sábado, 9 de julho de 2016

Chegou ao fim o processo judicial referente ao Vatileaks-2

Quem dera que a CDF tivesse entendimento similar!

O Tribunal da Cidade-Estado do Vaticano deu por concluído, a 5 de julho, o processo judicial instaurado contra Angelo Vallejo Balda, Francesca Immacolata Chaouqui, Nicola Maio, Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi – no âmbito do caso Vatileaks-2.
Mons. Angelo Balda é um sacerdote espanhol que era secretário da Prefeitura para os Assuntos Económicos e foi secretário da Comissão relativa ao estudo e orientação sobre a organização das estruturas económico-administrativas da Santa Sé (COSEA), instituída pelo Papa Francisco em julho de 2013 e posteriormente dissolvida, após cumprir o mandato para que fora criada; Francesca Chaouqui é uma leiga italiana que integrava a mesma comissão e era relações públicas no Vaticano; Nicola Maio era um leigo colaborador de Angelo Balda, seu secretário pessoal; e Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi são dois jornalistas italianos que, na posse de informações de caráter reservado constantes de documentos do Vaticano passados ilicitamente para as suas mãos editaram os livros ‘Avareza’ e ‘Via Crucis’, respetivamente.
Os livros em causa apresentam, no essencial, o mesmo material informativo com polémicas ligadas à propriedade dos bens da Santa Sé ou ao Óbolo de São Pedro, que recolhe donativos dos católicos de todo o mundo para o Papa administrar, entre outros temas.
Este episódio é conhecido por Vatileaks-2 para se distinguir do episódio denominado Vatileaks, ocorrido em 2012, tendo o Vaticano julgado o caso por fuga de documentos confidenciais, de que resultou, na altura, a condenação de Paolo Gabriele, o então mordomo de Bento XVI, a 3 anos de prisão efetiva, pena que veio a ser reduzida para ano e meio. Entretanto, o agora Papa emérito viria a conceder-lhe um indulto, semanas após a condenação.
A 8 de novembro de 2015, o Papa Francisco reagiu publicamente às polémicas sobre as atividades financeiras da Santa Sé, no centro dos preditos livros e do material divulgado, reafirmando que a “reforma” em curso iria continuar.
As mudanças implementadas tinham já implicado, entre outras medidas, as conhecidas auditorias externas às contas do Vaticano e a criação de uma Secretaria para a Economia na Santa Sé, para além da implementação de medidas de rigor e transparência financeira no Instituto para as Obras de Religião (o IOR, conhecido comummente por Banco do Vaticano).
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A sentença foi lida na tarde de ontem, dia 7 de julho, por Giuseppe Dalla Torre, presidente do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, em nome do Papa, e transmitida em direto a partir da sala de imprensa da Santa Sé. O processo fora iniciado no final de novembro de 2015 e a acusação gravitava em torno da apropriação e divulgação ilícita de documentos reservados.
O teor da sentença apresenta condenações apenas para dois dos arguidos: Mons. Lucio Angel Vallejo Balda; e Francesca Immacolata Chaouqui – mas apenas por alguns delitos. Assim, estes arguidos foram absolvidos do delito de associação criminosa na modalidade de conspiração, por motivo de o facto não ter ficado provado. E, como era de esperar, tanto Francesca como o sacerdote Balda foram condenados a pagar as custas do processo.
Mons. Vallejo Balda foi condenado a 18 meses de reclusão e Francesca Chaouqui a 10 meses de reclusão pelos delitos conexos com a apropriação e difusão de documentos, mas, no caso dela, a pena foi suspensa por um período de cinco anos. E Mons. Vallejo Balda permanece, para já, em situação de semiliberdade: não pode sair do Vaticano, mas pode comunicar – isto enquanto se está à espera de ele entender se apresentará ou não um apelo.
Nicola Maio, ex-colaborador de Mons. Vallejo Balda, foi plenamente absolvido. Quanto aos dois jornalistas, o Tribunal “declarou não ter jurisdição”, uma vez que os factos contestados ocorreram fora da jurisdição do mesmo, ou seja, em território não vaticano, e também porque os dois não exercem ofícios no Vaticano. Ademais, em relação a Nuzzi e Fittipaldi, o Tribunal recordou que o direito divino assegura na ordem jurídica vaticana a manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa. As palavras diretamente traduzidas do italiano são: “a existência, radicada e garantida pelo direito divino, da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa no ordenamento jurídico do Vaticano”.
