A volumosa crise dos refugiados traz
necessariamente às escolas o desafio de acolher e integrar como alunos os filhos
destes novos cidadãos. Como ajuda aos professores nesta vertente surgiu o
projeto “Mais do que números”.
Este projeto, que já fora testado também
por cá, em 2009, foi lançado, a 2 de março
passado, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, numa ação da
responsabilidade do ACM (Alto Comissariado
para as Migrações), em parceria estabelecida com a DGE (Direção-Geral da
Educação) e com a OIM (Organização Internacional para as Migrações). A ocasião
contou com a presença de Eduardo Cabrita, Ministro-Adjunto, e de Tiago Brandão
Rodrigues, Ministro da Educação. Por outro lado, Pedro Calado, Alto-comissário
para as Migrações, participou num debate moderado pela jornalista Rita Garcia
em que intervieram José Vítor Pedroso, Diretor Geral da Educação, Teresa Titto
de Morais Mendes, Presidente da Direção do Conselho Português para os
Refugiados, e Rui Marques, Coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados.
O projeto
visa sensibilizar as sociedades de acolhimento para o crescimento do número de
migrantes, requerentes de asilo e refugiados, bem como para os problemas de
discriminação, xenofobia e racismo. E é viabilizado pela utilização dum
conjunto de ferramentas sobre migração e asilo na União Europeia, concebido
como ajuda a professores e educadores no envolvimento dos jovens na discussão
informada sobre esta matéria e direcionado para o ensino de jovens entre as
idades de 12 e 18 anos. Este material escolar – disponível em 24 Estados-Membros
da UE em 20 línguas – configura um toolkit educativo que inclui
o Manual do Professor, com introdução
à temática da migração e asilo, seguida da sugestão de atividades em aula e
exercícios ligados ao DVD (que integra o kit), onde são apresentados retratos de migrantes e
refugiados e clipes e filmagens sobre as questões de tráfico e contrabando,
migração e asilo.
Os materiais
educativos produzidos neste âmbito são da responsabilidade da OIM e do ACNUR (Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), sendo a versão portuguesa – revista e adaptada – o resultado de trabalho
conjunto do ACM, DGE e Ministério da Educação.
***
Ensinar as crianças e jovens refugiados constitui hoje
um desafio acrescido que se coloca aos diversos sistemas educativos, entre os quais
se inclui o português. Para tanto, as organizações humanitárias ligadas às
migrações pedem à comunidade educativa a necessária compreensão para as dificuldades
que surjam no processo, lembrando o papel fundamental que a escola tem na
integração. E o site educare.pt
ostenta um trabalho sobre o tema, à laia de reportagem, de que se respigam os
dados mais relevantes.
Assim, começamos por registar algumas ideias da presidente
do Conselho Português para os Refugiados, segura de que “uma educação de
qualidade, que ajude a desenvolver competências e conhecimentos relevantes,
permitirá aos refugiados viver vidas mais saudáveis e produtivas”. A mesma
dirigente associativa sustenta que um dos principais desafios dos professores
será compreender as especificidades de ser refugiado, de que sobressai a “perda
de tudo o que lhe é familiar e a chegada a um país desconhecido, com códigos
culturais e sociais muitas vezes totalmente distintos”.
Segundo os dados do ACNUR, mais de 50% da população
refugiada são crianças e jovens com menos de 18 anos, que, por terem estado
muito tempo privados da escola, revelam, de acordo com Teresa Titto de Morais, “uma
vontade imensa de aprender, de ganhar novas competências e socializar” – o que será
“bastante gratificante para os professores”. Não obstante, surgirão
dificuldades radicadas sobretudo na diferença entre os contextos linguísticos e
culturais originários e os portugueses. Por isso, torna-se imperiosa a
disponibilização de algum tempo para as crianças poderem adaptar-se sem
sobressaltos à nova cultura, assegurando que “a sua cultura não seja menosprezada,
mas respeitada e acolhida”.
Na verdade, quando milhares de pessoas procuram a
Europa para uma nova vida, é preciso compreender as razões que levam as pessoas
a deixar os seus países. Ora, para explicar aos alunos a crise dos refugiados,
a DGE [http://dge.mec.pt/agenda-europeia-para-migracoes] pôs à disposição dos professores e educadores uma série
de recursos, documentos e materiais de acolhimento para orientar as escolas na
forma como acolher e integrar os refugiados. Visa-se, deste modo,
consciencializar os alunos para as questões ligadas à interculturalidade.
Hugo Augusto, que até 15 de abril ocupava o cargo de
coordenador do projeto da OIM, entende que os materiais propiciam dois tipos de
intervenções: uma “voltada diretamente para o contexto da escola”; e a outra
pensando nos “efeitos multiplicadores da ação”.
A primeira constitui a intervenção em sala de aula. As
propostas contidas nestes materiais destinam-se a dois públicos-alvo – dos 12 aos
15 anos e dos 15 aos 18 anos – e podem facilitar o trabalho em sala de aula em
várias disciplinas. Em todo o caso, a sua relevância é mais visível nas áreas
mais transversais atinentes à educação e formação cívica, mas não deixa de ter
impacto em aulas de Português ou de línguas estrangeiras, História e Geografia
e outras disciplinas do currículo educativo.
