O JN de 5 de julho
contém um artigo de Emília Monteiro sob o título “Aprender ciência em dez minutos entre copos”, que dá conta de um
projeto de tornar a ciência acessível a públicos normais. A ideia surgiu, em
2014, no Reino Unido, mais propriamente em Nottingham, e chegou a Braga e Guimarães,
no âmbito da Universidade do Minho, depois de ter feito também o seu percurso
no Brasil, por exemplo na cidade de São Paulo, e na cidade de Lisboa.
Já o Público on line, de
12 de abril de 2016, dava conta, em artigo de Mariana Correia Pinto, do estilo
da bióloga professora Alexandra Nobre, a qual, sempre que os alunos desbobinam “matéria
sem preocupação de a perceber” ou quando ensarilham a mensagem, lhes pede em
tom jocoso que lhe digam “isso” em linguagem “patati-patatá”. Obviamente, que a
investigação comporta segredos, ansiedade, mistério, sofrimento. Porém,
descoberta científica e formulação do dado científico não podem enclausurar-se sistematicamente
e em definitivo numa linguagem hermética pretensamente privativa do domínio
científico. O cientista não o é apenas quando investiga pacientemente, com
avanços e recuos ou elabora as formulações e as demonstrações, mas também é
cientista quando comunica. E deve comunicar de modo que se faça entender.
Alexandra Nobre, pelos vistos, aposta na forma de “mostrar como
coisas complexas podem sempre ser ditas de forma simples”, baseada na
advertência de Einstein: “Se não souberes
explicar de forma simples, é porque não entendeste suficientemente bem”. Terá
sido, segundo Mariana Correia Pinto, com esta atenção à comunicação como pano
de fundo, que aquela docente da Universidade do Minho (UM) se entusiasmou com o
PubdD trazido para Lisboa, em outubro de 2015, por Sérgio Pereira, programador web aficionado à comunicação de ciência.
O projeto chegou, no início do ano, a Guimarães e a Braga pelas
mãos da bióloga professora Alexandra Nobre, referida, e do serviço de
divulgação científica STOL (Science Through Our Lives) e desenvolve-se nos
bares disponíveis para o efeito, que recebem investigadores da UM, para
descontraidamente explicarem ciência.
De acordo com a informação de Mariana Correia Pinto, a
palavra “PubdD” resulta da junção de “pub” e “PhD”, abreviatura (em inglês) para doutoramento em
Filosofia e Letras. E é com a desconstrução de “PubdD” que se ilustra a via de compreensão
do conceito.
O projeto torna-se evento de comunicação de ciência juntando três
investigadores, de diferentes áreas, à razão de uma vez por mês. E convidam-se
os clientes, tornados auditório científico informal, entre cervejas e
aperitivos, a escutarem a explicação do tema do doutoramento de cada um dos três
investigadores. Trata-se de uma audiência não especializada perante a qual o
comunicador cientista expõe o tema recorrendo apenas a três marcadores, um
quadro branco e, opcionalmente, objetos que ilustrem o trabalho. São apenas 10
minutos de apresentação e 20 de microfone aberto a perguntas, cuja formulação os
ouvintes fazem sem precisarem de se fazer muito rogados. E tudo entre cerveja e
aperitivos.
Resulta? Então, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a
Maomé. Aplicado ao projeto, o aforismo significa: se é difícil levar as pessoas
à Universidade ou ao Centro de Investigação, vem o investigador às pessoas. Aliás,
é outra forma de fazer conferências. Só que, dantes, o público interessado
vinha ao lugar da conferência; agora, vai a conferência a lugar onde o público
pode não estar interessado à partida.
***
O ambiente é diferente do académico e torna-se desafiante para os
investigadores, que devem comunicar o trabalho de forma simples e provar à
sociedade a relevância do que fazem. É este o escopo revelado por Sérgio
Pereira, formado em design de
comunicação, sob cuja direção corre o evento em Lisboa com a participação de vários
investigadores de faculdades e institutos das universidades de Lisboa.
Sérgio Pereira estava na cidade britânica de Nottingham, no final
de 2014, no âmbito do mestrado em comunicação de ciência quando recebeu a ideia
de dois jovens informáticos que se questionavam: Será que os estudantes viriam apresentar ciência a um bar se lhes
pagássemos uma cerveja? O evento realizou-se e Sérgio Pereira, ao assumir a pasta da
comunicação no polo de Lisboa do Instituto
de Astrofísica e Ciências do Espaço, quis replicá-lo em Lisboa. Pensou em
tascas, adaptando-o à portugalidade, mas acabou por se fixar no Bairro Alto, no
“Bibo Bar”.
Também Daniel Martins – médico doutorando no Instituto de Medicina
Molecular e finalista do Famelab, concurso
internacional de comunicação científica – se aventurou no PubhD. E falou, no
Bairro Alto, sobre oxitocina, a hormona rainha do doutoramento a que se vem dedicando
nos últimos meses, para compreender qual a sua influência nos mecanismos de
sociabilização do cérebro humano e em doenças mentais como a esquizofrenia.
O auditório gostou imenso: em vez de sair do bar às 21 horas, o
investigador-comunicador ficou até às 23,30 horas. Diz ser muito gratificante
“ver o brilho no olhar das pessoas e sentir reconhecimento pelo nosso trabalho”.
De facto, “com testes feitos numa máquina de ressonância magnética, o
investigador tem observado a ação da hormona, administrada em “spray”, no cérebro humano, ao confrontar
os voluntários com diversos dilemas.
