sexta-feira, 22 de abril de 2016

As crianças refugiadas têm uma vontade imensa de aprender

A volumosa crise dos refugiados traz necessariamente às escolas o desafio de acolher e integrar como alunos os filhos destes novos cidadãos. Como ajuda aos professores nesta vertente surgiu o projeto “Mais do que números”.
Este projeto, que já fora testado também por cá, em 2009, foi lançado, a 2 de março passado, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, numa ação da responsabilidade do ACM (Alto Comissariado para as Migrações), em parceria estabelecida com a DGE (Direção-Geral da Educação) e com a OIM (Organização Internacional para as Migrações). A ocasião contou com a presença de Eduardo Cabrita, Ministro-Adjunto, e de Tiago Brandão Rodrigues, Ministro da Educação. Por outro lado, Pedro Calado, Alto-comissário para as Migrações, participou num debate moderado pela jornalista Rita Garcia em que intervieram José Vítor Pedroso, Diretor Geral da Educação, Teresa Titto de Morais Mendes, Presidente da Direção do Conselho Português para os Refugiados, e Rui Marques, Coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados.
O projeto visa sensibilizar as sociedades de acolhimento para o crescimento do número de migrantes, requerentes de asilo e refugiados, bem como para os problemas de discriminação, xenofobia e racismo. E é viabilizado pela utilização dum conjunto de ferramentas sobre migração e asilo na União Europeia, concebido como ajuda a professores e educadores no envolvimento dos jovens na discussão informada sobre esta matéria e direcionado para o ensino de jovens entre as idades de 12 e 18 anos. Este material escolar – disponível em 24 Estados-Membros da UE em 20 línguas – configura um toolkit educativo que inclui o Manual do Professor, com introdução à temática da migração e asilo, seguida da sugestão de atividades em aula e exercícios ligados ao DVD (que integra o kit), onde são apresentados retratos de migrantes e refugiados e clipes e filmagens sobre as questões de tráfico e contrabando, migração e asilo.
Os materiais educativos produzidos neste âmbito são da responsabilidade da OIM e do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), sendo a versão portuguesa – revista e adaptada – o resultado de trabalho conjunto do ACM, DGE e Ministério da Educação.
***
Ensinar as crianças e jovens refugiados constitui hoje um desafio acrescido que se coloca aos diversos sistemas educativos, entre os quais se inclui o português. Para tanto, as organizações humanitárias ligadas às migrações pedem à comunidade educativa a necessária compreensão para as dificuldades que surjam no processo, lembrando o papel fundamental que a escola tem na integração. E o site educare.pt ostenta um trabalho sobre o tema, à laia de reportagem, de que se respigam os dados mais relevantes.
Assim, começamos por registar algumas ideias da presidente do Conselho Português para os Refugiados, segura de que “uma educação de qualidade, que ajude a desenvolver competências e conhecimentos relevantes, permitirá aos refugiados viver vidas mais saudáveis e produtivas”. A mesma dirigente associativa sustenta que um dos principais desafios dos professores será compreender as especificidades de ser refugiado, de que sobressai a “perda de tudo o que lhe é familiar e a chegada a um país desconhecido, com códigos culturais e sociais muitas vezes totalmente distintos”.
Segundo os dados do ACNUR, mais de 50% da população refugiada são crianças e jovens com menos de 18 anos, que, por terem estado muito tempo privados da escola, revelam, de acordo com Teresa Titto de Morais, “uma vontade imensa de aprender, de ganhar novas competências e socializar” – o que será “bastante gratificante para os professores”. Não obstante, surgirão dificuldades radicadas sobretudo na diferença entre os contextos linguísticos e culturais originários e os portugueses. Por isso, torna-se imperiosa a disponibilização de algum tempo para as crianças poderem adaptar-se sem sobressaltos à nova cultura, assegurando que “a sua cultura não seja menosprezada, mas respeitada e acolhida”.
Na verdade, quando milhares de pessoas procuram a Europa para uma nova vida, é preciso compreender as razões que levam as pessoas a deixar os seus países. Ora, para explicar aos alunos a crise dos refugiados, a DGE [http://dge.mec.pt/agenda-europeia-para-migracoes] pôs à disposição dos professores e educadores uma série de recursos, documentos e materiais de acolhimento para orientar as escolas na forma como acolher e integrar os refugiados. Visa-se, deste modo, consciencializar os alunos para as questões ligadas à interculturalidade.  
Hugo Augusto, que até 15 de abril ocupava o cargo de coordenador do projeto da OIM, entende que os materiais propiciam dois tipos de intervenções: uma “voltada diretamente para o contexto da escola”; e a outra pensando nos “efeitos multiplicadores da ação”. 
A primeira constitui a intervenção em sala de aula. As propostas contidas nestes materiais destinam-se a dois públicos-alvo – dos 12 aos 15 anos e dos 15 aos 18 anos – e podem facilitar o trabalho em sala de aula em várias disciplinas. Em todo o caso, a sua relevância é mais visível nas áreas mais transversais atinentes à educação e formação cívica, mas não deixa de ter impacto em aulas de Português ou de línguas estrangeiras, História e Geografia e outras disciplinas do currículo educativo.
