Entre
os dias 4 e 6 de julho, o Presidente da República percorria a região de Trás-os-Montes
no quadro de mais uma campanha de conhecimento e auscultação das populações,
que ele denomina de “Portugal próximo”.
Entretanto,
chegado o termo da missão de empatia que o levou a calcorrear cidades, vilas e
aldeias dos distritos de Vila Real, Bragança e Guarda (parte norte do distrito), já demasiado
desertificados, e depois de entrar em casa das pessoas, trocar beijos e abraços
na rua, decidiu-se por ir a França assistir ao Portugal-País de Gales, em Lyon,
no âmbito da meia-final do Euro 2016. Sem mais delongas, apanhou em Bragança um
Falcon da Força Aérea
Portuguesa, um dos três que estão à disposição do Governo e da Presidência
para deslocações oficiais – no que foi acompanhado por dois membros do Governo e
outros passageiros.
Marcelo
Rebelo de Sousa é um adepto fervoroso da seleção das Quinas, que nunca se coibiu
de comentar as performances da seleção nacional enquanto foi comentador
político (em
cujo exercício persiste). Porém, o Correio da Manhã,
logo no dia 7, informava que a viagem de Marcelo para ver o Euro custava 14 mil euros e especificava:
uma hora de voo nesta aeronave (combustível e manutenção) custa cerca de 3500 euros. O porta-voz da Força
Aérea (FA) desvalorizou aqueles
números, explicando que os aviões têm de voar de uma maneira ou de outra, para
a tripulação se manter ativa, treinada e qualificada e acrescentando que, se a
FA não fosse transportar o Presidente, “provavelmente o próximo voo estaria
vazio”.
***
Apanhado
pelas contas da crítica, o Presidente Marcelo falou, no dia 8, de “uma prática
diferente” para justificar que pagava uma viagem a França num avião Falcon da FA, apesar de ter direito a
essa viagem sem a pagar. Diz Marcelo que “o Presidente da
República tinha esse direito, e ainda por cima repartido com o Governo”, porque
no mesmo avião, para assistir ao jogo Portugal-País de Gales, viajaram dois
membros do Governo e “eram dois órgãos de soberania a pagar”. E, do seu lado,
justificou: “no entanto, entendi, como sou um radical nessas matérias, mais
papista do que o Papa, e decidi pagar”. Mais acrescentou que não estava a abrir
nenhum precedente, atendo-se apenas ao facto de ser uma “prática diferente”,
tendo já acontecido pagar do seu bolso almoços em Belém, que, ainda que tenham
sido de trabalho, não foram oficiais.
Feitas as contas, parece que daqueles 14 mil euros – que juntam
a manutenção e o combustível – apenas seria debitado o combustível (pelos vistos, só este é
contabilizado no caso de órgãos de soberania), que somaria 6 mil euros – quantia que, dividida
por 10, cabe a Marcelo uma quota de 600 euros.
Com efeito, fonte oficial do Palácio de Belém explicava: o valor do
combustível (cerca
de seis mil euros) dividia-se pelo número de passageiros (dez) e chegava a um valor
por passageiro a rondar os 600 euros, sendo esse o montante que Marcelo assumia.
A mesma fonte adiantava que, se a viagem tivesse sido feita em voo comercial,
como nas duas ocasiões anteriores, o custo seria maior, porque implicaria
pernoita.
***
Para quê tanta coisa e tanta conta
só para justificar a seriedade e probidade do atual Presidente, que ninguém pôs
em causa? Ainda é cedo para mitificar a figura e a presidência de Marcelo.
Provavelmente nem ele o pretenderá.
As coisas são como são. Esteja onde
estiver, Marcelo é o Presidente da República até que expire o mandato ou a ele venha
a renunciar. Do meu ponto de vista, entendo que, seja por interesse pessoal seja
por interesse público, a sua presença em momento ou momentos do Euro 2016 é a
presença do representante do Estado. Não tem de pagar do seu próprio bolso. Deve
é ponderar primeiro – por si e seus conselheiros – se se justifica a sua
presença ou não no ato público e selecionar o meio de transporte e outros meios
logísticos mais adequados em termos de custos e de dignidade pessoal, pública e
política. E os custos devem ser assumidos pelo orçamento da Presidência da
República. Ademais, a um direito não se renuncia com facilidade.
