sexta-feira, 1 de julho de 2016

Os disparates discursivos (?!) de Wolfgang Schäuble

No passado dia 29 de junho, Wolfgang Schäuble, segundo a generalidade dos órgãos de comunicação social, terá afirmado que Portugal precisaria de um segundo resgate, a que se seguiu, uns minutos depois, uma pretensa retificação de que esta “indiscutível” autoridade político-financeira europeia e do resto do mundo (!) teria afinal dito que Portugal só precisará de novo resgate se não cumprir as regras orçamentais (acrescente-se: ditadas pelo diretório europeu).
Com retificação ou sem retificação as palavras do ministro alemão refletem o ambiente que se vive na Europa em relação aos países periféricos da União: as regras foram estabelecidas com o acordo de todos e são para cumprir. E o cumprimento das regras que, em tese, é para todos, vê passivamente não serem penalizados os outros, os que mais podem, mas que têm força para se constituírem em exceção. De resto, aos zeladores das regras pouco importa o facto de a Europa ter lidado mal com a crise pandémica que eclodiu em 2008 e de ter vindo a aconselhar o investimento público a contraciclo para depois vir acusar os endividados de despesismo e de viverem acima das suas possibilidades, descartando as responsabilidades que o poder financeiro teve (e continua a ter) na delapidação dos recursos financeiros dos países periféricos para satisfação dos caprichos da ambição de uns tantos e até salvação dos maiores bancos do centro europeu.
Os governos anteriores obedeceram quase cegamente à Europa: vimos Gaspar inclinado a pedir e a agradecer a Wolfgang Schäuble e Albuquerque a posar como uma espécie de bibelô junto do mestre. Costa, agora, pretende estar equidistante da maioria que sustenta de forma crítica a sua governança e as pertinazes pressões europeias. Até quando o conseguirá?!
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Entretanto, por cá, os observadores/comentadores dizem que a probabilidade de Portugal ter de pedir novo apoio financeiro vai subindo e que Schäuble poderia ter aduzido mais argumentos para mostrar os riscos que Portugal enfrenta. Mas acusam-no de ter pronunciado a palavra tabu, “resgate”. O que efetivamente parece ter dito o ministro alemão terá sido:
“Portugal estará a cometer um erro enorme, se não cumprir com os compromissos que assumiu. Portugal teria então de pedir um novo resgate. Os portugueses não querem um novo programa e eles também não precisam se cumprirem com as regras europeias”.
Os compromissos em referência têm a ver com a redução do défice orçamental, que estará novamente em avaliação pelos comissários muito em breve. No encontro agendado, a Comissão Europeia optará ou não pela aplicação de sanções a Portugal e a Espanha por violação do limite de 3% do PIB em 2015. Portugal já estava sem a troika e não cumpriu as metas.
Tanto quanto me é dado recordar, quando se discutiam as obrigações de contenção do défice para níveis inferiores a 3% do PIB e da dívida abaixo dos 60%, uns diziam que esses valores percentuais não se sustentam em nenhuma base científica, mas numa formulação meramente caprichosa, enquanto outros nos diziam que era necessário ter em conta os contextos dos Estados-Membros da UE e do EURO. Agora, para uns as regras são regras. Por outro lado, o défice que deveria ser inscrito na Constituição ou numa lei de valor reforçado era o défice estrutural, que Vital Moreira dizia que não representava meta difícil de atingir, dado o entendimento que os eurocratas tinham deste tipo de défice, ao que se fazia crer, bem diferente do défice nominal. Além disso, Costa acreditava na possibilidade de a Europa vir a permitir uma leitura inteligente do Tratado Orçamental. Não sei se ainda acredita nessa possibilidade, pois já se queixou de a Comissão o ter desiludido várias vezes.
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As considerações sobre a injustiça das preditas sanções e as criticas a decisões apoiadas numa derrapagem de décimas deviam continuar a fazer sentido neste país sacrificado pelo programa da troika, apesar de estarmos num contexto de sobre-endividamento. É certo que para alguns o Governo e os partidos que o apoiam têm desenvolvido um discurso e vêm tomando decisões políticas que reabriram a porta da desconfiança. Porém, parece-me que essa desconfiança vem sobretudo de quem acreditava ou fazia de conta que acreditava que a austeridade seria a solução e que o custo do trabalho tinha inevitavelmente de se reduzir à custa do desemprego, da precariedade, do agravamento das condições de trabalho e da redução drástica de salários e pensões. Por outro lado, nem o legislador nem os governantes nem os administradores de empresas públicas ou privadas, têm posto cobro a desmandos de gestão, a fraudes, a subtração de verbas, à corrupção, à economia subterrânea. E a justiça, por mais que se porfie na crença neste braço do Estado de Direito, não tem funcionado.
Também os formadores de opinião, em vez de contribuírem para a mobilização da consciência cívica nacional na poupança, no consumo e no investimento, continuam como vozes do europeísmo financista e verdadeiros profetas da desgraça a deslavar o país. Estão nesta ordem economistas, comentadores, sociólogos e professores das nossas altas academias.