***
“Mais do que
números” é, pois, um projeto de âmbito internacional a aplicar a nível
nacional, que vê os jovens como os futuros decisores e interventores de pleno
direito na sociedade. Por isso, segundo o mencionado Hugo Augusto,
“pretende eliminar o máximo de preconceitos possível e de estereótipos
negativos associados à diversidade, ao outro e ao estranho e promover uma
sensibilização de larga escala a partir desta intervenção educativa”. A este
respeito, o especialista explica:
“A ideia é promover a discussão. Pretende-se
que os professores possam ser veículos de promoção da interculturalidade e do
respeito pela diversidade e que os alunos, ao serem enriquecidos com estas
mais-valias do ponto de vista educativo, possam ser veículos indiretos de
sensibilização das suas famílias, mas também um pouco da sociedade em geral”.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação
Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), crê estarem reunidas “as condições suficientes para
que as escolas possam acolher alunos refugiados e proporcionar-lhes bem-estar
propício à realização de aprendizagens”.
O aludido site
refere que, desde que a crise dos refugiados começou a chegar às televisões e a
outros órgãos de comunicação social, o tema entrou nas salas de aula. E o
presidente da ANDAEP diz que “existe um tempo letivo de Educação para a Cidadania para abordar com toda a legitimidade
temáticas como esta, desmistificando muitos preconceitos que os mais novos
possam ter.” Ora, segundo os painéis da revisão curricular imposta pelo Governo
PSD/CDS, deixou de haver um tempo letivo para esta temática, a não ser que as
escolas o selecionem como oferta de escola ou como oferta complementar. De
outro modo, a temática está remetida para a zona da transversalidade às
diversas disciplinas.
De qualquer modo, há que ter em conta que muitos dos
preconceitos acima aludidos nascem mesmo no seio familiar, como testemunhou
Hugo Augusto, em 2009, numa fase em que os materiais do projeto “Mais do que números” foram testados em
algumas escolas do país. Efetivamente, durante um debate, surgia um jovem com
comentários discriminatórios sobre os migrantes e refugiados, o que deu azo a que
se viesse a perceber que o aluno se limitava a repetir o vocabulário e o
discurso dos pais. Após os devidos esclarecimentos, tranquilizou-se o aluno,
que foi levado a pensar que não devia temer pela sua segurança nem pela dos
pais.
Deve também esclarecer-se que a ideia do projeto não é
intervir apenas numa tarde ou numa manhã de debate: o que se pretende é que
esta temática seja trabalhada com maior recorrência e perpetuada a sua
abordagem no tempo e ao longo do ano letivo.
Em torno desse desígnio do projeto, os recursos “são,
indiscutivelmente, ferramentas úteis para os professores, que devem ser
complementadas com outras ferramentas, adaptadas ao contexto nacional e local”,
como assegura Teresa Titto de Morais, acima referida, para quem “uma abordagem
intercultural na educação, a formação e sensibilidade dos professores e o
envolvimento tanto da comunidade de acolhimento como da de refugiados na educação
são elementos facilitadores da integração escolar das crianças refugiadas”. E Hugo
Augusto, acima referenciado, julga “muito positivo” que da parte dos docentes
“possa existir uma abertura a olhar para meios educativos não tradicionais como
forma de promover o respeito pela diversidade, a boa convivência com os alunos
migrantes e refugiados”.”
Também Jorge Ascensão, presidente da CONFAP (Confederação
Nacional das Associações de Pais), espera
que os pais não estejam receosos pelo facto de os filhos conviverem com
crianças e jovens refugiados, pois, “desde que todos sejam integrados na
sociedade, o que importa é o respeito mútuo e isso tem de ser conseguido”. É
certo que “problemas existirão sempre, independentemente de serem refugiados”.
No entanto, o dirigente da CONFAP deseja que as famílias, sobretudo as suas
associações, não fiquem arredadas das ações de esclarecimento e sensibilização que
visem a integração das crianças e jovens refugiados nas escolas, pois, “quanto
mais esclarecidas estiverem as pessoas e melhor informação houver sobre esta
crise e como podemos ajudar, maior será a probabilidade de se conseguir
estabelecer medidas eficazes na sua resolução.”
E Teresa Titto de Morais adverte que o modo como os
alunos refugiados são acolhidos nos sistemas educativos varia muito “tendo
presente o contexto escolar, a realidade de cada país e as suas comunidades de
refugiados”. Porém, sendo a educação um elemento-chave da integração, não
poderá decorrer num processo unidirecional de ensino. Ora, o conhecimento
trazido pelos refugiados deve servir a melhoria e a diversidade da sociedade e
da escola.
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Trata-se de uma temática pertinente e ecuménica que os
operadores educativos devem estudar porque dela poderão a ter oportunidade de
fazer uma utilização adequada, a bem de todos.
2016.04.22 – Louro de Carvalho
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