Quanto aos almoços de trabalho,
manifesto o mesmo entendimento. Recusar-me-ia a participar num almoço de
trabalho com o Presidente no Palácio de Belém, sabendo que seria ele a pagar do
seu bolso. E, se não eram almoços oficiais, não deveriam ter lugar em Belém.
A todos os órgãos de soberania e
demais departamentos da administração pública se pede boa gestão de meios e obviamente
contenção nas despesas. Porém, é de censurar qualquer atitude miserabilista. O país
é pobre, mas não pelintra; os seus representantes são gestores e não merceeiros.
Ou será que também o Presidente paga do seu bolso a segurança que a polícia lhe
deve fazer, quando se trata da sua presença em atos públicos, mas que não
oficiais?
A dignidade do Estado não se reduz
à vaquinha a que recorrem os cidadãos comuns nos seus atos de lazer: dividimos
por todos os custos da gasolina e vamos à bola, ao concerto ou à praia.
Quanto ao pagamento apenas do
combustível, seja só com Marcelo, seja já de prática anterior, trata-se de
iludir a questão. Quem dera que o cidadão comum se limitasse a pagar os custos
de combustível quando viaja em transportes públicos ou em transportes de
aluguer!
O porta-voz da FA, acima referido
tem razão. As aeronaves têm de fazer horas de voo, para os oficiais se manterem
ativos. E, se o pagamento de combustível é para minorar as deficiências orçamentais
da FA, que pague, não o utente Presidente nem o utente membro do Governo, mas o
orçamento do órgão que o dito utente representa.
Além disso, Marcelo paga porque
pode. Mas a democracia séria e moderna não pode esbulhar a fortuna pessoal dos
eleitos.
Parece,
entretanto, que Marcelo nos quer habituar a tipo de postura. Já em campanha eleitoral
sublinhava recorrentemente que pagava as despesas do seu bolso e criticava os
gastos dos demais candidatos presidenciais. Dizem que, passados poucos dias da
tomada de posse, recusara o Mercedes de 130 mil euros que recebera da Presidência
de Cavaco Silva para alugar um Mercedes mais barato. Resta saber quanto custará
tal aluguer e que modalidade de aluguer (leasing, aluguer de longa duração,
rent a car…). E quem não se lembra
do golpe de misericórdia que sofreu a popularidade do seu antecessor por causa
do discurso miserabilista que pronunciou de improviso em relação ao valor das suas
pensões e da esposa e por ter renunciado ao vencimento de Presidente em troca
da perceção das pensões?
Obviamente,
concordo com o que escreve João Miguel Tavares no Público de hoje, dia 9, e que transcrevo:
“Embora eu aprecie
gestos de contenção e exemplos de modéstia, convém não cair no ridículo. A
democracia tem custos. Se os portugueses concluírem que Marcelo viajou demais e
andou a ir demasiado à bola, logo tratarão de ajustar contas em 2021. Para já,
mais vale cortar na demagogia do que no combustível. O país está meio falido,
mas, que se saiba, ainda não é uma mercearia.”
E dizer que não se prevê nova utilização
do Falcon por Marcelo até ao final do
ano – até porque o Presidente estará presente, no próximo domingo, dia 10, em
Paris, para assistir à final do Euro 2016 e que a deslocação será feita em voo
comercial – torna-se arriscado ou de nulo efeito. A FA tem disponíveis três aparelhos
daqueles para a Presidência e para o Governo. Quem garante que tal não será justificável
ou necessário uma que outra vez? Terá Marcelo o direito de não querer utilizar
esta prerrogativa apenas para parecer pobre? Irá pagar do seu bolso? Não, não
creio nem quero tal miserabilismo público. Franciscanismo sim, mas nem tanto!
2016.07.09 – Louro de
carvalho
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