A
Comunicação social deu, há dias, conta do escândalo conhecido por os “Papéis do
Panamá”, que, até ao momento, constituem a maior fuga de informação de sempre (2,6
terabytes de informação, contra os 1,7 gigabytes do Wikileaks).
Veio
ao de cima, com esta megainformação, a teia da fuga de capitais operada pelos
grandes espertos do mundo, muitos dos quais foram eleitos para conduzir os destinos
do respetivo povo. Muitos outros sentiam-se e eram tidos como que fadados para
enriquecer as economias dos seus países, dado o espírito empreendedor que lhes
era reconhecido e a capacidade de obter lucros a partir da organização empresarial
e da mobilização do trabalho dos outros.
Entretanto,
enquanto os detentores de cargos públicos exigem sacrifícios enormes aos concidadãos
em nome da crise, os seus dinheiros, que poderiam recuperar a sanidade financeira
dos seus Estados, ajudando o crescimento da economia respetiva, pela via fiscal,
é subtraído ao controlo nacional e vai repousar nos denominados paraísos fiscais de forma encriptada. A finalidade
destas operações não é propriamente a perceção de juro alto a compensar o depósito
e a permanência dos capitais, mas a subtração ao fisco nos países de origem e o
branqueamento de dinheiro – por via da não obrigação de informação da parte da
instituição financeira, o detentor efetivo dos depósitos.
De
modo semelhante se comportam os empresários que obtiveram a riqueza ou pela via
dos negócios escuros ou à custa da exploração dos demais – quem sabe se até depois
da falência técnica da empresa ou empresas a que deram corpo. E que dizer das
empresas de fachada criadas apenas para a arrecadação sinuosa de capital?
***
Os
“Papéis do Panamá” referem mais de 11 milhões e meio de ficheiros retirados dos
registos da 4.ª maior sociedade de advogados do mundo no domínio dos offshores – a Mossack Fonseca. Tais ficheiros
foram confiados por fonte anónima ao diário alemão Süddeutsche Zeitung, que partilhou o furo com a ICIJ (The International Consortium of
Investigative Journalists).
Os
ficheiros documentam o facto e o modo como os poderosos e ricos do mundo
inteiro utilizam os paraísos fiscais para ocultarem as suas fortunas, enquanto acusam
os outros cidadãos, os outros grupos económicos e os Estados de viverem acima
das suas possibilidades. Aumenta o desemprego e a precariedade no trabalho, baixam
assustadoramente os salários e as pensões, ruem as economias, declaram falência
as empresas, emagrecem os Estados. E, ao mesmo tempo, os poucos muito ricos
aumentam escandalosamente o seu rico património, que escondem cobardemente até
que o escândalo rebente. Como é óbvio, a maior parte dos criminosos neste campo
ficarão impunes!
A
lista de nomes dos implicados, direta ou indiretamente, é enorme, incluindo 143
políticos, 72 dos quais são líderes nos seus países.
Um
dos nomes mais sonantes da lista de governantes é Vladimir Putin, presidente
russo, e o ora rival Petro Porosshenko, presidente da Ucrânia. Constam também
dela os primeiros-ministros do Paquistão e da Islândia, respetivamente Nawaz
Shariff e Sigmundur Gunnlaugsson. Do desporto surgem Leonel Messi e vários
dirigentes da FIFA.
Também foi
apanhada no turbilhão Pilar de Bourbón, tia do rei de Espanha, a qual estava à testa
da empresa Delantera Finaciera SA, com sede no Panamá, extinta cinco dias
depois de Felipe VI ter sido aclamado rei de Espanha, em 2014.
Ademais,
os documentos referem que há situações de offshore
em que a motivação foi o escondimento de capitais em casos de divórcios
litigiosos e multimilionários.
***
Em conformidade
com os dados publicados pelo jornal britânico The Guardian, a
Mossack Fonseca parece ter ligações, embora não diretas, a mais de 200 mil
empresas registadas em paraísos fiscais, sendo que as Ilhas Virgens Britânicas
vêm sendo o local mais adequado para a criação das contas bancárias destas
entidades (mais de 100 mil empresas). E vêm a seguir
o Panamá, as Seychelles e as Bahamas.
A mesma
firma, que está no centro deste escândalo financeiro, terá criado 244 empresas offshore para, pelo menos, 34 clientes
portugueses, ou melhor, que têm domicílio fiscal em Portugal.
