No
passado dia 29 de junho, Wolfgang Schäuble, segundo a generalidade dos órgãos de
comunicação social, terá afirmado que Portugal precisaria de um segundo
resgate, a que se seguiu, uns minutos depois, uma pretensa retificação de que
esta “indiscutível” autoridade político-financeira europeia e do resto do mundo
(!) teria afinal dito que Portugal só precisará de novo resgate se não cumprir
as regras orçamentais (acrescente-se: ditadas pelo diretório europeu).
Com
retificação ou sem retificação as palavras do ministro alemão refletem o
ambiente que se vive na Europa em relação aos países periféricos da União: as
regras foram estabelecidas com o acordo de todos e são para cumprir. E o cumprimento
das regras que, em tese, é para todos, vê passivamente não serem penalizados os
outros, os que mais podem, mas que têm força para se constituírem em exceção. De
resto, aos zeladores das regras pouco importa o facto de a Europa ter lidado
mal com a crise pandémica que eclodiu em 2008 e de ter vindo a aconselhar o
investimento público a contraciclo para depois vir acusar os endividados de
despesismo e de viverem acima das suas possibilidades, descartando as
responsabilidades que o poder financeiro teve (e continua a ter) na delapidação dos recursos
financeiros dos países periféricos para satisfação dos caprichos da ambição de
uns tantos e até salvação dos maiores bancos do centro europeu.
Os
governos anteriores obedeceram quase cegamente à Europa: vimos Gaspar inclinado
a pedir e a agradecer a Wolfgang Schäuble e Albuquerque a posar como uma espécie
de bibelô junto do mestre. Costa, agora, pretende estar equidistante da maioria
que sustenta de forma crítica a sua governança e as pertinazes pressões
europeias. Até quando o conseguirá?!
***
Entretanto,
por cá, os observadores/comentadores dizem que a probabilidade de Portugal ter
de pedir novo apoio financeiro vai subindo e que Schäuble poderia ter aduzido
mais argumentos para mostrar os riscos que Portugal enfrenta. Mas acusam-no de ter
pronunciado a palavra tabu, “resgate”. O que
efetivamente parece ter dito o ministro alemão terá sido:
“Portugal estará a cometer um erro enorme, se não
cumprir com os compromissos que assumiu. Portugal teria então de pedir um novo
resgate. Os portugueses não querem um novo programa e eles também não precisam
se cumprirem com as regras europeias”.
Os compromissos em referência têm a ver com a redução do défice orçamental,
que estará novamente em avaliação pelos comissários muito em breve. No encontro
agendado, a Comissão Europeia optará ou não pela aplicação de sanções a
Portugal e a Espanha por violação do limite de 3% do PIB em 2015. Portugal já
estava sem a troika e não cumpriu as metas.
Tanto quanto me é dado recordar, quando se discutiam as obrigações de
contenção do défice para níveis inferiores a 3% do PIB e da dívida abaixo dos
60%, uns diziam que esses valores percentuais não se sustentam em nenhuma base
científica, mas numa formulação meramente caprichosa, enquanto outros nos
diziam que era necessário ter em conta os contextos dos Estados-Membros da UE e
do EURO. Agora, para uns as regras são regras. Por outro lado, o défice que
deveria ser inscrito na Constituição ou numa lei de valor reforçado era o
défice estrutural, que Vital Moreira dizia que não representava meta difícil de
atingir, dado o entendimento que os eurocratas tinham deste tipo de défice, ao
que se fazia crer, bem diferente do défice nominal. Além disso, Costa
acreditava na possibilidade de a Europa vir a permitir uma leitura inteligente do
Tratado Orçamental. Não sei se ainda acredita nessa possibilidade, pois já se
queixou de a Comissão o ter desiludido várias vezes.
***
As considerações sobre a injustiça das preditas sanções e as criticas a
decisões apoiadas numa derrapagem de décimas deviam continuar a fazer sentido
neste país sacrificado pelo programa da troika, apesar de estarmos num contexto
de sobre-endividamento. É certo que para alguns o Governo e os partidos que o
apoiam têm desenvolvido um discurso e vêm tomando decisões políticas que reabriram
a porta da desconfiança. Porém, parece-me que essa desconfiança vem sobretudo de
quem acreditava ou fazia de conta que acreditava que a austeridade seria a
solução e que o custo do trabalho tinha inevitavelmente de se reduzir à custa
do desemprego, da precariedade, do agravamento das condições de trabalho e da
redução drástica de salários e pensões. Por outro lado, nem o legislador nem os
governantes nem os administradores de empresas públicas ou privadas, têm posto
cobro a desmandos de gestão, a fraudes, a subtração de verbas, à corrupção, à
economia subterrânea. E a justiça, por mais que se porfie na crença neste braço
do Estado de Direito, não tem funcionado.
Também os formadores de opinião, em vez de contribuírem para a mobilização
da consciência cívica nacional na poupança, no consumo e no investimento, continuam
como vozes do europeísmo financista e verdadeiros profetas da desgraça a
deslavar o país. Estão nesta ordem economistas, comentadores, sociólogos e
professores das nossas altas academias.
De resto, a mais que assídua propaganda das previsões sobre a incapacidade
de o país crescer, atingir as metas ou pagar a dívida, em vez de moralizar a
vida dos portugueses e os incentivar ao acerto no modo de vida, mais os precipita
na ambição subterrânea ou no pessimismo crasso.
Há quem diga que Schäuble teria até matéria para fundamentar mais os riscos
que Portugal corre de ter de solicitar um segundo resgate, bastando-lhe ter-se
limitado a citar algumas declarações de governantes ou do governador do Banco
de Portugal sobre as necessidades na banca portuguesa. Por exemplo, os 4 a 5
mil milhões de euros de que a CGD precisa ou os 10 mil milhões de euros que se
estima serem necessários para um “banco mau” limpar 30 mil milhões da banca. E o
problema não é se isto conta para o défice ou para a dívida; o problema e convencer
os investidores, nomeadamente os estrangeiros, de que conseguimos ultrapassar a
situação.
A dimensão da dívida pública foi em 2011 a razão de o programa da troika ter
optado por fechar os olhos ao problema da banca, limitando-se a ir corrigindo o
crédito malparado com o tempo. Ora, este problema, em vez de ter desaparecido, ter-se-á
agravado, dado que o crescimento da economia não chegou com a força necessária
e como esperado em razão perfil das recuperações do passado. E, neste aspeto
não estamos sós: a banca é ainda um problema em todos os países europeus e os
investidores financeiros sabem bem isso.
***
É óbvio que, no quadro atual, em que a falta de confiança é produzida e
apregoada e o dinheiro se vai como manteiga em focinho de cão dinheiro, será
difícil conseguir aplicar um modelo de capitalização da banca sem ajuda
financeira externa. Porém, é caso para perguntar para quando a solidariedade do
Mecanismo Europeu de Estabilidade.
É certo que do ponto de vista técnico, ninguém deveria ficar surpreendido
com as palavras do ministro alemão das Finanças. Porém, ele é um político e
ministro dum país da UE e do EURO, não uma autoridade sobre a Europa. E, como político,
cuja postura tem de ser de ação e de discurso, deveria conter-se mais quando se
pronuncia sobre outros países. Aliás, a Alemanha não é historicamente um
exemplo de boa gestão de problemas e de conflitos, nem da dívida.
Entretanto, é de recordar que este ministro alemão é useiro e vezeiro em pronunciar-se
sobre os assuntos dos outros países. Quem não se lembra do que disse
recorrentemente sobre a Grécia? E recentemente foi o que mais se manifestou
publicamente contra a decisão da Comissão Europeia de adiar as tomadas de posição
sobre sanções a Portugal e Espanha – tomada de posição que está prevista para a
próxima reunião do colégio de comissários, à porta fechada. E foi a Alemanha
que começou por exigir que Portugal preparasse um plano B com medidas
adicionais para aplicar ainda este ano de 2016 – posição assumida na primeira
reunião do grupo de trabalho do Eurogrupo e confirmada na reunião do Eurogrupo
pelos ministros das Finanças do euro, após a aceitação do Orçamento do Estado
para 2016 pela Comissão Europeia.
***
Por isso, em meu entender, o Presidente da República fez bem em atribuir às
atoardas usuais da especulação em vésperas das grandes tomadas de decisão, como fez bem Governo
português em ter comunicado “pelo canal diplomático apropriado” que Portugal
reprova as declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. Augusto
Santos Silva garantiu ter feito saber a posição do Governo, depois de
considerar as palavras de Schäuble “injustificadas e inamistosas”. Com efeito,
hoje, sexta-feira, em declarações à agência Lusa, à margem da conferência em
Lisboa organizada pela CIP (Confederação
Empresarial de Portugal), o Ministro dos Negócios Estrangeiros deixou claro que “o Governo português considera essas
declarações injustificadas e inamistosas”, não havendo nada “na situação
económica e orçamental portuguesa que possa justificar essas declarações”, mas
declarou perentoriamente que “o incidente está encerrado”. E acrescentou que “Portugal
e a Alemanha são países muito amigos, o canal diplomático funciona em ambos os
sentidos e consideramos que a resposta alemã é muito satisfatória”.
Também,
já no dia 29, o Ministério das Finanças garantira que não está a ser considerado
qualquer novo resgate; que o Governo continua e continuará focado no cumprimento
das metas estabelecidas para retirar Portugal do procedimento por défices
excessivos; e que o mais recente sinal disso são os dados da execução
orçamental conhecidos até ao momento.
Por
isso, o Ministério das Finanças veio reiterar o empenho do Governo no cumprimento
dos seus compromissos europeus, parlamentares e, acima de tudo, com os
portugueses.
***
Por
mais que nos custe, temos de acreditar nos governantes e sancioná-los, se for o
caso, nas próximas eleições. E devemos deixar Schäuble a falar a solo.
2016.07.01 –
Louro de Carvalho
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