Afinal o projeto de
manifesto contra a espanholização da banca portuguesa que estava em marcha no
início da primavera não tinha pernas para andar. Muitos dos que subscreveram,
há anos, um manifesto congénere a exigir o não desvio dos centros de decisão do
país agora não estariam disponíveis para subscrever o manifesto contra a
hegemonização do capital em Portugal do lado dos espanhóis; e alguns dos
disponíveis punham em cima da mesa condições quanto ao conteúdo.
É
certo que o Presidente da República secundou as diligências
do Primeiro-Ministro (ou de quem fez as suas
vezes) junto
dos principais acionistas do BPI para obviar à excessiva exposição da
instituição ao capital angolano, no seguimento das indicações das instâncias
europeias, pondo em pé uma hipótese de autorização para a Santoro, controlada
pela angolana Isabel dos Santos, entrar na participação do BCP. E Marcelo veio
saudar a intenção de acordo assegurando que o êxito das negociações se deveu ao
empenhamento de todos, incluindo o do Governo e o do próprio Presidente.
Porém, na ótica do Presidente e do Governo, o que estava em causa
era o equilíbrio da participação no capital no todo do sistema financeiro
português, sendo que o investimento espanhol em Portugal é bem-vindo, desde que
não exclusivo. Por outro lado, não bastava travar a tentativa de hegemonia do
capital de espanhóis, mas ter em conta a necessidade de uma postura equilibrada
em relação à captação ou à aceitação de capitais estrangeiros.
Entretanto,
os últimos desenvolvimentos dão-nos conta de que o acordo entre o grupo catalão
CaixaBank, que é o maior acionista do BPI, e o grupo de Isabel dos Santos não
se concretizou. O Governo lamenta e o Presidente não se pronuncia; Isabel dos
Santos diz que não houve recuo porque não chegou a haver acordo e o BPI diz que
recebeu, no passado dia 10 de abril, uma nota do grupo angolano a dizer que
estavam reunidas as condições para a celebração do acordo.
Ora,
se efetivamente não houve acordo formalmente subscrito pelas partes, não se
pode dizer que houve acordo, que Isabel dos Santos recuou ou, como aduzem
outros invocando casos do passado, que a investidora angolana não sabe negociar.
Além disso, pelos vistos, o regulador não terá visto com bons olhos a pretensão
do grupo angolano de querer que o BFA fosse cotado na bolsa de Lisboa.
Também
chegou o momento de os detentores do capital do BIC, que tem sede em Lisboa,
apresentarem os elementos que integrarão os órgãos de governo do banco. E,
embora os angolanos o neguem escudados pelo facto de não terem sido notificados
de tal, o Banco de Portugal terá vetado alguns nomes à luz dos critérios de
idoneidade e a própria Isabel dos Santos, proposta para um cargo de
administradora não executiva, ainda estaria a ser avaliada. Não sei se é de
acreditar na declaração de Isabel dos Santos e colaboradores mais próximos de
que o caso BIC não influiu na questão do BPI.
Gostaria
de levantar a dúvida sobre esta necessidade de avaliação da idoneidade já que o
BdP andou quase um ano a saber da gestão calamitosa do BES e os critérios de
qualidade não conseguiam impor-se. Quanto a Angola, é certo que a economia do
país está com problemas, mas não é de concluir que os seus magnates estejam a
passar por dificuldades específicas no momento. Ademais, não tem sido feito
escrutínio significativo sobe a origem dos dinheiros com que figuras gradas do
regime investem em Portugal ou aqui procedem às suas compras. Não creio que
seja o BdP capaz de fazer o que a Justiça não sabe, não pode ou não quer.
Ante
este panorama, o grupo catalão lançou uma OPA ao BPI para conseguir o domínio
do Banco, OPA que a CMVM já autorizou; o Presidente da República promulgou o
decreto-lei que pode levar à desblindagem dos estatutos e que o Governo, tendo
em mente legislar sobre a matéria desde há bastante tempo, esperou pelo dia 14
de abril, dando margem a que o caso BPI pudesse ter o outro desfecho que era
esperado; Isabel dos Santos (e colaboradores) acusa o governo de com o
decreto estar a quebrar a imparcialidade favorecendo o grupo espanhol, mas diz
ainda esperar concluir negociações com o grupo catalão; o governo refere que o
normativo ora promulgado resolverá o problema de, pelo menos, oito instituições
financeiras e ainda espera que o problema BPI chegue a bom porto.
O
Presidente declarou que não comentava declarações de Isabel dos Santos, pois já
dissera tudo o que havia a dizer sobre a matéria e, como já nos vai habituando,
justificou a promulgação e, desta vez, argumentou com “o interesse nacional”.
Veja-se, a propósito, o texto justificativo transcrito do site da Presidência:
“Atendendo à razão de ser do diploma, em particular o reforço
da solidez do sistema financeiro, ao facto de corresponder a solução defendida
pelas duas entidades reguladoras, a ter mediado entre a última pronúncia destas
e a concretização da presente iniciativa legislativa tempo suficiente para não
interferir em eventual operação em curso, e à circunstância de só entrar em
vigor em 1 de julho e a deliberação das assembleias gerais poder ocorrer até 31
de dezembro, o Presidente da República, tendo presente o interesse nacional,
acabou de promulgar o Decreto-lei que procede à 41.ª alteração do Regime Geral
das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 298/92, de 31 de dezembro, visando conferir aos acionistas de instituições
de crédito a possibilidade de reavaliarem periodicamente a justificação dos
limites estatutários em matéria de detenção e exercício dos direitos de voto”.
