesejáveis em pântanos ou
áreas encharcadas é insignificante ou pequeno para os organismos aquáticos, se
as taxas de aplicação forem inferiores a 4 Kg por hectare, e ligeiramente
maior, se as taxas de aplicação forem de 8 Kg por hectare. Também o impacto da utilização
dos herbicidas à base de glifosato sobre os anfíbios não pode ser considerada
como a principal causa do declínio dos anfíbios, pois a maior parte desse
declínio ocorreu antes do uso generalizado de glifosato ou até em áreas
tropicais intactas, com exposição mínima ao glifosato. No entanto, os
cientistas recomendam mais estudos sobre as espécies e o estágio de desenvolvimento
da toxicidade crónica e sobre dos níveis de glifosato ambientais, com monitorização
contínua dos dados, para se poder determinar se o glifosato tem algum papel (e que tipo de papel) no declínio dos
anfíbios em todo o mundo, sugerindo mesmo a inclusão dos anfíbios em baterias
de testes padronizados. Na verdade, fatores locais, como o pH e a presença de sedimentos em suspensão,
afetam substancialmente a toxicidade nas larvas de anfíbios. Também se sabe que as
formulações que contêm glifosato são muito mais tóxicas para anfíbios e peixes
do que o glifosato isoladamente. Aquelas formulações podem conter certos
componentes ditos “inertes” ou coadjuvantes, que às vezes não constam nos instrumentos
de informação, pois a legislação de diversos países não exige a revelação de
tais ingredientes.
***
O
glifosato comercial causou falhas neurais e malformações craniofaciais em rãs-de-unhas-africanas. Nas
experiências foram usados embriões de
rã incubados em solução comercial de glifosato com diluição de 1 por 5000, os
quais sofreram redução do tamanho do corpo, alterações na morfologia do
cérebro, redução dos olhos, alterações dos arcos
branquiais e da placa neural, além de outras anomalias do sistema nervoso. Também a injeção de
glifosato puro produziu resultados similares em embriões de galinha.
Há fortes indícios de que o glifosato do produto Roundup tenha
efeitos nocivos sobre a saúde, como o aumento da incidência de certos tipos de
cancro e alterações de feto por
via placentária, originando microcefalia. Ademais, pode causar danos aos
sistemas cardiovascular, renal, nervoso, gastrointestinal e respiratório. Também há uma substância bacteriogénica
que impede a reprodução da flora intestinal e estimula o surgimento do autismo.
Mas, apesar de alguns estudos in vitro
terem demonstrado que o glifosato
reduz a produção de progesterona em células de mamíferos e afeta a mortalidade
de células placentárias, ainda não se concluiu pela classificarão do glifosato
como disruptor endócrino.
***
Sendo tais os efeitos nefastos do herbicida –
quer isolado, quer em concentrações, quer em formulações – sobre a saúde das pessoas
e dos animais, bem como os riscos ambientais e ecológicos, porque espera a
Comissão Europeia para urgir a proibição da sua utilização, se a OMS considera que
a substância tem um forte potencial cancerígeno? Serão prioritários os
interesses empresariais e não a saúde humana e animal? Espera a UE pelo tratado
interatlântico (TTIP)
em que se reforçará o império das multinacionais? E o Governo de Portugal não
encontra outros meios de combater as pragas ou os seus agricultores não são pessoas
a preservar?
2016.07.07 – Louro de
Carvalho
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