quinta-feira, 21 de abril de 2016

Duas medidas a saudar na atual conjuntura se bem aplicadas

São efetivamente duas medidas a que é justo dar as boas-vindas no contexto do excessivo peso do ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos) nas bolsas de famílias e empresas no atinente à gestão do orçamento familiar e na oneração dos custos da produção e trabalho.
Embora constituam uma luzinha no fundo do túnel da estagnação da economia e do incentivo ao consumo, a redução das tarifas nas ex-SCUT no interior do país e a criação do designado por gasóleo profissional podem acabar por se tornarem medidas que nada adiantem no atual panorama. A experiência da reversão do IVA da restauração dos 23% para 13% não implicou nem a baixa de preço da generalidade das refeições nem a criação de mais emprego no ramo. Com maior razão ainda se pode apontar o resultado quase insignificante da drástica redução do preço do barril de petróleo. É a força da inércia.

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De acordo com o Jornal de Notícias de hoje, dia 20 de abril, já nas últimas eleições legislativas, as portagens estiveram sobre a mesa da discussão no período eleitoral: a PaF e o PS queriam aplicar tarifas mais baixas em todas as regiões do interior e Algarve.

Até ao próximo verão (faltam dois meses), o Governo promete anunciar descontos generalizados nas ex-SCUT do interior do país. A ser confirmada, esta notícia configurará a segunda das grandes medidas reveladas para os automobilistas no espaço de dois dias.
Por outro lado, o Governo revelou que vai criar postos de combustível em Elvas, Vilar Formoso e Bragança, com o chamado gasóleo profissional, ou seja, gasóleo mais barato para as transportadoras – com veículos acima de 35 toneladas. Estes locais servirão de experiência-piloto para um modelo entre nós e que já existe em outros países europeus e que poderiam reverter a sediação de muitas empresas portuguesas de transportes que estão sediadas em Espanha devido ao preço do gasóleo profissional e poderão fazer que muitos camiões em trânsito, em vez de se abastecerem em Espanha, o façam em Portugal.
Para tanto, de acordo com o JN, o Governo deverá apenas notificar a Comissão Europeia destas situações, não tendo de pedir autorização.
Sabe-se que as portagens nas ex-SCUT (Sem Custos para o Utilizador) são uma questão já muito debatida pelo Governo e uma preocupação que vem de há muito, apesar de ter sido ainda no segundo Governo de José Sócrates que os pórticos começaram a ser instalados nas autoestradas construídas no quadro das SCUT. E o Governo de Passos Coelho ainda praticou o regime temporário de isenções para alguns utentes e o sistema de descontos perdurável para alguns utentes em determinadas circunstâncias. Como resultado da generalização das portagens em todas as autoestradas, sendo as zonas de viagens sem tarifas meramente residual, muitos utilizadores, sobretudo os de camiões passaram a utilizar, sempre que possível, as estradas que ainda podiam constituir alternativa, já que não podiam circular exclusivamente em Espanha!
Passos Coelho, no período pré-eleitoral dizia querer aplicar tarifas mais baixas em todas as regiões do interior e Algarve, tanto no tráfico ligeiro como no pesado de mercadorias. António Costa, então líder oposição, tinha uma opinião semelhante, acentuando a discriminação positiva a favor do interior e das zonas fronteiriças.
De momento, para lá da promessa de anúncio, pouco mais se sabe, nem mesmo qual será ao certo o desconto das portagens nas ex-SCUT. E resta saber muita coisa: quais estradas; se isso implica negociações com os privados; se a medida abrange só as mais antigas SCUT; se a medida abrange apenas as subcomissões que estão sob a tutela da IEP (Infraestruturas de Portugal).
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No concernente à segunda das grandes medidas, o Governo propõe um preço de gasóleo igual a Espanha para camionistas só nos municípios de fronteira, ou seja, propõe o gasóleo profissional para transportes públicos de mercadorias em veículos com mais de 35 toneladas em zonas de fronteira. E, como consequência, prevê o mecanismo de redução do ISP em caso de aumento do preço da venda ao público do gasóleo.
Tal medida constituirá uma resposta, embora transitória, à polémica que tem oposto os governos e as associações de transportes pesados de mercadorias na sequência do aumento do ISP: o Governo, que reuniu, no dia 16, com associações representantes do setor, propõe um regime experimental de gasóleo profissional, a partir de 1 de julho próximo, apenas para os veículos de transporte público de mercadorias com mais de 35 toneladas e unicamente em 3 concelhos piloto, que abrangem as 3 principais fronteiras terrestres do país. Ao mesmo tempo, seria já possível proceder à testagem do mecanismo de implementação e dos sistemas de controlo.
