São efetivamente duas medidas a que é justo dar as
boas-vindas no contexto do excessivo peso do ISP (imposto sobre os
produtos petrolíferos) nas bolsas de famílias e empresas no atinente à gestão do
orçamento familiar e na oneração dos custos da produção e trabalho.
Embora constituam uma luzinha no fundo do túnel da
estagnação da economia e do incentivo ao consumo, a redução das tarifas nas
ex-SCUT no interior do país e a criação do designado por gasóleo profissional podem acabar por se tornarem medidas que nada
adiantem no atual panorama. A experiência da reversão do IVA da restauração dos
23% para 13% não implicou nem a baixa de preço da generalidade das refeições nem
a criação de mais emprego no ramo. Com maior razão ainda se pode apontar o
resultado quase insignificante da drástica redução do preço do barril de
petróleo. É a força da inércia.
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De acordo com o Jornal
de Notícias de hoje, dia 20 de abril, já nas últimas eleições legislativas,
as portagens estiveram sobre a mesa da discussão no período eleitoral: a PaF e
o PS queriam aplicar tarifas mais baixas em todas as regiões do interior e
Algarve.
Até ao
próximo verão (faltam
dois meses), o Governo
promete anunciar descontos generalizados nas ex-SCUT do interior do país. A ser
confirmada, esta notícia configurará a segunda das grandes medidas reveladas
para os automobilistas no espaço de dois dias.
Por
outro lado, o Governo revelou que vai criar postos de combustível em Elvas,
Vilar Formoso e Bragança, com o chamado gasóleo
profissional, ou seja, gasóleo mais barato para as transportadoras – com veículos
acima de 35 toneladas. Estes locais servirão de experiência-piloto para um
modelo entre nós e que já existe em outros países europeus e que poderiam
reverter a sediação de muitas empresas portuguesas de transportes que estão
sediadas em Espanha devido ao preço do gasóleo profissional e poderão fazer que
muitos camiões em trânsito, em vez de se abastecerem em Espanha, o façam em
Portugal.
Para
tanto, de acordo com o JN, o Governo
deverá apenas notificar a Comissão Europeia destas situações, não tendo de
pedir autorização.
Sabe-se
que as portagens nas ex-SCUT (Sem Custos para o Utilizador) são uma questão já muito debatida pelo Governo e uma
preocupação que vem de há muito, apesar de ter sido ainda no segundo Governo de
José Sócrates que os pórticos começaram a ser instalados nas autoestradas
construídas no quadro das SCUT. E o Governo de Passos Coelho ainda praticou o
regime temporário de isenções para alguns utentes e o sistema de descontos perdurável
para alguns utentes em determinadas circunstâncias. Como resultado da
generalização das portagens em todas as autoestradas, sendo as zonas de viagens
sem tarifas meramente residual, muitos utilizadores, sobretudo os de camiões
passaram a utilizar, sempre que possível, as estradas que ainda podiam
constituir alternativa, já que não podiam circular exclusivamente em Espanha!
Passos
Coelho, no período pré-eleitoral dizia querer aplicar tarifas mais baixas em
todas as regiões do interior e Algarve, tanto no tráfico ligeiro como no pesado
de mercadorias. António Costa, então líder oposição, tinha uma opinião
semelhante, acentuando a discriminação positiva a favor do interior e das zonas
fronteiriças.
De
momento, para lá da promessa de anúncio, pouco mais se sabe, nem mesmo qual
será ao certo o desconto das portagens nas ex-SCUT. E resta saber muita coisa:
quais estradas; se isso implica negociações com os privados; se a medida
abrange só as mais antigas SCUT; se a medida abrange apenas as subcomissões que
estão sob a tutela da IEP (Infraestruturas de Portugal).
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No concernente à segunda das grandes medidas, o Governo propõe um preço de gasóleo
igual a Espanha para camionistas só nos municípios de fronteira, ou seja, propõe o gasóleo profissional para transportes públicos
de mercadorias em veículos com mais de 35 toneladas em zonas de fronteira. E, como consequência, prevê o mecanismo
de redução do ISP em caso de aumento do preço da venda ao público do gasóleo.
Tal medida constituirá uma resposta, embora transitória,
à polémica que tem oposto os governos e as associações de transportes pesados
de mercadorias na sequência do aumento do ISP: o Governo, que reuniu, no dia
16, com associações representantes do setor, propõe um regime experimental de
gasóleo profissional, a partir de 1 de julho próximo, apenas para os veículos
de transporte público de mercadorias com mais de 35 toneladas e unicamente em 3
concelhos piloto, que abrangem as 3 principais fronteiras terrestres do país. Ao
mesmo tempo, seria já possível proceder à testagem do mecanismo de
implementação e dos sistemas de controlo.
