Trata-se de medida inscrita no programa do XXI
Governo tida como necessária para cumprir os objetivos programáticos atinentes
à qualificação dos portugueses. Com efeito, o programa governamental promete:
“Avaliar
o regime de acesso ao ensino superior e promover um debate público, visando a
sua modernização e adequação aos novos contextos, nomeadamente tendo como
objetivo: alargar a base de recrutamento dos candidatos ao ensino superior e a
qualificação dos portugueses, estimulando a aprendizagem ao longo da vida e
valorizando um quadro diversificado de instituições universitárias e
politécnicas, tendo em conta as grandes alterações na oferta formativa que estão
a acontecer à escala global”.
No
seguimento do estipulado no programa do Governo, entre outras iniciativas do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), surge o Despacho n.º 6930/2016,
de 25 de maio, assinado em 12 do mesmo mês pelo Ministro. Nele se determinou a
constituição de um grupo de trabalho, com a missão de avaliar o regime de
acesso ao ensino superior (ES), composto: pelo presidente da Comissão Nacional de
Acesso ao Ensino Superior (CNAES), que coordena; pelo Diretor-Geral do Ensino
Superior; por Madalena Moutinho Alarcão Silva, vice-reitora da Universidade de
Coimbra, e Pedro Nuno de Freitas Lopes Teixeira, vice-reitor da Universidade do
Porto, em representação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP); por Carlos Manuel Leitão Maia,
presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco, e João Alberto Sobrinho
Teixeira, presidente do Instituto Politécnico de Bragança, em representação do
Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP); por José Manuel Amado da
Silva, reitor da Universidade Autónoma, em representação da Associação
Portuguesa de Ensino Superior Privado; e por Afonso Carlos da Silva Costa e
Pedro Gabriel Barrias Martins, adjuntos no Gabinete do Ministro. E poderão ser
convidados a participar nas reuniões do Grupo de Trabalho especialistas em
matérias específicas, sempre que tal se mostre conveniente. Mais se determinou
que o Grupo, com o “apoio administrativo e logístico” da Direção-Geral do
Ensino Superior, apresentasse um relatório com “as conclusões do trabalho
efetuado e propostas de atuação até 30 de junho” pp,, com a inclusão de um “plano
de ação a curto e médio prazo”, e promovesse “eventos de discussão pública
sobre o acesso ao ensino superior e de estímulo à frequência no ensino superior”.
Segundo
o preâmbulo do predito despacho, a pretensa avaliação impõe-se pela necessidade
de reforçar as qualificações da população para atingir “os objetivos definidos
na estratégia Europa 2020”, já que “Portugal
divergiu da meta europeia” nos últimos anos sobretudo por dois fatores: decréscimo
continuado nas taxas de diplomados com idades entre os 22 e os 30 anos; e
elevados níveis de emigração entre os jovens diplomados. Assim, o desafio de
qualificação que o país assumiu de ter 40 % da população (entre
os 30-34 anos) com
um grau superior ou equivalente exige o alargamento da base social de apoio do
ES e a qualificação da atividade de formação avançada ao nível doutoral e
pós-doutoral, bem como a dignificação e a melhor valorização da atividade
científica e a atração de recursos humanos qualificados para Portugal. Não se
trata de mera razão estatística, mas do esforço necessário para a economia
poder ser renovada com recursos humanos mais qualificados.
Por
outro lado, torna-se útil refletir sobre os critérios de seleção dos estudantes
no acesso ao ES, tendo em conta: os perfis cada vez mais diversificados dos
estudantes que concluem o ensino secundário; a necessidade de garantir meios
adequados para a aprendizagem ao longo da vida; e a existência de milhares de
candidatos fora da idade de referência de ingresso no ES. Tal ponderação deve
visar a promoção da mobilidade social, envolvendo “o maior número de cidadãos
no ensino superior”, sem deixar de considerar “o mérito individual”.
***
Concluído
que está o relatório prescrito no referido despacho ministerial, são já
conhecidas algumas propostas de opção, que o Grupo de Trabalho apresentou e que
o MCTES porá em discussão pública.
Por
isso, já se adianta que o concurso
nacional de acesso ao ES, ora em curso, deverá ser o último feito nos atuais
moldes. O Governo decidiu rever o modo com são fixadas anualmente as vagas, bem
como a forma como as instituições selecionam os seus alunos, que atualmente é
baseada quase exclusivamente nas médias das classificações do ensino secundário
e dos exames nacionais. A primeira proposta para a tal reforma, que será conhecida na íntegra até ao final deste mês, passará pela redução do peso dos exames finais
do secundário na nota de candidatura – o que foi reclamado, já o ano passado, pelos institutos politécnicos, alguns dos quais
admitiam que tais exames valessem apenas para conclusão do ensino secundário e
sem a exigência de qualquer nota mínima para ingresso.
