quarta-feira, 13 de julho de 2016

No rescaldo do Euro 2016

A seleção portuguesa, contra as expectativas de muitos, e em consonância com a fé-esperança de muitos mais, percorreu todas as etapas preparatórias de qualificação para o Euro 2016, um campeonato europeu, organizado pela UEFA e cujo palco foram algumas vultuosas cidades de França, sendo a final disputada em Paris no Estádio de Saint-Denis.
Os portugueses, mas em especial os emigrantes residentes e trabalhadores em França e em países limítrofes, acarinharam os jogadores convocados, que foram, neste contexto, o rosto do país. Marcelo, o Presidente, recebeu-os no Palácio de Belém, bem como aos dirigentes da Federação Portuguesa de Futebol e às equipas técnicas e logísticas, deixando-lhes notáveis palavras de estímulo e de esperança.
As praças das nossas cidades e vilas encheram-se num misto de exultação e desencanto face às primeiras partidas premiadas com o empate. Mas os residentes em França – portugueses, de dupla nacionalidade ou simplesmente luso-descendentes – não esmoreceram na fé e no entusiasmo. Por seu turno, do bloco de representantes futebolísticos de Portugal emanavam posições discursivas denotativas do propósito de vencer. É Fernando Santos quem mantém a chama da esperança e alguns jogadores, em que se destaca Cristiano Ronaldo.
É certo que nem sempre as afirmações de fé pareciam sustentadas; e algumas atoardas de Ronaldo eram demasiado atrevidas, mas a este pagou-lhe a contracrítica de intervenientes de outros países e de alguns interativos nas redes sociais.
Entretanto, com a presença da seleção das Quinas na semifinal, os ânimos redobraram de vigor, de fé desportiva e de esperança; e a presença do Presidente da República em Lyon, criticada provincianamente por alguns pela utilização de um Falcon da Força Aérea (e a cuja crítica ele não respondeu de forma mais urbana, como já tive ocasião de referir), constituiu um apoio institucional de peso ao moral da equipa.
E Portugal, a 10 de julho, sagrou-se campeão da Europa em futebol – título que perdura por um quadriénio. Bateu-se contra a França, a anfitriã. Foi jogo, não insulto. Também em 2004, Portugal foi anfitrião do Euro 2004 e perdeu – com pena, mas desportivamente – a final com a Grécia, mal pensando que a crise de 2008 iria ditar uma similar sorte económico-financeira – e sobretudo política – aos dois países periféricos no Euro (político) e na UE.
Mas, a 10 de julho, estavam lado a lado, como espectadores qualificados, Marcelo por Portugal e Hollande pela França. A taça veio para Portugal. E o Presidente da República voltou a receber os representantes futebolísticos do país, dirigiu-lhes palavras de felicitação e de orgulho nacional (algumas demasiado técnicas e pouco políticas) e condecorou-os com o grau de comendador da Ordem do Mérito. E, em seguida, percorreram as principais ruas da capital, tendo terminado a jornada na Cidade do Futebol, em Oeiras.
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Passado que foi o evento, fazem-se leituras díspares. Fala-se de orgulho nacional, mérito, milagre, sorte portuguesa, azar dos franceses. Diz-se que este troféu surge num momento de depressão política pela ameaça de sanções ao país por défice excessivo (em parte revejo-me neste alívio do país). Há quem elogie Ronaldo, porque só não fez mais e melhor porque foi lesionado pouco depois de o torneio ter iniciado e por, fora do retângulo, ter servido de adjunto do selecionador e quiçá do capitão em exercício nas indicações de jogo. Aficionados a Ronaldo e a Portugal sentem que a lesão foi no joelho, mas a dor se instalou no coração e, por isso, as lágrimas irromperam.
Porém, em contraponto, há quem suponha que fora melhor Cristiano não ter continuado em campo, pois facilmente monopolizaria as oportunidades de golo, provavelmente sem êxito. Outros dizem que Éder marcou golo, porque chutara a bola para se ver livre dela ou que Portugal teve sorte com o empurrão francês daquela bola que bateu no poste do guardião português, não tendo sido golo por milímetros.
Parece que já tivemos seleção com melhores jogadores individualmente considerados, mas é inegável que este selecionador conseguiu que resultasse sempre um trabalho de equipa cooperante – solidária tanto nos melhores lances como nos menos conseguidos. E não há dúvida de que Rui Patrício foi a estrela do seu canteiro (chantier, diriam os franceses).
Se aconteceu milagre e se gerou rara conjugação de esforços e fatores que não se repetem, não se pode dizer com Sousa Tavares que “estão a matar o futebol, à nossa vista”.
É certo que se empatou com Islândia, Áustria e Hungria – facto de que resultou um 3.º lugar, que poderia, noutras circunstâncias, redundar na eliminação. Porém, as coisas são como são. E, em jogo, vale o mérito de uns como vale contar com o de mérito de outros; e manda a sorte de uns e o azar de outros. Já, em 1972, Nada Malanima cantava no Festival de San Remo: “A vida é um jogo; canta quem vence e quem perde chora” (Da canção Il re di denari).
Ademais, Portugal jogou – e ganhou – com a Croácia, Polónia e País de Gales. Será, a meu ver, coincidência a mais ou milagre a mais, enveredar por vitórias seguidas sem trabalho, sem técnica e sem empenhamento.
Quanto à final, houve situações de sorte? Houve, mas de parte a parte. Houve situações de azar? Houve, mas de parte a parte. Houve situações de mérito? Houve, mas de parte a parte. Portugal não jogou bem em termos globais? Não, mas a França também não. E teve momentos em que usou de muita dureza. Não digo que a arbitragem fosse boa ou má. As faltas são demasiado instantâneas e veem-se melhor pela TV! E, sobretudo, não é difícil fazer-se um jogo de uma final que não seja medíocre, já que as expectativas de quem vê os seus ir à final costumam ser demasiado elevadas e o nervosismo apodera-se do homens.
É óbvio que, muitas vezes, clubes pequenos jogam melhor que os grandes e com os grandes, como se pode observar nalguns jogos da Taça de Portugal. Não obstante, tal verificação não impede o elogio ao futebol da seleção e ao país. Cada facto tem o seu contexto, até porque a seleção não tem um corpo de jogadores seus de caráter permanente: vive do recrutamento de jogadores com nacionalidade portuguesa a partir dos diferentes clubes. O tempo do selecionador não é muito e não é fácil congraçar intelectos, vontades e estilos.   
Por seu turno, a Fernando Santos, se teve melhor sorte que outros selecionadores, não se pode apontar a falta de empenhamento e trabalho e, sobretudo, tem se se lhe reconhecer o mérito de fazer da equipa um corpo cooperante, o que não é fácil. Às vezes o vedetismo sobrepõe-se equipa.
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A França não reagiu bem, não chegou a bater com a realidade. Foi derrotada na final do Euro 2016 e são já vários os casos que vêm evidenciando o mau perder dos franceses, desde o jornal L’ Equipe, que não deu nota a Ronaldo ou Éder, ou à Tour Eiffel que se iluminou com as cores da França, e não de Portugal, após o jogo da final – o que fazia com jogos anteriores, envergando as cores do vencedor.
Porém, mais rocambolesco é o episódio da petição criada no site francês ‘mesopinions.com’, que pede a repetição da final do Euro 2016 e que, em poucas horas, já contava com cerca de 60 mil apoiantes. E o lema é: “a fraude portuguesa não mereceu o troféu”.
Outros apelidam injusta e agressivamente a seleção portuguesa de cínica. Não percebi a razão.
Mas nem todos assim são. Um adepto francês, triste por a França ter perdido, considera que Éder chutou para se ver livre da bola, talvez porque ela lhe estorvava, mas dá os parabéns.
Sim, um pouco de tristeza e de humor não fica mal de todo.
E prefiro este incentivo ao moral na nação lusíada ao incentivo sugerido por Schäuble pela via das sanções por incumprimento devido ao défice excessivo. É caso para dizer que soube bem a derrota da Alemanha pela França na semifinal.
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Como curiosidade, as redes sociais estão a dar relevo à carta que o selecionador alegadamente tinha na gaveta desde o jogo com a Áustria de que resultou o empate que muitos rotularam de fatal para a esperada queda precoce da Seleção Nacional no Euro 2016. Transcrevo-a pelo que tem de religiosidade, humanismo, afeto, familiaridade, amizade e confiança:
“Em primeiro lugar e acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da minha vida. Deixar uma palavra especial ao presidente, Dr. Fernando Gomes, pela confiança que sempre depositou em mim. Não esqueço que comecei com um castigo de oito jogos pendentes.
A toda a direção e a todos os que viveram comigo estes meses. Aos jogadores, dizer mais uma vez que tenho um enorme orgulho em ter sido o seu treinador. A estes e àqueles que aqui não puderam estar presentes. Também é deles esta vitória. O meu desejo pessoal é ir para casa. Poder dar um beijo do tamanho do mundo à minha mãe, à minha mulher, aos meus filhos, ao meu neto, ao meu genro e à minha nora e ao meu pai, que junto de Deus está certamente a celebrar.
A todos os amigos, muitos deles meus irmãos, um abraço muito apertado pelo apoio mas principalmente pela amizade. Por último, mas em primeiro, ir falar com o meu maior amigo e sua mãe. Dedicar-Lhe esta conquista e agradecer-Lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”.
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E é assim. Um homem comum, que dizem que não jogava futebol, tal como é, aprontou a seleção para a vitória. Mérito, sorte, trabalho? Talvez um pouquito de tudo, mas sem a pregação Urbi et Orbi da humildade balofa.

2016.07.12 – Louro de Carvalho

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