Além disso, o Governo consultará formalmente a
Comissão Europeia para averiguar da possibilidade de instituir o regime de gasóleo profissional a nível nacional,
mesmo que para um universo restrito ou de âmbito regional mais
abrangente.
É óbvio que tem sido grande o embate com os
camionistas e a receita fiscal ressente-se, porque a opção dos profissionais
acaba por redundar na ida até à fronteira e abastecer em Espanha, para evitar
pagar os preços mais elevados em Portugal, bem como aproveitar o regime de
trânsito para prevenir o abastecimento ainda (ou já) em Espanha.
O Governo crê não perder receita com o gasóleo profissional nos 3 municípios
referidos. Basicamente, quem abastece em Portugal noutras zonas continuará a
fazê-lo e os pesados de mercadorias que abasteciam em Espanha, junto à
fronteira, voltarão a abastecer em Portugal.
A este respeito, o ministro-adjunto, Eduardo
Cabrita, declarou à Lusa:
“Estão por identificar quais os
municípios em definitivo, mas teremos postos de abastecimento exclusivamente
para transporte internacional de mercadorias, para veículos com uma dimensão
superior a 35 toneladas, nos quais será eliminado o diferencial fiscal relativamente
a Espanha”.
Depois, o Governo considera que a forma “mais
célere e com menos custos de contexto” é um modelo semelhante ao de Espanha, em
que se recorre aos sistemas de abastecimento de frota das companhias
petrolíferas, mediante certificação. Por seu turno, as empresas abastecedoras
informariam o Fisco sobre cada abastecimento e seria trimestralmente processada
uma devolução do ISP, sem que houvesse qualquer redução do preço ao utente no
momento do abastecimento.
Do seu lado, a associação que representa as transportadoras de passageiros, a ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de
Pesados de Passageiros) revela, pela voz do seu presidente, Luís Cabaço
Martins, que o Governo lhe propôs as mesmas medidas que foram anunciadas para as
mercadorias para minorar o impacto do aumento do ISP.
Como acentuou Cabaço Martins, os transportadores de
passageiros serão assim igualmente abrangidos pelas medidas
anunciadas pelo Governo, ou seja: descontos nas portagens nas antigas
SCUT, criação de postos fronteiriços exclusivos com preços de combustíveis mais
baixos e o mecanismo de redução do ISP em caso de aumento do preço da venda ao
público.
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Recorde-se que, no caso dos transportes de mercadorias,
as empresas já beneficiam de descontos nas portagens de 25% no período noturno
e de 10% no diurno, o que não acontece agora com as transportadoras de
passageiros. Assim, resta saber se os descontos para essas empresas serão ainda
mais vantajosos ou se apenas se estendem aos demais utentes, sobretudo, os
transportadores de passageiros.
No atinente aos preços do gasóleo, atualmente, o preço
médio do gasóleo em Portugal anda nos 1,11 euros, enquanto em Espanha é de 0,95
euros. Ou seja, a redução do preço médio para o gasóleo profissional teria de ultrapassar os 0,15 euros. Caso a
experiência resulte, depois, alargar-se-á o sistema a todo o país. Com efeito,
o sistema de teste permitirá medir resultados e perceber até que ponto a criação
do gasóleo profissional em todo o
território pode ou não ser implementada, pois, convém mesmo avaliar a captação
de receita e comparar com a eventual futura perda global resultante do pretendido
alargamento.
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Parece-me que a instalação do regime de gasóleo
profissional apenas nos postos fronteiriços levanta um previsível problema de insuficiência.
Um posto de abastecimento de gasóleo em cada um dos locais referidos não dá
para quase nada, dado o volume da frota de camiões que passa em cada um dos
postos. E a situação ficará agravada se for levado à prática o sistema de
abastecimento acima enunciado, por duas razões: por um lado, se os camiões abastecem
nos mesmos postos que os demais veículos, terão de esperar imenso tempo, mais
ainda do que se o forem em postos especiais, e, como tempo também é dinheiro, rapidamente
se chega a Espanha; por outro, se o desconto não é feito no imediato,
pergunta-se se um aumento da burocracia se torna economicamente compensável.
Por isso, se o Governo quer efetivamente resolver o problema,
deverá promover a reserva de bombas para abastecimento exclusivo destes camiões
nos diversos postos de abastecimento ao longo das diversas vias de tráfego
internacional – sobretudo ao longo da A25, da A23, da A22 e da A28 – e recomendar
o pagamento nos termos atuais, mas já com o respetivo desconto. E, além disso, deverá
implementar a campanha publicitária que, vencendo a inércia estabelecida,
induza a reversão e bater o pé à Comissão Europeia.
Só assim conseguirá a satisfação económica desejada e o
não depauperamento da receita fiscal. De outra forma, continuará a poupar na
farinha e a gastar no farelo, como até agora.
2016.04.20
– Louro de Carvalho
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