Quem dera que a CDF tivesse entendimento similar!
O Tribunal
da Cidade-Estado do Vaticano deu por concluído, a 5 de julho, o processo judicial
instaurado contra Angelo
Vallejo Balda, Francesca Immacolata Chaouqui, Nicola Maio, Emiliano Fittipaldi
e Gianluigi Nuzzi – no âmbito do caso Vatileaks-2.
Mons.
Angelo Balda é um sacerdote espanhol que era secretário da Prefeitura para os
Assuntos Económicos e foi secretário da Comissão relativa ao estudo e
orientação sobre a organização das estruturas económico-administrativas da
Santa Sé (COSEA),
instituída pelo Papa Francisco em julho de 2013 e posteriormente dissolvida,
após cumprir o mandato para que fora criada; Francesca Chaouqui é uma leiga italiana
que integrava a mesma comissão e era relações públicas no Vaticano; Nicola Maio
era um leigo colaborador de Angelo Balda, seu secretário pessoal; e Emiliano
Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi são dois jornalistas italianos que, na posse de
informações de caráter reservado constantes de documentos do Vaticano passados
ilicitamente para as suas mãos editaram os livros ‘Avareza’ e ‘Via Crucis’, respetivamente.
Os livros em causa apresentam, no essencial, o mesmo material
informativo com polémicas ligadas à propriedade dos bens da Santa Sé ou ao
Óbolo de São Pedro, que recolhe donativos dos católicos de todo o mundo para o
Papa administrar, entre outros temas.
Este episódio é conhecido por Vatileaks-2 para se distinguir do episódio denominado Vatileaks, ocorrido em 2012, tendo o
Vaticano julgado o caso por fuga de documentos confidenciais, de que resultou,
na altura, a condenação de Paolo Gabriele, o então mordomo de Bento XVI, a 3
anos de prisão efetiva, pena que veio a ser reduzida para ano e meio.
Entretanto, o agora Papa emérito viria a conceder-lhe um indulto, semanas após
a condenação.
A 8 de novembro de 2015, o Papa Francisco reagiu publicamente
às polémicas sobre as atividades financeiras da Santa Sé, no centro dos
preditos livros e do material divulgado, reafirmando que a “reforma” em curso
iria continuar.
As mudanças implementadas tinham já implicado, entre outras
medidas, as conhecidas auditorias externas às contas do Vaticano e a criação de
uma Secretaria para a Economia na Santa Sé, para além da implementação de
medidas de rigor e transparência financeira no Instituto para as Obras de Religião (o IOR, conhecido comummente por Banco do Vaticano).
***
A sentença foi lida na tarde de ontem, dia 7 de julho,
por Giuseppe Dalla Torre, presidente do Tribunal do Estado da Cidade do
Vaticano, em nome do Papa, e transmitida
em direto a partir da sala de imprensa da Santa Sé. O processo fora iniciado no final de novembro de
2015 e a acusação gravitava em torno da apropriação e divulgação ilícita de
documentos reservados.
O teor da sentença apresenta condenações apenas para
dois dos arguidos: Mons. Lucio Angel Vallejo Balda; e Francesca Immacolata
Chaouqui – mas apenas por alguns delitos. Assim, estes arguidos foram
absolvidos do delito de associação criminosa na modalidade de conspiração, por
motivo de o facto não ter ficado provado. E, como era de esperar, tanto Francesca
como o sacerdote Balda foram condenados a pagar as custas do processo.
Mons. Vallejo Balda foi condenado a 18 meses de
reclusão e Francesca Chaouqui a 10 meses de reclusão pelos delitos conexos com
a apropriação e difusão de documentos, mas, no caso dela, a pena foi suspensa
por um período de cinco anos. E Mons. Vallejo Balda permanece, para já, em
situação de semiliberdade: não pode sair do Vaticano, mas pode comunicar – isto
enquanto se está à espera de ele entender se apresentará ou não um apelo.
Nicola Maio, ex-colaborador de Mons. Vallejo Balda, foi
plenamente absolvido. Quanto aos dois jornalistas, o Tribunal “declarou não ter
jurisdição”, uma vez que os factos contestados ocorreram fora da jurisdição do
mesmo, ou seja, em território não vaticano, e também porque os dois não exercem
ofícios no Vaticano. Ademais, em relação a Nuzzi e Fittipaldi, o Tribunal
recordou que o direito divino assegura na ordem jurídica vaticana a
manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa. As palavras diretamente
traduzidas do italiano são: “a
existência, radicada e garantida pelo direito divino, da liberdade de
manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa no ordenamento jurídico
do Vaticano”.
***
Como se pode entreler no exposto, recolhido com base
no que se lê na Imprensa – designadamente a síntese publicada pela Rádio Vaticana, o diário digital Zenit – o mundo visto de Roma e a
agência portuguesa Ecclesia – o
processo judicial que transcorreu no Tribunal do Vaticano, com a duração de 8
meses, condenou dois delitos, o roubo e vazamento à imprensa de documentos
reservados da Santa Sé. Não condenou qualquer ato de opinião, qualquer tipo de
manifestação de pensamento ou exercício da liberdade de imprensa e edição.
Havia mais um crime em julgamento, de que todos os
arguidos (ou “imputados”) foram
absolvidos: conspiração ou associação criminosa – que não ficou provado.
As detenções de Francisca Chaouqui e de Vallejo Balda foram
publicadas no último dia 2 de novembro, da semana em que foram publicados os
dois livros que continham documentos reservados, relacionados com o trabalho
realizado pela COSEA. Chaouqui, grávida de poucas semanas, foi colocada em
liberdade, mas Mons. Vallejo esteve detido durante todo o processo.
Após oito meses
de audiências, em que foram interrogados os “imputados” e várias testemunhas –
de entre as quais trabalhadores da prefeitura e gendarmes do Vaticano – o
Ministério Público pediu, para Francisca, 3 anos e 9 meses de prisão; para Mons.
Vallejo, 3 anos e um mês de prisão; para Nicola Maio, um ano e 9 meses;
para Gianluigi Nuzzi, um ano de prisão, com suspensão condicional da pena;
e, para Emiliano Emiliano Fittipaldi, não pediu pena por falta de provas. Mons.
Vallejo é o único dos “imputados” que reconheceu perante o juiz a sua culpa. O
sacerdote espanhol garantiu que passou documentos e senhas para os jornalistas,
atuando sob pressão e por medo de Francesca, a quem acusava de o ter ameaçado (Um homem a
desculpar-se com a mulher e por medo! – devia ser excluído do Vaticano e do sacerdócio). Por sua parte, Maio negou com insistência a
participação nos vazamentos à imprensa e de pertencer a alguma “comissão na sombra”
da COSEA. Francesca negou ter cometido os delitos de que era acusada, bem como
negou ter ameaçado ou pressionado Mons. Vallejo para que ele o fizesse. Foram
especialmente os trabalhadores da prefeitura os que falaram da alegada
“comissão na sombra”, que poderia ter trabalhado em paralelo para a COSEA, a
fim de obter e divulgar os documentos – “conspiração” que finalmente não foi
provada, pelo que o Tribunal não a considerou como delito cometido.
***
Ao
referir-se ao caso, no Angelus de 8
de novembro, apenas uns dias depois de conhecer a detenção dos “imputados”,
trabalhadores no Vaticano, o Santo Padre, garantiu que o roubo e a publicação
de documentos reservados sobre a reforma económica da Santa Sé, como se
entreviu acima, não fazem parar a reforma económica, declarando:
“Não me distrai certamente do trabalho de reforma que estamos levando
adiante com os meus colaboradores e com o apoio de todos vós”.
Foi aquela a
primeira vez que Francisco se referiu explicitamente ao caso Vatileaks. Depois de recitar a oração
mariana, Francisco garantiu que sabe que “muitos de vós ficastes preocupados
com as notícias que circularam nos dias passados sobre os documentos reservados
da Santa Sé que foram roubados e publicados”. Afirmou que o roubo daqueles
documentos é “um delito”, “um ato deplorável que não ajuda”.
Por outro
lado, informou que ele próprio havia pedido aquele estudo que ele e os
colaboradores conheciam bem aqueles documentos. Mais destacou que “sim”, que esta
reforma económica está a ser realizada também com o “apoio de toda a Igreja,
porque a Igreja se renova com a oração e com santidade diária de cada
batizado”. Por isso, o Papa concluiu aquelas referências agradecendo e pedindo
orações pelo “Papa e pela Igreja, sem se deixar incomodar, mas seguindo em
frente com confiança e esperança”.
***
Gosto de
salientar a busca da imparcialidade por parte do Tribunal; a diferença entre a
pena proposta pelo Ministério Público (o promotor de justiça) e a pena estabelecida pelo Tribunal (bastante
reduzida em relação ao proposto e, nalguns casos, nula); e a celeridade da justiça vaticana.
Folgo por o Tribunal da Cidade-Estado do Vaticano reconhecer
“a existência, radicada e garantida pelo
direito divino, da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de
imprensa no ordenamento jurídico do Vaticano”. E queria que a CDF (Congregação da Doutrina da Fé) tivesse o mesmo entendimento em
relação sobretudo aos teólogos, embora lhes pedisse que exprimissem livremente
as suas opiniões e as ensinassem, mas que tivessem o cuidado de as distinguir
da doutrina fixada pelo Magistério eclesial! Sobretudo não se justificam mais
as condenações de livros e autores, designadamente teólogos, bispos e mesmo
cardeais.
2016.07.08
– Louro de Carvalho
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