A este respeito, a invocação do interesse nacional ou tem um
significado preciso, que o Presidente deveria ter especificado, ou então não
passa de uma redundância, uma vez que toda a lei – e Marcelo tem de o saber por
formação académica e pelo alto cargo que desempenha – se faz em nome do
interesse público que, no caso de um país, é o interesse nacional.
***
Neste
contexto, o propalado manifesto de antiespanholização da banca cedeu o lugar a um documento que,
não sendo propriamente contra a espanholização da banca ou contra a sua
estrangeiração (alguns falam em internacionalização,
palavra que eu entendo dever aplicar-se quando uma empresa quer lançar-se no
estrangeiro e lá intervir), exige o respeito pelos interesses portugueses nas alterações em curso no
setor financeiro.
Mais uma vez se invoca o interesse nacional. E eu gostaria que a definição
do interesse nacional assim como a estratégia global para o promover, defender
e incrementar fossem objeto de largo e intenso debate público em que
participassem as forças políticas, as universidades e centros de investigação
científica e a sociedade civil.
Em todo o caso, os economistas e gestores que vão
avançar com o aludido documento pronunciam-se claramente “pela reconfiguração
da banca em Portugal”. Segundo o Expresso,
estão na proa do manifesto nomes conhecidos da nossa praça como: João
Salgueiro, Alberto Regueira, Júlio Castro Caldas, José António Girão e António
Barreto.
O manifesto em causa não se assume contra a
espanholização do sistema financeiro, ao invés daquele que foi dado como certo em
tempo recente e que acabou por não vingar. Porém, preconiza uma clara reconfiguração
da banca em duas vertentes: o respeito pelo interesse nacional; e a necessária participação
das autoridades e de empresas portuguesas no processo.
***
O documento, segundo o que transpirou sobre as suas intenções
e formulação, será crítico da intervenção do BCE (Banco Central Europeu) e da DGCom (Direção-Geral da Concorrência da União
Europeia) nas alterações que
estão a ocorrer na banca portuguesa e sustenta que o que se passou no Banif (resolução com venda de parte do banco ao Santander) não se pode repetir em mais banco
nenhum, designadamente no Novo Banco e no BCP. Preconiza, por outro lado, a efetiva
diversificação da origem do capital na banca, considerando-a como determinante
para a livre concorrência na economia portuguesa. Por isso, uma das vertentes
do manifesto é que a livre concorrência não será garantida se a banca estiver
monopolizada num único país estrangeiro.
Também penso que a livre concorrência não será
garantida com uma imposição draconiana de qualquer instituição europeia, acima ou
além de qualquer proposta nacional.
Neste aspeto, o que está a vir à tona no quadro da
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Banif é tão clarividente como
vergonhoso tanto para a luta de galos das instituições europeias – que se contradizem
despudoradamente em função de interesses divergentes e não assumem as suas
responsabilidades quando questionadas – como para as autoridades nacionais,
demasiado subservientes.
Por um lado, a DGCom faz imposições de venda do Banif
ao Santander e depois rói a corda alegando que não impôs nada, apenas se
limitara a chamar a atenção para o cumprimento de regras. Que regras? Será que
as regras existentes, quando foram delineadas, previam estas situações todas? Por
outro lado, o BCE, instado a explicar-se, envia uma ata cuja maior parte do seu
teor está barrada à leitura e onde pouco mais se pode ler do que o facto de o
Conselho de Governadores do BCE ter aprovado uma proposta de restrição de financiamento
ao Banif alegadamente proposta pelo BdP (Banco de Portugal). O governador do BdP, por seu turno,
alegou que o Conselho de Governadores fora além da proposta e mais não diz, tal
como não informara previamente o Governo sobre a proposta, invocando o dever de
confidencialidade.
Ora, o interesse nacional não justificaria a urgente
quebra da confidencialidade e até a quebra da subserviência do país à DGCom e
ao BCE, que não são uma entidades políticas, mas apenas administrativas e
executoras de opções políticas? O interesse nacional não seria mais bem servido
sem a mútua acusação interna de que a culpa é de Centeno ou de Maria Luís ou do
BdP? Que diabo! Cada macaco no seu galho, assumindo cada um a suas competências
e a subsequente responsabilidade – será assim muito difícil de entender?
E até quando a prepotência das instituições servirá o real
interesse europeu, a não ser que este coincida com um certo interesse
semioculto, às vezes a aflorar, o dos países mais ricos, que pretendem
satelitizar os países periféricos, por este andar, cada vez mais numerosos e frágeis?
Bem pregou Marcelo no Parlamento Europeu, mas com
exceção dos aplausos, foi o sermão aos peixes [graúdos]! Se fora o Primeiro-Ministro a fazê-lo, seria
mesmo o sermão de Santo António.
2016.04.19 – Louro de Carvalho
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