quinta-feira, 14 de julho de 2016

O eldorado de Durão Barroso ou a ajuda à finança

Entretidos que andávamos com o Euro 2016, demos pouca atenção à notícia propalada pela Comunicação Social no passado dia 8 de julho – num momento em que o setor financeiro foi abalado pelas dúvidas sobre a saída do Reino Unido da UE – de que Durão Barroso vai ser o chairman (presidente do conselho de administração não executivo) do Goldman Sachs International, com sede em Londres. Mas este ex-Primeiro-Ministro de Portugal e ex-Presidente da Comissão Europeia não se fica por aqui: vai exercer também funções de consultoria.
Barroso vai tomar o lugar que foi ocupado durante 20 anos por outro político europeu, Peter Sutherland, antigo comissário europeu e procurador-geral da Irlanda.
O Goldman Sachs é um dos maiores bancos de investimento do mundo e tem sede em Nova Iorque. Porém, a Goldman Sachs International tem sede em Londres, pelo que a nomeação de Barroso teve de ser sujeita à aprovação dos vários reguladores financeiros britânicos, incluindo o Banco de Inglaterra, bem como da própria Comissão Europeia, dado que este processo de contratação é anterior ao “Brexit”, não estando formalmente relacionado com a decisão do Reino Unido de sair da UE. Todavia, supõe-se que o antigo presidente da Comissão terá um papel relevante no aconselhamento das melhores estratégias para enfrentar a nova situação britânica. Durão Barroso deverá, pois, ter funções de supervisão interna no acompanhamento que fará da ação da administração executiva. Eis, pois, o moderador-salvador!
A administração quer aproveitar-se, não dos conhecimentos financeiros e bancários do Dr. José Manuel Durão Barroso, mas dos seus contactos estabelecidos e dos seus conhecimentos adquiridos enquanto líder da Comissão e alega que esta figura internacional, conhecedora da União Europeia, bem pode ajudar na estratégia e desenvolvimento daquela organização financeira e bancária no quadro dos acordos a celebrar com a Europa no contexto do “Brexit”.
A este respeito, o próprio contratado admitiu, em declarações ao Financial Times:
“Claro que conheço bem a União Europeia, e também conheço relativamente bem o Reino Unido. Se os meus conselhos puderem ser úteis nestas circunstâncias, estou pronto para contribuir.”.
A contratação ora conhecida vem na sequência do propósito, há tempos revelado pelo ex-eurocrata, de que ia retirar-se da política e que recebera convite para trabalhar no setor privado.
Por seu turno, o banco emitiu, na tarde do dia 8, uma nota oficial a confirmar a contratação e a porfiar a confiança nas capacidades do político português, como se pôde ler:
“A sua perspetiva, capacidade de julgamento e aconselhamento vão trazer um grande valor ao nosso Conselho de Administração, aos nossos acionistas e aos nossos clientes”.
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As reações a esta contratação de Barroso não se fizeram esperar, sobretudo à esquerda. E o atingido estranhou e defendeu que não há irregularidade nenhuma no processo e lamentou-se dizendo que se é preso por ter cão e por não o ter e explicitando que, ficando na política, depaupera-se o erário público, mas, indo para a atividade privada, levam-se os conhecimentos adquiridos na política ativa.
Jorge Costa, deputado e dirigente do Bloco de Esquerda, foi uma das vozes mais duras neste coro de protestos, vindo a escrever na sua página do Facebook: “Em vez de responder pelo crime da guerra do Iraque, Barroso recicla-se no ‘gangsterismo’ financeiro global”.
Porém, a posição mais contundente vem de Harlem Désir, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, que pediu solenemente hoje a Barroso que não aceite trabalhar na Goldman Sachs, lembrando o papel do banco na Grécia e durante toda a crise financeira, pois, “o senhor Barroso fez a cama dos antieuropeus”.
Para o governante francês, esta contratação “é particularmente escandalosa tendo em conta o papel desempenhado pelo banco durante a crise financeira de 2008, mas também o papel na camuflagem das contas públicas da Grécia”.
Advogando a alteração das regras sobre as incompatibilidades dos eurocratas quando saem dos cargos, Désir considera que “moralmente, politicamente, eticamente, é uma falha por parte do senhor Barroso” e adianta:
“Este é o pior serviço que um ex-presidente duma instituição europeia poderá dar ao projeto europeu num momento da história em que, pelo contrário, precisa de ser sustentado, mantido e reforçado”.
É certo que Durão Barroso não violou qualquer regra, dado que, 18 meses depois de ter terminado o mandato, nada obriga os ex-membros da Comissão a prestar contas à instituição. Segundo o esclarecimento dum porta-voz da Comissão, “os ex-comissários, obviamente, têm o direito de prosseguir a sua carreia profissional ou política”, pelo que é legítimo as pessoas com grande experiência e qualificações desempenharem funções de liderança no setor público ou privado. Ou seja, legalmente, Barroso estava obrigado a respeitar um “período de nojo” – 18 meses – que terminou em maio passado, durante o qual teria de informar a Comissão e obter o parecer da Comissão de Ética. Por outro lado, os ex-presidentes recebem um subsídio durante três anos após abandonarem o cargo, que pode ir até 60% do seu salário (mais de 25 mil euros) ou 15 mil euros por mês – subsídio que deveria precisamente acautelar eventuais conflitos de interesses. Ora, também neste âmbito o ex-eurocrata encarou a questão referindo que tinha de renunciar a parte significativa da subvenção como ex-Presidente da Comissão. 
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No entanto, não é a lei que está em jogo, mas a ética, a eventual sobreposição de interesses e a imagem perante circunstâncias dúbias em torno da UE. A questão é ético-política!
Por isso, um grupo de funcionários de instituições europeias lançou uma petição a apelar à tomada de medidas exemplares contra o recrutamento de Barroso pela Goldman Sachs, considerando que o seu comportamento é “moralmente condenável” e “desonra” a UE.
E o maior sindicato dos funcionários da Comissão Europeia junta-se à vaga de protestos contra o recrutamento de Durão Barroso pela Goldman Sachs. Trata-se do Union for Unity (U4U), considerado o maior sindicato dos funcionários da Comissão Europeia, que veio, na modalidade de carta aberta, apelar ao colégio de comissários para que produza uma “forte declaração” e tome “uma decisão apropriada” relativamente ao anúncio da contratação de Barroso para presidente não executivo do banco de investimento Goldman Sachs.
Na predita carta, onde se refere que a contratação de Barroso “levanta questões éticas”, lê-se:
“Em particular, queremos sublinhar que Barroso presidiu à Comissão durante a chamada crise do subprime, que era efetivamente uma crise bancária, na qual o Goldman Sachs desempenhou um importante papel”.
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Este concerto de vozes é engrossado e reforçado pela tomada de posição congénere de governantes, eurodeputados e de, pelo menos, um comissário. Já se referiu a posição de Harlem Desir, que julga esta contratação “particularmente escandalosa”. Também “contra” se mostrou Mathias Fekl, Secretário de Estado do Comércio Externo francês, dizendo que a contratação representava “a velha Europa que a nossa geração irá mudar”. Igualmente, os eurodeputados franceses reclamaram neste sentido, tendo a líder da delegação francesa, Pervenche Berès, retomado o seu apelo de 2010 de boicotar o Goldman Sachs. Apelaram, além disso, os socialistas franceses à revisão do Código de Conduta dos Comissários, em ordem ao alargamento do “período de nojo” de 18 meses para cinco anos.
Ironicamente, Jean Arthuis, eurodeputado do centro direita, escreveu num tweet que “Barroso pensa logicamente, ele quer perceber como é que o Goldman Sachs o enganou nas contas públicas gregas”. Bem eu me fio! O interesse privado e pessoal sobrepõe-se ao bem comum!
Entre os eurodeputados portugueses, é Carlos Zorrinho quem dá voz mais volumosa à crítica, escrevendo severamente no jornal i sobre a decisão de Durão Barroso:
“Ao tornar-se assalariado de uma grande representante do capital financeiro, Durão Barroso descapitalizou a réstia de capital político que ainda detinha e prestou um mau serviço à transparência democrática”.
E acrescenta aquele eurodeputado socialista português:
“Reverteu um caminho que poderia ter sido de prestígio e grandeza e que, pelo seu comportamento ético e moral, se tornou uma vereda de desconfiança e descrédito. […]. A forma de trepar não é indiferente e Durão trepou pelo lado errado, ou seja, através do sacrifício e do sofrimento dos cidadãos europeus em geral e dos portugueses em particular”.
Por sua vez, o comissário Pierre Moscovici disse à estação de rádio francesa Europe 1 que, apesar de “não estar proibido”, o ex-Presidente da Comissão Europeia deveria ter feito uma “reflexão política, ética e pessoal” e classificou o recrutamento de Barroso como “chocante”.
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Efetivamente, é a França o país que está em peso contra a ida de Barroso para o lugar de topo do maior banco de investimento americano Goldman Sachs. Depois de Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros e ex-ministro francês, ter criticado a falta de “ética” da decisão, Harlem Désir sentenciou hoje na Assembleia Nacional:
“É um erro de Durão Barroso e o pior serviço que um antigo presidente da Comissão pode fazer ao projeto europeu num momento da história em que este precisa de ser apoiado e fortalecido”.
E os jornais não ficam silenciosos. Segundo o jornal francês Libération, o governante, que acusa Barroso de ter feito “a cama dos antieuropeus” apelou “solenemente” a que “abandone esse cargo” e defendeu que “o Presidente da Comissão Europeia deve estar acima das pressões de interesses privados e as restrições sobre a contratação por uma empresa privada devem ser alargadas”, para os ex-presidentes e para os ex-comissários.
O mesmo Libération publicou, no dia 12, uma análise assinada pelo seu correspondente em Bruxelas subordinada ao título “Barroso apanhado com a mão no Sachs”, Goldman Sachs”. O título não pode ser traduzido ao pé da letra, como sustentam os comentadores, mas o sentido é claro, já que o Sachs (denominação do banco de investimentos americano que contratou o ex-presidente da Comissão) se assemelha à expressão francesa para saco (sac) e pacote (sachet) – seleção de palavras sintomática do mal-estar que provoca na Europa a ida de Barroso para a presidência não executiva do Goldman Sachs International.
É o populismo a dinamitar o ideal europeu e a instituição que o encara, alimentando os ataques à Comissão Europeia, que se tornam cada vez mais justos. É o “prémio” atribuído, como outros em contracomportamento. De governo pró-guerra para líder da UE; da liderança da UE de crise para a casa da alta finança – tudo em prol dos pobres, não?!

2016.07.13 – Louro de Carvalho

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