Atualmente, a grande maioria dos alunos é colocada através do
concurso de acesso, um sistema único de âmbito nacional em que os candidatos
são seriados tendo em conta as notas do ensino secundário e dos exames
nacionais.
O Grupo de Trabalho,
como se referiu, já entregou ao Ministro um conjunto de propostas
preparatórias, decorrendo ao longo deste mês audições com associações de
escolas, associações de pais, associações de estudantes e associações
académicas. O tema irá ser discutido na próxima sessão do Conselho Nacional de
Educação (CNE). Prevê-se que, até ao final do
mês, seja entregue ao Ministro o relatório final, com as conclusões e as propostas
de alteração, bem como o plano de ação a curto e médio prazo. Depois, haverá um
mais alargado período de discussão pública, que estará finalizado até ao final
do ano civil.
***
Como já foi
entredito, ao longo do ano passado, houve acesa discussão em torno duma
proposta do CCISP que visava reduzir a preponderância dos exames nacionais no
acesso a licenciatura. No presente, as classificações das provas finais do
secundário têm o peso de 50% na nota de ingresso no ES. Os politécnicos
pretendiam que as provas passassem a servir apenas para a conclusão do ciclo de
ensino, mas não para o acesso.
As
Universidades elogiaram a proposta, por implicar uma maior distinção entre os
estudantes formados em instituições de um e outro subsetor – o que podia ser
positivo. Virgílio Meira Soares, que foi dirigente da CNAES durante mais de uma
década, até 2013, disse então ao jornal Público
que o sistema atual “não responde às necessidades” do país, mostrando-se
favorável a uma revisão das regras. Também a CONFAP (Confederação
Nacional de Associações de Pais) considerou
“urgente” rever as regras de acesso ao ensino superior, como forma de corrigir
os problemas provocados pela inflação das classificações internas dos alunos em
algumas escolas. Por sua vez, a Associação de Estabelecimentos do Ensino
Particular e Cooperativo considerou a mudança “fundamental”.
***
Efetivamente
o estipulado na legislação em vigor tem sofrido as maiores críticas e
sugestões.
Tais
críticas/sugestões têm a ver com as condições de candidatura e com o elenco e
realização das provas de ingresso. Assim, só pode candidatar-se à matrícula e
inscrição no ES o estudante que reúna cumulativamente estas condições: ser
titular de um curso de ensino secundário ou equivalente; provar a capacidade
para a frequência do ES. O elenco de provas de ingresso, que pode ser
organizado em subelencos por áreas de estudo, é fixado pela CNAES, sob proposta
das instituições de ensino superior (IES). A CNAES decide sobre a forma
de realização das provas de ingresso, podendo: elaborar e realizar, sob a sua
direção, provas destinadas a esse fim; ou utilizar exames nacionais do ensino
secundário. Para os estudantes com cursos não portugueses equivalentes ao nosso
ensino secundário, as provas de ingresso podem ser substituídas, a juízo do
respetivo estabelecimento de ES, por exames finais de disciplinas dos cursos
que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições: terem âmbito nacional; referirem-se
a disciplinas homólogas das provas de ingresso (com nível e
objetivos idênticos e conteúdos similares),
não podendo os estudantes que pretendam utilizar tais disciplinas recorrer às
provas de ingresso normais.
Face
a estas disposições legais têm sido levantadas questões e surgido várias
afirmações e/ou aspirações, de que se destacam:
Cada
IES deve poder escolher os seus alunos (fixando, elaborando e
corrigindo também as respetivas provas de ingresso); a classificação do ensino
secundário não deveria ser considerada para efeitos de ingresso; a colocação
dos estudantes é feita muito tarde por culpa da organização dos exames do
ensino secundário; só há exames finais do secundário por causa do regime de
acesso; os candidatos aprovados em ensino secundário estrangeiro deveriam
submeter-se às regras dos candidatos aprovados em Portugal; e o facto de o Governo
fixar notas mínimas para o ingresso é atentar contra a autonomia das IES.
Se
algumas afirmações são falsas, outras são compreensíveis e merecem discussão
aprofundada, devendo atender-se a que a legislação em vigor está balizada pela
LBSE, que limita o pretendido, se não se obtiver o consenso necessário. O n.º 1
do art.º 12.º da LBSE estabelece como condição de acesso ao ES, a aprovação num “curso do
ensino secundário ou equivalente” (putativamente a cargo
das escolas secundárias)
e a prova de capacidade para a frequência do ES (claramente a
cargo das IES, que também o organizam o processo de seleção e seriação dos
candidatos aos cursos – vd n.º 3).