Ora, se a
mencionada firma de advocacia não lida diretamente com os proprietários das
empresas, as operações são geridas através de uma rede de intermediários, que
incluem contabilistas, bancos, fundos de investimento e outras firmas de
advocacia, que lhe transmitem as instruções dos seus clientes. A maioria desses
intermediários é da Suíça ou de Hong Kong, vindo depois os do Panamá, do Reino
Unido, de Jersey, do Reino Unido e do Luxemburgo.
A propósito
do Luxemburgo, quem não se lembra do histórico relacionado com o atual Presidente
da Comissão Europeia quando era o primeiro-ministro do Grão Ducado?
Os
principais beneficiários das referidas operações, isto é, os proprietários
ocultos dos bens, são sobretudo asiáticos. De acordo com uma amostra de 13 mil
nomes, o acima referido jornal britânico situa em primeiro lugar a China
continental, seguida de Hong Kong. Quanto à Europa, os primeiros lugares são atribuídos
a russos, britânicos e suíços.
De momento,
é difícil estimar quanto dinheiro passou por este circuito de transações. No entanto,
só em reação a Putin têm sido referidas verbas próximas dos mil milhões de
euros. E, no caso dos portugueses, há 69 mil milhões de euros em paraísos
fiscais, sendo que 36 mil milhões estão na Suíça.
***
É certo que nem
todos os que recorreram aos “paraísos fiscais” terão cometido ilegalidades, se
tivermos em linha de conta a legislação dos seus países de origem. Alguns dos
visados já vieram a terreiro jurar a sua inocência e até ameaçar proceder judicialmente
contra quem os implicou no escândalo.
Porém, a
investigação já originou crises políticas, em alguns países, e a promessa de
processos judiciais, noutros. O primeiro-ministro islandês, que terá criado, juntamente
com a mulher, uma sociedade nas Ilhas Virgens britânicas para ocultar largos
milhões de dólares, enfrenta uma manifestação em Reiquejavique e uma moção de
censura parlamentar. E, tendo solicitado ao Presidente a dissolução do Parlamento
com a subsequente marcação de eleições, ainda tal decisão não foi tomada
Familiares
do líder do governo paquistanês, também associados ao caso, garantiram não ter
incorrido em nenhuma ilegalidade, ao colocarem os bens em empresas offshore.
O presidente
francês sustentou que os “Papéis do Panamá” resultarão, em França, em
inquéritos fiscais e processos judiciários e agradeceu as novas receitas fiscais
que estas revelações vão trazer ao erário francês.
Em Portugal,
de acordo com um comunicado do Ministério das Finanças, a Autoridade Tributária
está “a acompanhar as informações divulgadas por forma a melhor proceder à
deteção dessas práticas relativamente a impostos devidos em Portugal”. Como se
sabe, segundo o nosso Código do IRS, os cidadãos têm de declarar e pagar
imposto quer pelos rendimentos auferidos em Portugal quer pelos auferidos no
estrangeiro, pelo que, para os portugueses a situação é irregular configurando,
pelo menos, o crime de fraude fiscal.
O governo
panamiano, do seu lado, garantiu que vai “cooperar vigorosamente” com a justiça
em caso de abertura de processo judiciário.
Por seu
turno, a firma de advogados Mossack Fonseca entende que a publicação dos
documentos é “um crime e um ataque” contra o Panamá.
***
O
facto de a publicação de documentos sigilosos ser um crime não invalida a existência
escandalosa de crime – a punir severamente – quando a legislação dos países de origem
tipifica esta fuga de capitais como evasão fiscal e branqueamento de dinheiros.
Mas,
ainda que não haja crime, tal comportamento é imoral dado que materialmente
implica depauperamento do erário público dos diversos Estados e, a nível do caráter,
revela cobardia, pusilanimidade e falta de respeito para com os pobres. E não
há nenhuma ausência ou insuficiência de ética republicana ou monárquica que
justifique esta postura.
E
não será coisa estranha que gente de tantos e tão diversos setores de atividade,
com tão diversos interesses políticos e desígnios empresariais e sociais – ou mesmo
rivais – se irmanem em comportamentos similares?
Se
o Presidente que jurou defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição e
querendo inovar como parece querer, bem poderia alargar o direito de resistência
(vd
art.º 21.º) a este
atropelo aos direitos dos cidadãos, esbulhados nos seus rendimentos pela via
dos impostos, contribuições e taxas, já que os poderes públicos nacionais,
europeus e mundiais nada vão fazer de significativo, por falta de vontade política,
para inverter a situação. Os pobres e a classe média continuarão a ser explorados.
Cavaco
Silva, em 9 de março de 2011, apelou ao sobressalto democrático. Porque não
apelar agora ao sobressalto constitucional?
2016.04.05 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário