A seleção portuguesa, contra as expectativas de
muitos, e em consonância com a fé-esperança de muitos mais, percorreu todas as
etapas preparatórias de qualificação para o Euro 2016, um campeonato europeu,
organizado pela UEFA e cujo palco foram algumas vultuosas cidades de França,
sendo a final disputada em Paris no Estádio de Saint-Denis.
Os portugueses, mas em especial os emigrantes
residentes e trabalhadores em França e em países limítrofes, acarinharam os
jogadores convocados, que foram, neste contexto, o rosto do país. Marcelo, o
Presidente, recebeu-os no Palácio de Belém, bem como aos dirigentes da Federação
Portuguesa de Futebol e às equipas técnicas e logísticas, deixando-lhes
notáveis palavras de estímulo e de esperança.
As praças das nossas cidades e vilas
encheram-se num misto de exultação e desencanto face às primeiras partidas
premiadas com o empate. Mas os residentes em França – portugueses, de dupla
nacionalidade ou simplesmente luso-descendentes – não esmoreceram na fé e no
entusiasmo. Por seu turno, do bloco de representantes futebolísticos de
Portugal emanavam posições discursivas denotativas do propósito de vencer. É
Fernando Santos quem mantém a chama da esperança e alguns jogadores, em que se
destaca Cristiano Ronaldo.
É certo que nem sempre as afirmações de fé
pareciam sustentadas; e algumas atoardas de Ronaldo eram demasiado atrevidas,
mas a este pagou-lhe a contracrítica de intervenientes de outros países e de
alguns interativos nas redes sociais.
Entretanto, com a presença da seleção das
Quinas na semifinal, os ânimos redobraram de vigor, de fé desportiva e de
esperança; e a presença do Presidente da República em Lyon, criticada
provincianamente por alguns pela utilização de um Falcon da Força Aérea (e a cuja crítica ele não respondeu de forma mais urbana, como
já tive ocasião de referir), constituiu um apoio institucional de peso ao
moral da equipa.
E Portugal, a 10 de julho, sagrou-se campeão da
Europa em futebol – título que perdura por um quadriénio. Bateu-se contra a
França, a anfitriã. Foi jogo, não insulto. Também em 2004, Portugal foi
anfitrião do Euro 2004 e perdeu – com pena, mas desportivamente – a final com a
Grécia, mal pensando que a crise de 2008 iria ditar uma similar sorte
económico-financeira – e sobretudo política – aos dois países periféricos no
Euro (político) e na UE.
Mas, a 10 de julho, estavam lado a lado, como
espectadores qualificados, Marcelo por Portugal e Hollande pela França. A taça
veio para Portugal. E o Presidente da República voltou a receber os
representantes futebolísticos do país, dirigiu-lhes palavras de felicitação e
de orgulho nacional (algumas
demasiado técnicas e pouco políticas) e condecorou-os com o grau de comendador da
Ordem do Mérito. E, em seguida, percorreram as principais ruas da capital,
tendo terminado a jornada na Cidade do Futebol, em Oeiras.
***
Passado que foi o evento, fazem-se leituras
díspares. Fala-se de orgulho nacional, mérito, milagre, sorte portuguesa, azar
dos franceses. Diz-se que este troféu surge num momento de depressão política
pela ameaça de sanções ao país por défice excessivo (em parte revejo-me neste alívio do país).
Há quem elogie Ronaldo, porque só não fez mais e melhor porque foi lesionado
pouco depois de o torneio ter iniciado e por, fora do retângulo, ter servido de
adjunto do selecionador e quiçá do capitão em exercício nas indicações de jogo.
Aficionados a Ronaldo e a Portugal sentem que a lesão foi no joelho, mas a dor
se instalou no coração e, por isso, as lágrimas irromperam.
Porém, em contraponto, há quem suponha que fora
melhor Cristiano não ter continuado em campo, pois facilmente monopolizaria as
oportunidades de golo, provavelmente sem êxito. Outros dizem que Éder marcou golo, porque chutara a bola
para se ver livre dela ou que Portugal teve sorte com o empurrão francês daquela
bola que bateu no poste do guardião português, não tendo sido golo por
milímetros.
Parece que já tivemos seleção com melhores
jogadores individualmente considerados, mas é inegável que este selecionador
conseguiu que resultasse sempre um trabalho de equipa cooperante – solidária tanto
nos melhores lances como nos menos conseguidos. E não há dúvida de que Rui
Patrício foi a estrela do seu canteiro (chantier,
diriam os franceses).
Se aconteceu milagre e se gerou rara conjugação
de esforços e fatores que não se repetem, não se pode dizer com Sousa Tavares
que “estão a matar o futebol, à nossa vista”.
É certo que se empatou com Islândia, Áustria e
Hungria – facto de que resultou um 3.º lugar, que poderia, noutras
circunstâncias, redundar na eliminação. Porém, as coisas são como são. E, em
jogo, vale o mérito de uns como vale contar com o de mérito de outros; e manda
a sorte de uns e o azar de outros. Já, em 1972, Nada Malanima cantava no
Festival de San Remo: “A vida é um jogo;
canta quem vence e quem perde chora” (Da canção Il re di
denari).