E o n.º 2 do mesmo art.º 12.º estabelece os princípios dos regimes de acesso e
ingresso:
Democraticidade,
equidade e igualdade de oportunidades; objetividade dos critérios utilizados
para a seleção e seriação dos candidatos; universalidade de regras para cada um
dos subsistemas de ensino superior; valorização do percurso educativo do
candidato no ensino secundário, nas suas componentes de avaliação contínua e
provas nacionais, traduzindo a relevância para o acesso ao ensino superior do
sistema de certificação nacional do ensino secundário; utilização obrigatória
da classificação final do ensino secundário no processo de seriação;
coordenação dos estabelecimentos de ensino superior para a realização da
avaliação, seleção e seriação por forma a evitar a proliferação de provas a que
os candidatos venham a submeter-se; caráter nacional do processo de candidatura
à matrícula e inscrição nos estabelecimentos de ensino superior público, sem
prejuízo da realização, em casos devidamente fundamentados, de concursos de
natureza local; e realização das operações de candidatura pelos serviços da
administração central e regional da educação.
Tais
disposições legais levam-nos a refletir sobre a viabilidade das aspirações
referidas.
Nenhuma
disposição da LBSE obriga a exames finais do ensino secundário nem à sua
utilização como provas de ingresso. Mas, se eles deixarem de existir, estarão
as IES dispostas a organizar exames a nível nacional, ou regional, evitando a
sua proliferação?
A
existência de 3 fases de candidatura ao ES é absurda na ótica das IES; porém, a
correção dos exames do ensino secundário tem regras não compatíveis com grande
redução de prazos. Depois de esforço e conversações, antecipou-se em duas
semanas a entrada dos candidatos da 1.ª fase.
Havendo
exames no ensino secundário, são incompreensíveis algumas das disparidades
entre as classificações da avaliação interna e a dos exames (apesar
da limitação do objeto e do tempo),
como não é compreensível que pouco se tenha feito para resolver o problema,
para lá da publicação dos resultados, que servem apenas para injustamente se
classificarem escolas sem atender ao seu contexto e dimensão. A introdução de
nota mínima de ingresso é, pois, uma exigência natural.
A
imposição de disciplinas específicas para o ingresso em certos cursos, poderia
ser considerada um atentado à autonomia das IES. Mas estas é que indicam as
disciplinas em que exigem a prova para garantia da qualidade dos seus
estudantes. Não podem agora agir apenas devido à escassez de candidatos,
baixando a exigência.
A
estas questões pode acrescentar-se a existência de contingentes e regimes
especiais. Se alguns se justificam, outros dificilmente se justificam
atualmente, mas mantêm-se por falta de coragem política, apesar dos pareceres
favoráveis à sua eliminação ou redução. É óbvio que não está em causa o caso
dos maiores de 23 anos (apesar de algumas críticas aos
procedimentos adotados)
ou outros recentemente criados em resultado de criação de vias paralelas, mas
estão em causa, por exemplo, os casos contemplados no DL n.º 383-A/99, de 2 de
outubro.
Ora,
seja qual for a opção política a adotar, parece ser de não enveredar, de
momento, por uma alteração (desnecessária) da LBSE. Não se deve prescindir
da média do ensino secundário ou equivalente, a não ser no caso dos maiores de
23 anos (em
que o acesso ao ES se deve estribar nas provas). Será mau, mesmo muito mau que não se exija uma
nota mínima para ingresso num curso. Deve evitar-se a corrida desenfreada a
determinados cursos, baseada apenas nos resultados académicos, por vezes
conseguidos sem olhar a meios – não se percebe por que motivo não se definem
pré-requisitos pré-profissionais e outras formas de seleção para ingresso em
determinados cursos. E, sim, deveriam as IES ter o principal papel e
responsabilidade no processo de acesso e ingresso no ES. Sobre estes itens, a
LBSE não levanta qualquer objeção.
Finalmente,
qualquer que seja o processo de seleção e seriação, deverão ser observados os
seguintes pressupostos: garantia de
equidade (não igualitarismo, mas igualdade de oportunidades); estabilidade (que,
aliás, tem acompanhado o modelo atual, apesar da sua complexidade); e simplicidade das regras e da
sua aplicação, para garantir transparência e evitar a criação de casos de exceção,
que confundem os candidatos e a população, para além de serem quase sempre fonte
de injustiças.
É óbvio que
não gostei de ver o CRUP a aceitar a pretensão dos Politécnicos por daí
resultar a diferença de grau de exigência nos dois subsectores do ES; e
concordo que, a manterem-se os exames no ensino secundário como um dos fatores
de acesso e ingresso, sejam as ES a definir o peso percentual das provas de
ingresso e o da média do ensino secundário, desde que não se prescinda duma
nota mínima que não desdiga da dignidade do curso do ES em causa.
Vamos ver se
o MCTES levará a melhor nesta problemática!
2016.07.19 – Louro de Carvalho
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