***
Mais do que números” é, pois, um projeto de âmbito internacional a aplicar a nível nacional, que vê os jovens como os futuros decisores e interventores de pleno direito na sociedade.  Por isso, segundo o mencionado Hugo Augusto, “pretende eliminar o máximo de preconceitos possível e de estereótipos negativos associados à diversidade, ao outro e ao estranho e promover uma sensibilização de larga escala a partir desta intervenção educativa”. A este respeito, o especialista explica:
“A ideia é promover a discussão. Pretende-se que os professores possam ser veículos de promoção da interculturalidade e do respeito pela diversidade e que os alunos, ao serem enriquecidos com estas mais-valias do ponto de vista educativo, possam ser veículos indiretos de sensibilização das suas famílias, mas também um pouco da sociedade em geral”. 
Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), crê estarem reunidas “as condições suficientes para que as escolas possam acolher alunos refugiados e proporcionar-lhes bem-estar propício à realização de aprendizagens”. 
O aludido site refere que, desde que a crise dos refugiados começou a chegar às televisões e a outros órgãos de comunicação social, o tema entrou nas salas de aula. E o presidente da ANDAEP diz que “existe um tempo letivo de Educação para a Cidadania para abordar com toda a legitimidade temáticas como esta, desmistificando muitos preconceitos que os mais novos possam ter.” Ora, segundo os painéis da revisão curricular imposta pelo Governo PSD/CDS, deixou de haver um tempo letivo para esta temática, a não ser que as escolas o selecionem como oferta de escola ou como oferta complementar. De outro modo, a temática está remetida para a zona da transversalidade às diversas disciplinas.
De qualquer modo, há que ter em conta que muitos dos preconceitos acima aludidos nascem mesmo no seio familiar, como testemunhou Hugo Augusto, em 2009, numa fase em que os materiais do projeto “Mais do que números” foram testados em algumas escolas do país. Efetivamente, durante um debate, surgia um jovem com comentários discriminatórios sobre os migrantes e refugiados, o que deu azo a que se viesse a perceber que o aluno se limitava a repetir o vocabulário e o discurso dos pais. Após os devidos esclarecimentos, tranquilizou-se o aluno, que foi levado a pensar que não devia temer pela sua segurança nem pela dos pais.
Deve também esclarecer-se que a ideia do projeto não é intervir apenas numa tarde ou numa manhã de debate: o que se pretende é que esta temática seja trabalhada com maior recorrência e perpetuada a sua abordagem no tempo e ao longo do ano letivo.
Em torno desse desígnio do projeto, os recursos “são, indiscutivelmente, ferramentas úteis para os professores, que devem ser complementadas com outras ferramentas, adaptadas ao contexto nacional e local”, como assegura Teresa Titto de Morais, acima referida, para quem “uma abordagem intercultural na educação, a formação e sensibilidade dos professores e o envolvimento tanto da comunidade de acolhimento como da de refugiados na educação são elementos facilitadores da integração escolar das crianças refugiadas”. E Hugo Augusto, acima referenciado, julga “muito positivo” que da parte dos docentes “possa existir uma abertura a olhar para meios educativos não tradicionais como forma de promover o respeito pela diversidade, a boa convivência com os alunos migrantes e refugiados”.”
Também Jorge Ascensão, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), espera que os pais não estejam receosos pelo facto de os filhos conviverem com crianças e jovens refugiados, pois, “desde que todos sejam integrados na sociedade, o que importa é o respeito mútuo e isso tem de ser conseguido”. É certo que “problemas existirão sempre, independentemente de serem refugiados”. No entanto, o dirigente da CONFAP deseja que as famílias, sobretudo as suas associações, não fiquem arredadas das ações de esclarecimento e sensibilização que visem a integração das crianças e jovens refugiados nas escolas, pois, “quanto mais esclarecidas estiverem as pessoas e melhor informação houver sobre esta crise e como podemos ajudar, maior será a probabilidade de se conseguir estabelecer medidas eficazes na sua resolução.”
E Teresa Titto de Morais adverte que o modo como os alunos refugiados são acolhidos nos sistemas educativos varia muito “tendo presente o contexto escolar, a realidade de cada país e as suas comunidades de refugiados”. Porém, sendo a educação um elemento-chave da integração, não poderá decorrer num processo unidirecional de ensino. Ora, o conhecimento trazido pelos refugiados deve servir a melhoria e a diversidade da sociedade e da escola.
***
Trata-se de uma temática pertinente e ecuménica que os operadores educativos devem estudar porque dela poderão a ter oportunidade de fazer uma utilização adequada, a bem de todos.

2016.04.22 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário