quarta-feira, 6 de julho de 2016

Escutar e aprender ciência em ambiente de bar

O JN de 5 de julho contém um artigo de Emília Monteiro sob o título “Aprender ciência em dez minutos entre copos”, que dá conta de um projeto de tornar a ciência acessível a públicos normais. A ideia surgiu, em 2014, no Reino Unido, mais propriamente em Nottingham, e chegou a Braga e Guimarães, no âmbito da Universidade do Minho, depois de ter feito também o seu percurso no Brasil, por exemplo na cidade de São Paulo, e na cidade de Lisboa.  
Já o Público on line, de 12 de abril de 2016, dava conta, em artigo de Mariana Correia Pinto, do estilo da bióloga professora Alexandra Nobre, a qual, sempre que os alunos desbobinam “matéria sem preocupação de a perceber” ou quando ensarilham a mensagem, lhes pede em tom jocoso que lhe digam “isso” em linguagem “patati-patatá”. Obviamente, que a investigação comporta segredos, ansiedade, mistério, sofrimento. Porém, descoberta científica e formulação do dado científico não podem enclausurar-se sistematicamente e em definitivo numa linguagem hermética pretensamente privativa do domínio científico. O cientista não o é apenas quando investiga pacientemente, com avanços e recuos ou elabora as formulações e as demonstrações, mas também é cientista quando comunica. E deve comunicar de modo que se faça entender.
Alexandra Nobre, pelos vistos, aposta na forma de “mostrar como coisas complexas podem sempre ser ditas de forma simples”, baseada na advertência de Einstein: “Se não souberes explicar de forma simples, é porque não entendeste suficientemente bem”. Terá sido, segundo Mariana Correia Pinto, com esta atenção à comunicação como pano de fundo, que aquela docente da Universidade do Minho (UM) se entusiasmou com o PubdD trazido para Lisboa, em outubro de 2015, por Sérgio Pereira, programador web aficionado à comunicação de ciência.
O projeto chegou, no início do ano, a Guimarães e a Braga pelas mãos da bióloga professora Alexandra Nobre, referida, e do serviço de divulgação científica STOL (Science Through Our Lives) e desenvolve-se nos bares disponíveis para o efeito, que recebem investigadores da UM, para descontraidamente explicarem ciência.
De acordo com a informação de Mariana Correia Pinto, a palavra “PubdD” resulta da junção de “pub” e “PhD”, abreviatura (em inglês) para doutoramento em Filosofia e Letras. E é com a desconstrução de “PubdD” que se ilustra a via de compreensão do conceito.
O projeto torna-se evento de comunicação de ciência juntando três investigadores, de diferentes áreas, à razão de uma vez por mês. E convidam-se os clientes, tornados auditório científico informal, entre cervejas e aperitivos, a escutarem a explicação do tema do doutoramento de cada um dos três investigadores. Trata-se de uma audiência não especializada perante a qual o comunicador cientista expõe o tema recorrendo apenas a três marcadores, um quadro branco e, opcionalmente, objetos que ilustrem o trabalho. São apenas 10 minutos de apresentação e 20 de microfone aberto a perguntas, cuja formulação os ouvintes fazem sem precisarem de se fazer muito rogados. E tudo entre cerveja e aperitivos.
Resulta? Então, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé. Aplicado ao projeto, o aforismo significa: se é difícil levar as pessoas à Universidade ou ao Centro de Investigação, vem o investigador às pessoas. Aliás, é outra forma de fazer conferências. Só que, dantes, o público interessado vinha ao lugar da conferência; agora, vai a conferência a lugar onde o público pode não estar interessado à partida.
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O ambiente é diferente do académico e torna-se desafiante para os investigadores, que devem comunicar o trabalho de forma simples e provar à sociedade a relevância do que fazem. É este o escopo revelado por Sérgio Pereira, formado em design de comunicação, sob cuja direção corre o evento em Lisboa com a participação de vários investigadores de faculdades e institutos das universidades de Lisboa.
Sérgio Pereira estava na cidade britânica de Nottingham, no final de 2014, no âmbito do mestrado em comunicação de ciência quando recebeu a ideia de dois jovens informáticos que se questionavam: Será que os estudantes viriam apresentar ciência a um bar se lhes pagássemos uma cerveja? O evento realizou-se e Sérgio Pereira, ao assumir a pasta da comunicação no polo de Lisboa do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, quis replicá-lo em Lisboa. Pensou em tascas, adaptando-o à portugalidade, mas acabou por se fixar no Bairro Alto, no “Bibo Bar”.
Também Daniel Martins – médico doutorando no Instituto de Medicina Molecular e finalista do Famelab, concurso internacional de comunicação científica – se aventurou no PubhD. E falou, no Bairro Alto, sobre oxitocina, a hormona rainha do doutoramento a que se vem dedicando nos últimos meses, para compreender qual a sua influência nos mecanismos de sociabilização do cérebro humano e em doenças mentais como a esquizofrenia.
O auditório gostou imenso: em vez de sair do bar às 21 horas, o investigador-comunicador ficou até às 23,30 horas. Diz ser muito gratificante “ver o brilho no olhar das pessoas e sentir reconhecimento pelo nosso trabalho”. De facto, “com testes feitos numa máquina de ressonância magnética, o investigador tem observado a ação da hormona, administrada em “spray”, no cérebro humano, ao confrontar os voluntários com diversos dilemas.