De resto, a mais que assídua propaganda das previsões sobre a incapacidade de o país crescer, atingir as metas ou pagar a dívida, em vez de moralizar a vida dos portugueses e os incentivar ao acerto no modo de vida, mais os precipita na ambição subterrânea ou no pessimismo crasso.
Há quem diga que Schäuble teria até matéria para fundamentar mais os riscos que Portugal corre de ter de solicitar um segundo resgate, bastando-lhe ter-se limitado a citar algumas declarações de governantes ou do governador do Banco de Portugal sobre as necessidades na banca portuguesa. Por exemplo, os 4 a 5 mil milhões de euros de que a CGD precisa ou os 10 mil milhões de euros que se estima serem necessários para um “banco mau” limpar 30 mil milhões da banca. E o problema não é se isto conta para o défice ou para a dívida; o problema e convencer os investidores, nomeadamente os estrangeiros, de que conseguimos ultrapassar a situação.
A dimensão da dívida pública foi em 2011 a razão de o programa da troika ter optado por fechar os olhos ao problema da banca, limitando-se a ir corrigindo o crédito malparado com o tempo. Ora, este problema, em vez de ter desaparecido, ter-se-á agravado, dado que o crescimento da economia não chegou com a força necessária e como esperado em razão perfil das recuperações do passado. E, neste aspeto não estamos sós: a banca é ainda um problema em todos os países europeus e os investidores financeiros sabem bem isso.
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É óbvio que, no quadro atual, em que a falta de confiança é produzida e apregoada e o dinheiro se vai como manteiga em focinho de cão dinheiro, será difícil conseguir aplicar um modelo de capitalização da banca sem ajuda financeira externa. Porém, é caso para perguntar para quando a solidariedade do Mecanismo Europeu de Estabilidade.
É certo que do ponto de vista técnico, ninguém deveria ficar surpreendido com as palavras do ministro alemão das Finanças. Porém, ele é um político e ministro dum país da UE e do EURO, não uma autoridade sobre a Europa. E, como político, cuja postura tem de ser de ação e de discurso, deveria conter-se mais quando se pronuncia sobre outros países. Aliás, a Alemanha não é historicamente um exemplo de boa gestão de problemas e de conflitos, nem da dívida.
Entretanto, é de recordar que este ministro alemão é useiro e vezeiro em pronunciar-se sobre os assuntos dos outros países. Quem não se lembra do que disse recorrentemente sobre a Grécia? E recentemente foi o que mais se manifestou publicamente contra a decisão da Comissão Europeia de adiar as tomadas de posição sobre sanções a Portugal e Espanha – tomada de posição que está prevista para a próxima reunião do colégio de comissários, à porta fechada. E foi a Alemanha que começou por exigir que Portugal preparasse um plano B com medidas adicionais para aplicar ainda este ano de 2016 – posição assumida na primeira reunião do grupo de trabalho do Eurogrupo e confirmada na reunião do Eurogrupo pelos ministros das Finanças do euro, após a aceitação do Orçamento do Estado para 2016 pela Comissão Europeia.
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Por isso, em meu entender, o Presidente da República fez bem em atribuir às atoardas usuais da especulação em vésperas das grandes tomadas de decisão, como fez bem Governo português em ter comunicado “pelo canal diplomático apropriado” que Portugal reprova as declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. Augusto Santos Silva garantiu ter feito saber a posição do Governo, depois de considerar as palavras de Schäuble “injustificadas e inamistosas”. Com efeito, hoje, sexta-feira, em declarações à agência Lusa, à margem da conferência em Lisboa organizada pela CIP (Confederação Empresarial de Portugal), o Ministro dos Negócios Estrangeiros deixou claro que “o Governo português considera essas declarações injustificadas e inamistosas”, não havendo nada “na situação económica e orçamental portuguesa que possa justificar essas declarações”, mas declarou perentoriamente que “o incidente está encerrado”. E acrescentou que “Portugal e a Alemanha são países muito amigos, o canal diplomático funciona em ambos os sentidos e consideramos que a resposta alemã é muito satisfatória”.
Também, já no dia 29, o Ministério das Finanças garantira que não está a ser considerado qualquer novo resgate; que o Governo continua e continuará focado no cumprimento das metas estabelecidas para retirar Portugal do procedimento por défices excessivos; e que o mais recente sinal disso são os dados da execução orçamental conhecidos até ao momento.
Por isso, o Ministério das Finanças veio reiterar o empenho do Governo no cumprimento dos seus compromissos europeus, parlamentares e, acima de tudo, com os portugueses.
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Por mais que nos custe, temos de acreditar nos governantes e sancioná-los, se for o caso, nas próximas eleições. E devemos deixar Schäuble a falar a solo.

2016.07.01 – Louro de Carvalho

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