No
âmbito duma reportagem publicada pelo jornal digital Observador, a 1 de abril, o subdiretor do Colégio Militar,
Tenente-coronel de Artilharia António José Ruivo Grilo, fez declarações sobre
aspetos do funcionamento interno daquela escola pública de ensino militar não
superior dirigida pelo Coronel Tirocinado de
Artilharia José Domingos Sardinha Dias. E aquilo que mais sobressaiu na
ribalta da cena pública tem a ver com a relação da escola com a família, tendo
centrado os comentadores e decisores políticos as suas atenções num único
ponto.
O
mencionado oficial superior, em suas quase espontâneas declarações, referiu que
eram os encarregados de educação postos ao corrente de todas as situações que
merecessem atenção, mencionando uma série de situações e eventuais
comportamentos. E estabeleceu diferenças de tratamento entre uns casos e
outros, não de forma satisfatória, pelos vistos, ou, como dizem outros, de modo
infeliz. Com efeito, em casos de manifestações de homossexualidade, não há
lugar a transferência de escola, como no caso de roubo ou consumo de drogas.
Neste caso, os pais são alertados para o facto de o filho estar a perder
espaço.
A
leitura pública não se fez esperar. E, desde logo, se levou a mal que o militar
tivesse metido na mesma bandeja homossexualidade, roubo e droga. Ao mesmo
tempo, o Colégio passou a ser tido como se os seus responsáveis fomentassem ou
tolerassem a homofobia, perseguindo ou aceitando a dita perda de espaço.
O
tenente-coronel subdiretor deu aos jornal conta da verificação de falta de
espaço por parte dos condiscípulos, que não das autoridades escolares e
militares, que não expulsam por isso, e até declarou que a homossexualidade é
aceite na lei portuguesa. Mas revelou uma fragilidade: não disse o que fazer
internamente face à suposta intolerância dos condiscípulos. Obviamente que um
castigo pode não ser solução nem talvez o deva ser, mas não se ficou a saber se
e que medidas pedagógicas estão previstas ou em curso para obviar à
descriminação horizontal.
Por
outro lado, as reações do Bloco de esquerda vieram no sentido da violação, por
parte do Colégio Militar, do n.º 2 do art.º 13.º da CRP, que dispõe que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão
de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou
orientação sexual” – à luz do estipulado no n.º 1 do mesmo artigo: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade
social e são iguais perante a lei”.
É
óbvio que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e
garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”
(vd
CRP, art.º 18.º/1).
Por isso, o Colégio Militar, como qualquer outra escola, pública ou privada,
tem de cumprir o dever de não discriminação. Todavia, apraz-me proceder ao
levantamento de dois conjuntos de questões, um em relação ao Colégio Militar;
outro em relação a outras escolas.
O
Colégio Militar só pratica a discriminação em caso de homossexualidade? Os
critérios de admissão não serão também eles discriminatórios? Pois, se até há
pais que reservam a atribuição de um número em concreto, logo que o filho
nasce… Mais: quem olhar o regulamento interno lê que não há espaço
institucional (não, não é o de condiscípulos) para alunos portadores de
necessidades educativas especiais, abrangidos pelo regime do DL n.º 3/2008, de
7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio. E, quando o Diretor
do Colégio Militar transfere um aluno de escola, este vai para que escola?
Certamente para uma escola pública, que não o pode rejeitar… Ou seja, “transferência de escola” é forma
eufemística de dizer “expulsão”. Não
há outra escola militar de ensino não superior, a não ser o IPE (Instituto
dos Pupilos do Exército, com cursos profissionais ao nível de 3.º ciclo e
secundário). Em que
idade se descobre a orientação sexual de um indivíduo? Todas as mostras de
carinho são mesmo de índole sexual?
Depois,
será que, nas outras escolas, públicas e privadas, as autoridades escolares
garantem a tolerância das manifestações de homossexualidade da parte dos
condiscípulos? Não devem os diretores de turma colocar os encarregados de
educação a par das situações excecionais por que passam os educandos
independentemente da sua legalidade ou não, mas desde que se tornem
problemáticas para os mesmos? É que não basta uma Constituição ou uma Lei para
mudar mentalidades e comportamentos: talvez se necessite de reforçar a atitude
pedagógica e política nesta como em outras matérias. Ademais, a lei não
discriminatória (seja a lei fundamental, seja a lei
ordinária), ao
proibir a discriminação pela orientação sexual, não legitima as práticas sexuais
(homossexuais
ou heterossexuais)
de forma ostensiva em meio escolar nem de alunos nem de professores ou de outro
pessoal.
***
Face
às declarações públicas do subdiretor do Colégio Militar, o MDN (Ministério
da Defesa Nacional)
não podia ficar indiferente, pelo que – e bem – considerou “absolutamente inaceitável qualquer situação de
discriminação”, por questões de orientação sexual ou quaisquer outras, conforme
determinam a Constituição e a Lei”. Todavia, se fez diligências discretas junto
do Estado-Maior do Exército para que este investigasse o que de facto se passa,
tornava-se desnecessário o puxão público de orelhas explícito. Não bastaria a
curial informação de que nas respetivas instâncias militares corria processo de
averiguações a que o MDN poderia eventualmente referir-se quando fossem
produzidas conclusões.