***
Emília Monteiro refere que, a 5 de julho à noite, em Braga (no bar “Sé La Vie”), se iria falar de “como matar o cancro à
fome” (invadindo
as células cancerígenas e impedindo-as de obter energia), das “qualidades
nutricionais, e pouco conhecidas, do amaranto” (cujo grão antioxidante será um superalimento) e do “impacto da intervenção
dos Doutores palhaços em crianças doentes” (e seus pais). Daniel Ribeiro, responsável pelo grupo STOL,
sustenta que “não é fácil falar de ciência em linguagem comum, mas é possível e
desejável”. E atesta que os novos cientistas outra coisa não querem que ser
entendidos por toda a gente comunicando ciência e dando a conhecer o seu
trabalho.
Mas as coisas não funcionam de improviso. Antes da apresentação
dos seus projetos em público, os investigadores têm de apresentar a candidatura
aos organizadores e têm de aceitar, no caso de aprovação da candidatura,
apresentar, junto de desconhecidos, num bar, o que andam a estudar, tendo o
público direito a fazer perguntas.
O organizador dos encontros revela que “os clientes dos bares –
que, à partida, não estariam interessados em ouvir falar de ciência – ficam muito
atentos e querem saber sempre mais”.
Coube ontem, dia 5, aos investigadores Carla Hiolanda (Psicologia da Educação), João Silva (Biologia Molecular) e Laylla Coelho (Nutricionismo) falar sobre os seus
trabalhos na UM.
***
No entanto, isto não é pacífico nas academias.
Reina o preconceito, que urge combater. Não se pode aceitar a falácia:
à ciência o que é da ciência, pois a ciência está ao serviço do ser humano.
Os pares de Alexandra Nobre não viram sempre com bons olhos a sua
relação de comunicação de ciência. Por exemplo, quando estava a preparar um projeto
de educação alimentar para crianças e jovens, ouviu colegas dizerem-lhe: “Lá vais tu passear”. Com efeito, a
bióloga levava uma lancheira com vários alimentos e desafiava os pequenitos a fazerem
a sua sanduíche em cima duma balança onde os alimentos eram transformados em calorias. A seguir, explicava-lhes a noção de caloria em corridas no campo de
futebol. E eles percebiam a mensagem, quando ela dizia a alguns:
“Tu só tens de dar uma volta ao campo porque comeste isto,
mas tu tens de correr até ao fim do dia para compensar a manteiga de amendoim e
a marmelada que puseste no pão”.
Porém, há quatro anos, Alexandra decidiu avançar com a criação do
serviço de comunicação e divulgação de ciência transdisciplinar STOL; e, em janeiro,
uma equipa de mais quatro apaixonados pela informação de ciência, importou o “PubhD”
de Lisboa para o Minho, bem como o figurino, por ação de Daniel Ribeiro, que se
cruzou com o projeto na capital. Entre Guimarães (“Convívio Bar Associativo”) e Braga (“Sé La Vie”), um mês numa cidade e
outro na outra, os bares enchem. E os organizadores já criaram uma mascote, o GeniUM.
Porém, o PubhD UMinho tem um pormenor diferente: no final faz,
duas perguntas ao público e votações com feijões. Querem saber o que a plateia
aprendeu de novo e qual o tema mais interessante da noite. E já é possível
tirar algumas conclusões: “há áreas mais herméticas e difíceis de transmitir,
mas percebemos que a forma como se comunica, independentemente do tema, é
essencial.”
Dizem os organizadores que a participação num evento destes pode
ser um “excelente treino” para os estudantes de doutoramento. Sérgio Pereira
justifica:
“Nalgum momento terão de
defender a tese e participar em conferências. O PubhD pode minimizar o 'stress'
associado a essas intervenções.”.
O “Bibo Bar” tem reunido umas 30 pessoas por sessão, sendo isso para
Sérgio, um sinal de um tempo novo no sentido de que “estas gerações estão mais
abertas à comunicação de ciência”. Alexandra Nobre ainda nota a “resistência”
dos seus pares a uma área que, em Portugal, se começou a fazer notar apenas no
início deste século XXI, mas não tem dúvida da existência de uma “mudança em
construção”. A chegada do PubhD ao Minho é um sinal. E Sérgio Pereira espera
por replicações do projeto noutras cidades.
***
Por
mim, penso que as Universidades devem focar-se no essencial: a produção do conhecimento
pela investigação e pela mobilização do trabalho cooperativo na descoberta; formulação
e transmissão do conhecimento pelo ensino e pela aferição da sua aquisição e desenvolvimento;
e a sua divulgação pela comunidade humana (não apenas à comunidade
científica) em linguagem
adequada às pessoas, situações e contextos. Ora, mais do que censurar métodos inovadores,
deverão aceitar e promover a diversidade; e mais do que rejeitar conteúdos por
alegadamente desconhecidos, deverão mostrar abertura à novidade, desde que
sustentada, e não rejeitar liminarmente teses novas – v.g., sobre a nacionalidade
de Colombo, local de nascimento de Afonso Henriques ou mapeamento da Austrália –
ou insistir num aparato rígido. De resto, como quer a Universidade interagir com as empresas
se não quer interagir com os cidadãos.
Sobre
a demasiada extremação de campos, recordo que um deputado, num grupo de amigos,
não me cumprimentou (não lhe interessava no partido); mas, em receção com membros do
Governo, vinha fazê-lo. Furtei-me discretamente (não me
interessava a mim)!
2016.07.06 – Louro de Carvalho
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