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Emília Monteiro refere que, a 5 de julho à noite, em Braga (no bar “Sé La Vie), se iria falar de “como matar o cancro à fome” (invadindo as células cancerígenas e impedindo-as de obter energia), das “qualidades nutricionais, e pouco conhecidas, do amaranto” (cujo grão antioxidante será um superalimento) e do “impacto da intervenção dos Doutores palhaços em crianças doentes” (e seus pais). Daniel Ribeiro, responsável pelo grupo STOL, sustenta que “não é fácil falar de ciência em linguagem comum, mas é possível e desejável”. E atesta que os novos cientistas outra coisa não querem que ser entendidos por toda a gente comunicando ciência e dando a conhecer o seu trabalho.
Mas as coisas não funcionam de improviso. Antes da apresentação dos seus projetos em público, os investigadores têm de apresentar a candidatura aos organizadores e têm de aceitar, no caso de aprovação da candidatura, apresentar, junto de desconhecidos, num bar, o que andam a estudar, tendo o público direito a fazer perguntas.
O organizador dos encontros revela que “os clientes dos bares – que, à partida, não estariam interessados em ouvir falar de ciência – ficam muito atentos e querem saber sempre mais”.
Coube ontem, dia 5, aos investigadores Carla Hiolanda (Psicologia da Educação), João Silva (Biologia Molecular) e Laylla Coelho (Nutricionismo) falar sobre os seus trabalhos na UM.
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No entanto, isto não é pacífico nas academias. Reina o preconceito, que urge combater. Não se pode aceitar a falácia: à ciência o que é da ciência, pois a ciência está ao serviço do ser humano.
Os pares de Alexandra Nobre não viram sempre com bons olhos a sua relação de comunicação de ciência. Por exemplo, quando estava a preparar um projeto de educação alimentar para crianças e jovens, ouviu colegas dizerem-lhe: “Lá vais tu passear”. Com efeito, a bióloga levava uma lancheira com vários alimentos e desafiava os pequenitos a fazerem a sua sanduíche em cima duma balança onde os alimentos eram transformados em calorias. A seguir, explicava-lhes a noção de caloria em corridas no campo de futebol. E eles percebiam a mensagem, quando ela dizia a alguns:
“Tu só tens de dar uma volta ao campo porque comeste isto, mas tu tens de correr até ao fim do dia para compensar a manteiga de amendoim e a marmelada que puseste no pão”.
Porém, há quatro anos, Alexandra decidiu avançar com a criação do serviço de comunicação e divulgação de ciência transdisciplinar STOL; e, em janeiro, uma equipa de mais quatro apaixonados pela informação de ciência, importou o “PubhD” de Lisboa para o Minho, bem como o figurino, por ação de Daniel Ribeiro, que se cruzou com o projeto na capital. Entre Guimarães (Convívio Bar Associativo) e Braga (Sé La Vie), um mês numa cidade e outro na outra, os bares enchem. E os organizadores já criaram uma mascote, o GeniUM.
Porém, o PubhD UMinho tem um pormenor diferente: no final faz, duas perguntas ao público e votações com feijões. Querem saber o que a plateia aprendeu de novo e qual o tema mais interessante da noite. E já é possível tirar algumas conclusões: “há áreas mais herméticas e difíceis de transmitir, mas percebemos que a forma como se comunica, independentemente do tema, é essencial.”
Dizem os organizadores que a participação num evento destes pode ser um “excelente treino” para os estudantes de doutoramento. Sérgio Pereira justifica:
“Nalgum momento terão de defender a tese e participar em conferências. O PubhD pode minimizar o 'stress' associado a essas intervenções.”.
 O “Bibo Bar” tem reunido umas 30 pessoas por sessão, sendo isso para Sérgio, um sinal de um tempo novo no sentido de que “estas gerações estão mais abertas à comunicação de ciência”. Alexandra Nobre ainda nota a “resistência” dos seus pares a uma área que, em Portugal, se começou a fazer notar apenas no início deste século XXI, mas não tem dúvida da existência de uma “mudança em construção”. A chegada do PubhD ao Minho é um sinal. E Sérgio Pereira espera por replicações do projeto noutras cidades. 
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Por mim, penso que as Universidades devem focar-se no essencial: a produção do conhecimento pela investigação e pela mobilização do trabalho cooperativo na descoberta; formulação e transmissão do conhecimento pelo ensino e pela aferição da sua aquisição e desenvolvimento; e a sua divulgação pela comunidade humana (não apenas à comunidade científica) em linguagem adequada às pessoas, situações e contextos. Ora, mais do que censurar métodos inovadores, deverão aceitar e promover a diversidade; e mais do que rejeitar conteúdos por alegadamente desconhecidos, deverão mostrar abertura à novidade, desde que sustentada, e não rejeitar liminarmente teses novas – v.g., sobre a nacionalidade de Colombo, local de nascimento de Afonso Henriques ou mapeamento da Austrália – ou insistir num aparato rígido. De resto, como quer a Universidade interagir com as empresas se não quer interagir com os cidadãos.
Sobre a demasiada extremação de campos, recordo que um deputado, num grupo de amigos, não me cumprimentou (não lhe interessava no partido); mas, em receção com membros do Governo, vinha fazê-lo. Furtei-me discretamente (não me interessava a mim)!

2016.07.06 – Louro de Carvalho

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