Além disso, o Governo consultará formalmente a Comissão Europeia para averiguar da possibilidade de instituir o regime de gasóleo profissional a nível nacional, mesmo que para um universo restrito ou de âmbito regional mais abrangente. 
É óbvio que tem sido grande o embate com os camionistas e a receita fiscal ressente-se, porque a opção dos profissionais acaba por redundar na ida até à fronteira e abastecer em Espanha, para evitar pagar os preços mais elevados em Portugal, bem como aproveitar o regime de trânsito para prevenir o abastecimento ainda (ou já) em Espanha. 
O Governo crê não perder receita com o gasóleo profissional nos 3 municípios referidos. Basicamente, quem abastece em Portugal noutras zonas continuará a fazê-lo e os pesados de mercadorias que abasteciam em Espanha, junto à fronteira, voltarão a abastecer em Portugal.
A este respeito, o ministro-adjunto, Eduardo Cabrita, declarou à Lusa:
“Estão por identificar quais os municípios em definitivo, mas teremos postos de abastecimento exclusivamente para transporte internacional de mercadorias, para veículos com uma dimensão superior a 35 toneladas, nos quais será eliminado o diferencial fiscal relativamente a Espanha”.
Depois, o Governo considera que a forma “mais célere e com menos custos de contexto” é um modelo semelhante ao de Espanha, em que se recorre aos sistemas de abastecimento de frota das companhias petrolíferas, mediante certificação. Por seu turno, as empresas abastecedoras informariam o Fisco sobre cada abastecimento e seria trimestralmente processada uma devolução do ISP, sem que houvesse qualquer redução do preço ao utente no momento do abastecimento. 
Do seu lado, a associação que representa as transportadoras de passageiros, a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros) revela, pela voz do seu presidente, Luís Cabaço Martins, que o Governo lhe propôs as mesmas medidas que foram anunciadas para as mercadorias para minorar o impacto do aumento do ISP.
Como acentuou Cabaço Martins, os transportadores de passageiros serão assim igualmente abrangidos pelas medidas anunciadas pelo Governo, ou seja: descontos nas portagens nas antigas SCUT, criação de postos fronteiriços exclusivos com preços de combustíveis mais baixos e o mecanismo de redução do ISP em caso de aumento do preço da venda ao público. 
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Recorde-se que, no caso dos transportes de mercadorias, as empresas já beneficiam de descontos nas portagens de 25% no período noturno e de 10% no diurno, o que não acontece agora com as transportadoras de passageiros. Assim, resta saber se os descontos para essas empresas serão ainda mais vantajosos ou se apenas se estendem aos demais utentes, sobretudo, os transportadores de passageiros.
No atinente aos preços do gasóleo, atualmente, o preço médio do gasóleo em Portugal anda nos 1,11 euros, enquanto em Espanha é de 0,95 euros. Ou seja, a redução do preço médio para o gasóleo profissional teria de ultrapassar os 0,15 euros. Caso a experiência resulte, depois, alargar-se-á o sistema a todo o país. Com efeito, o sistema de teste permitirá medir resultados e perceber até que ponto a criação do gasóleo profissional em todo o território pode ou não ser implementada, pois, convém mesmo avaliar a captação de receita e comparar com a eventual futura perda global resultante do pretendido alargamento.
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Parece-me que a instalação do regime de gasóleo profissional apenas nos postos fronteiriços levanta um previsível problema de insuficiência. Um posto de abastecimento de gasóleo em cada um dos locais referidos não dá para quase nada, dado o volume da frota de camiões que passa em cada um dos postos. E a situação ficará agravada se for levado à prática o sistema de abastecimento acima enunciado, por duas razões: por um lado, se os camiões abastecem nos mesmos postos que os demais veículos, terão de esperar imenso tempo, mais ainda do que se o forem em postos especiais, e, como tempo também é dinheiro, rapidamente se chega a Espanha; por outro, se o desconto não é feito no imediato, pergunta-se se um aumento da burocracia se torna economicamente compensável.
Por isso, se o Governo quer efetivamente resolver o problema, deverá promover a reserva de bombas para abastecimento exclusivo destes camiões nos diversos postos de abastecimento ao longo das diversas vias de tráfego internacional – sobretudo ao longo da A25, da A23, da A22 e da A28 – e recomendar o pagamento nos termos atuais, mas já com o respetivo desconto. E, além disso, deverá implementar a campanha publicitária que, vencendo a inércia estabelecida, induza a reversão e bater o pé à Comissão Europeia.
Só assim conseguirá a satisfação económica desejada e o não depauperamento da receita fiscal. De outra forma, continuará a poupar na farinha e a gastar no farelo, como até agora.

2016.04.20 – Louro de Carvalho

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