Na prática política, o que se deu foi um ato público
discriminatório contra uma escola pública, o que o Ministério da Educação se
coíbe de fazer em relação às escolas que tutela. Além disso, o novel CEME (chefe de Estado-Maior do Exército) era o
inspetor-geral do Exército. Se nas suas funções não cabe a inspeção do Colégio
Militar, a inspeção-geral do MDN tem de a fazer. A escola militar – dizem
alguns – tem um código de honra. Ora, também as outras o deviam ter. Mas já
estão dotadas do estatuto do aluno e ética escolar (EAEE).
As vozes militares que se levantaram em protesto contra a
postura do Ministro da Defesa Nacional salientam a sua ingerência na cadeia de
comando militar. E, se não gostaram das declarações do subdiretor do Colégio
Militar, também não gostaram nem do pedido de demissão do tenente-general
Carlos Jerónimo da chefia do Estado-Maior do Exército e muito menos da pressa
com que foi aceite o pedido pelo Governo e pelo Presidente da República.
Também aqui importa ver o que refere a CRP. A alínea p) do artigo 133.º, no âmbito dos seus
poderes de competência quanto a outros órgãos, estabelece que ao
Presidente da República compete “nomear
e exonerar, sob proposta do Governo, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Vice-Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, quando exista, e os Chefes de
Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, ouvido, nestes dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas” (grifei).
À
primeira vista, até parece que nem houve tempo para uma audição formal do Chefe
do Estado-Maior-General das Forças Armadas para a exoneração do CEME, quando o processo
de exoneração deve seguir a tramitação do de nomeação. Todavia, parece
aceitável o parecer informal, eventualmente fornecido mesmo por correio
electrónico, dado que não se trata de ato de exoneração da iniciativa do
Governo, mas do próprio, que aduz razões pessoais. Acresce que o Chefe de
Estado terá ainda feito diligências no sentido de demover o CEME demissionário
da manutenção do seu pedido, o que não foi aceite.
A diligência de Marcelo pode entender-se no quadro do objetivo
da preservação da estabilidade e na linha das suas palavras ao dizer que sobre
militares falaria com os militares e não em público. E a manutenção do pedido
de demissão do CEME entende-se melhor se tivermos em conta as declarações do presidente
da Associação Nacional de Sargentos, sargento-mor José Gonçalves, que opina no
sentido de o Chefe do Estado-Maior do Exército ter visto goradas as
expectativas que tinha projetado para o mandato, sendo o episódio do Colégio a
gota de água que fez transbordar o copo.
Na opinião de José Gonçalves, “não era uma polémica desta
natureza que o iria levar à demissão”. “Nesse quadro, e não querendo ver o que
é evidente, a prova é que 'o rei vai nu', porque os problemas que se passam são
transversais a todos os ramos das Forças Armadas”, demitiu-se o CEME. Isto,
“apesar de as razões para a sua demissão, que vieram a público, serem de ordem
pessoal”, esclareceu.
Também se soube que a direção do Colégio Militar, que o
Parlamento vai ouvir, apresentou, sem a publicidade de outros atos congéneres,
o pedido de demissão, que não foi aceite pelas chefias respetivas.
***
De qualquer modo, no processo de nomeação do sucessor, o
tenente-general Frederico Rovisco Duarte, foi
observado o preceituado no mencionado artigo da Constituição e no artigo 18.º
da Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho, que aprova a Lei Orgânica de Bases
da Organização das Forças Armadas. Com efeito, “o
Conselho de Ministros deliberou, no dia 14 de abril propor ao Presidente
da República a nomeação do tenente-general Frederico Rovisco Duarte para o
cargo de chefe do Estado-Maior do Exército”, como refere o respetivo comunicado.
No único ponto do comunicado, diz-se expressamente que “foi
ouvido o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general Pina
Monteiro, e obtido parecer favorável do Conselho Superior do Exército”. Com a
nomeação, o sucessor de Carlos Jerónimo na chefia do Exército será promovido a
general (há três postos de oficial general,
por ordem crescente: major-general; tenente-general e general).
Entretanto, o Presidente da República nomeou-o e conferiu-lhe
a posse nos termos da Constituição e da Lei. E com a ascensão de Rovisco
Duarte – que tutelou o Colégio Militar como comandante da Instrução e Doutrina, que coincidiu com a reforma que levou à
admissão de raparigas nessa escola e à extinção do Instituto de Odivelas – ascensão
apoiada pela generalidade das entidades militares e políticas, se resolveu o
problema político-castrense.
Fica, não obstante, por resolver o problema do Colégio
Militar e o das outras escolas públicas e privadas. E há tantas coisas para
resolver!
2016.04.16 – Louro de Carvalho
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