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Como se pode entreler no exposto, recolhido com base no que se lê na Imprensa – designadamente a síntese publicada pela Rádio Vaticana, o diário digital Zenit – o mundo visto de Roma e a agência portuguesa Ecclesia – o processo judicial que transcorreu no Tribunal do Vaticano, com a duração de 8 meses, condenou dois delitos, o roubo e vazamento à imprensa de documentos reservados da Santa Sé. Não condenou qualquer ato de opinião, qualquer tipo de manifestação de pensamento ou exercício da liberdade de imprensa e edição.
Havia mais um crime em julgamento, de que todos os arguidos (ou “imputados”) foram absolvidos: conspiração ou associação criminosa – que não ficou provado.
As detenções de Francisca Chaouqui e de Vallejo Balda foram publicadas no último dia 2 de novembro, da semana em que foram publicados os dois livros que continham documentos reservados, relacionados com o trabalho realizado pela COSEA. Chaouqui, grávida de poucas semanas, foi colocada em liberdade, mas Mons. Vallejo esteve detido durante todo o processo.
Após oito meses de audiências, em que foram interrogados os “imputados” e várias testemunhas – de entre as quais trabalhadores da prefeitura e gendarmes do Vaticano – o Ministério Público pediu, para Francisca, 3 anos e 9 meses de prisão; para Mons. Vallejo, 3 anos e um mês de prisão; para Nicola Maio, um ano e 9 meses; para Gianluigi Nuzzi, um ano de prisão, com suspensão condicional da pena; e, para Emiliano Emiliano Fittipaldi, não pediu pena por falta de provas. Mons. Vallejo é o único dos “imputados” que reconheceu perante o juiz a sua culpa. O sacerdote espanhol garantiu que passou documentos e senhas para os jornalistas, atuando sob pressão e por medo de Francesca, a quem acusava de o ter ameaçado (Um homem a desculpar-se com a mulher e por medo! – devia ser excluído do Vaticano e do sacerdócio). Por sua parte, Maio negou com insistência a participação nos vazamentos à imprensa e de pertencer a alguma “comissão na sombra” da COSEA. Francesca negou ter cometido os delitos de que era acusada, bem como negou ter ameaçado ou pressionado Mons. Vallejo para que ele o fizesse. Foram especialmente os trabalhadores da prefeitura os que falaram da alegada “comissão na sombra”, que poderia ter trabalhado em paralelo para a COSEA, a fim de obter e divulgar os documentos – “conspiração” que finalmente não foi provada, pelo que o Tribunal não a considerou como delito cometido.
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Ao referir-se ao caso, no Angelus de 8 de novembro, apenas uns dias depois de conhecer a detenção dos “imputados”, trabalhadores no Vaticano, o Santo Padre, garantiu que o roubo e a publicação de documentos reservados sobre a reforma económica da Santa Sé, como se entreviu acima, não fazem parar a reforma económica, declarando:
“Não me distrai certamente do trabalho de reforma que estamos levando adiante com os meus colaboradores e com o apoio de todos vós”.
Foi aquela a primeira vez que Francisco se referiu explicitamente ao caso Vatileaks. Depois de recitar a oração mariana, Francisco garantiu que sabe que “muitos de vós ficastes preocupados com as notícias que circularam nos dias passados sobre os documentos reservados da Santa Sé que foram roubados e publicados”. Afirmou que o roubo daqueles documentos é “um delito”, “um ato deplorável que não ajuda”.
Por outro lado, informou que ele próprio havia pedido aquele estudo que ele e os colaboradores conheciam bem aqueles documentos. Mais destacou que “sim”, que esta reforma económica está a ser realizada também com o “apoio de toda a Igreja, porque a Igreja se renova com a oração e com santidade diária de cada batizado”. Por isso, o Papa concluiu aquelas referências agradecendo e pedindo orações pelo “Papa e pela Igreja, sem se deixar incomodar, mas seguindo em frente com confiança e esperança”.
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Gosto de salientar a busca da imparcialidade por parte do Tribunal; a diferença entre a pena proposta pelo Ministério Público (o promotor de justiça) e a pena estabelecida pelo Tribunal (bastante reduzida em relação ao proposto e, nalguns casos, nula); e a celeridade da justiça vaticana.
Folgo por o Tribunal da Cidade-Estado do Vaticano reconhecer “a existência, radicada e garantida pelo direito divino, da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa no ordenamento jurídico do Vaticano”. E queria que a CDF (Congregação da Doutrina da Fé) tivesse o mesmo entendimento em relação sobretudo aos teólogos, embora lhes pedisse que exprimissem livremente as suas opiniões e as ensinassem, mas que tivessem o cuidado de as distinguir da doutrina fixada pelo Magistério eclesial! Sobretudo não se justificam mais as condenações de livros e autores, designadamente teólogos, bispos e mesmo cardeais.

2016.07.08 – Louro de Carvalho 

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