Ademais, Portugal jogou – e ganhou – com a Croácia, Polónia e País de Gales. Será, a meu ver,
coincidência a mais ou milagre a mais, enveredar por vitórias seguidas sem
trabalho, sem técnica e sem empenhamento.
Quanto à final, houve situações de sorte?
Houve, mas de parte a parte. Houve situações de azar? Houve, mas de parte a
parte. Houve situações de mérito? Houve, mas de parte a parte. Portugal não
jogou bem em termos globais? Não, mas a França também não. E teve momentos em
que usou de muita dureza. Não digo que a arbitragem fosse boa ou má. As faltas
são demasiado instantâneas e veem-se melhor pela TV! E, sobretudo, não é
difícil fazer-se um jogo de uma final que não seja medíocre, já que as
expectativas de quem vê os seus ir à final costumam ser demasiado elevadas e o
nervosismo apodera-se do homens.
É
óbvio que, muitas vezes, clubes pequenos jogam melhor que os grandes e com os
grandes, como se pode observar nalguns jogos da Taça de Portugal. Não obstante,
tal verificação não impede o elogio ao futebol da seleção e ao país. Cada
facto tem o seu contexto, até porque a seleção não tem um corpo de jogadores
seus de caráter permanente: vive do recrutamento de jogadores com nacionalidade
portuguesa a partir dos diferentes clubes. O tempo do selecionador não é muito
e não é fácil congraçar intelectos, vontades e estilos.
Por seu turno, a Fernando Santos, se teve
melhor sorte que outros selecionadores, não se pode apontar a falta de
empenhamento e trabalho e, sobretudo, tem se se lhe reconhecer o mérito de fazer
da equipa um corpo cooperante, o que não é fácil. Às vezes o vedetismo
sobrepõe-se equipa.
***
A França não reagiu bem, não chegou a bater com a realidade. Foi derrotada
na final do Euro 2016 e são já vários os casos que vêm evidenciando o mau
perder dos franceses, desde o jornal L’
Equipe, que não deu nota a Ronaldo ou Éder, ou à Tour Eiffel que se
iluminou com as cores da França, e não de Portugal, após o jogo da final –
o que fazia com jogos anteriores, envergando as cores do vencedor.
Porém, mais rocambolesco é o episódio da petição criada no site francês ‘mesopinions.com’, que pede
a repetição da final do Euro 2016 e que, em poucas horas, já contava com cerca
de 60 mil apoiantes. E o lema é: “a fraude portuguesa não mereceu o troféu”.
Outros apelidam injusta e agressivamente a seleção portuguesa de cínica. Não
percebi a razão.
Mas nem todos assim são. Um adepto francês, triste por a França ter perdido,
considera que Éder chutou para se ver livre da bola, talvez porque ela lhe
estorvava, mas dá os parabéns.
Sim, um pouco de tristeza e de humor não fica mal de todo.
E prefiro este incentivo ao moral na nação lusíada ao incentivo sugerido
por Schäuble pela via das sanções por incumprimento devido ao défice excessivo. É
caso para dizer que soube bem a derrota da Alemanha pela França na semifinal.
***
Como curiosidade, as redes sociais estão a dar relevo à carta que
o selecionador alegadamente tinha na gaveta desde o jogo com a Áustria de que
resultou o empate que muitos rotularam de fatal para a esperada queda precoce da
Seleção Nacional no Euro 2016. Transcrevo-a pelo que tem de religiosidade,
humanismo, afeto, familiaridade, amizade e confiança:
“Em primeiro lugar e
acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da
minha vida. Deixar uma palavra especial ao presidente, Dr. Fernando Gomes, pela
confiança que sempre depositou em mim. Não esqueço que comecei com um castigo
de oito jogos pendentes.
A toda a direção e a
todos os que viveram comigo estes meses. Aos jogadores, dizer mais uma vez que
tenho um enorme orgulho em ter sido o seu treinador. A estes e àqueles que aqui
não puderam estar presentes. Também é deles esta vitória. O meu desejo pessoal
é ir para casa. Poder dar um beijo do tamanho do mundo à minha mãe, à minha
mulher, aos meus filhos, ao meu neto, ao meu genro e à minha nora e ao meu pai,
que junto de Deus está certamente a celebrar.
A todos os amigos,
muitos deles meus irmãos, um abraço muito apertado pelo apoio mas
principalmente pela amizade. Por último, mas em primeiro, ir falar com o meu
maior amigo e sua mãe. Dedicar-Lhe esta conquista e agradecer-Lhe por ter sido
convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para
guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para
glória do Seu nome”.
***
E é assim. Um homem comum, que dizem que não jogava futebol, tal como é,
aprontou a seleção para a vitória. Mérito, sorte, trabalho? Talvez um pouquito
de tudo, mas sem a pregação Urbi et Orbi da humildade balofa.
2016.07.12 – Louro de Carvalho
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