terça-feira, 12 de abril de 2016

A “hiperverbalidade” do Presidente

Rebelo de Sousa está há pouco mais de um mês como titular da Presidência da República e já há quem chame “agenda louca” à do “Presidente hiperativo”.
Ele próprio deixou o aviso de que a hiperatividade iria marcar o seu desempenho. Mas, mais do que isso, o Presidente põe a boca ao microfone “a torto e a direito”, ou seja, nem sequer chega a sair de antena. Muito poucos dias se passaram em que não se viu ou ouviu o ainda professor ou comentador Marcelo. De pregador dominical passou a “homiliante” diário, não a partir da sua Casa de Santa Marta, mas do seu Palácio Apostólico ou de qualquer uma das periferias a que julga oportuno deslocar-se.  
No dia 9 de abril, ou seja, ao trigésimo segundo dia do seu exercício do múnus presidencial, o Observador on line escrevia, desafiando os leitores para a confirmação da informação através de um vídeo-resumo:
“Trinta e um dias em Belém e apenas cinco em que não se viu o Presidente a falar, a cumprimentar, a receber, a abraçar (ou a distribuir afetos, como o próprio repete), a discursar, a ouvir, a revistar, a visitar, a comentar, a inaugurar, a analisar, a participar, a entregar prémios, a receber um cão, a condecorar, a dar posse e até a fazer versos em rap”.
E acentuava: “Isto tudo todos os dias e, muitas vezes, muito disto num mesmo dia”. E, fazendo o paralelo com o percurso marcelista dos últimos 15 anos, especificava:
“Entre audiências em Belém e outros atos públicos, a agenda oficial do Presidente da República neste primeiro mês em funções contou com mais de 90 eventos registados. Nos últimos 15 anos, a presença mediática de Marcelo ocupava 52 domingos por ano, com os comentários televisivos (na TVI e na RTP), mas nestes últimos 31 dias essa aparição passou a ser diária. Escaparam cinco dias apenas, em que o novo chefe de Estado não teve absolutamente nada marcado — e, se teve agenda privada, ela não foi tornada pública.”
Mais: nem sempre o que se passa em privado com o Presidente se mantém em privado. Foi assim que, segundo o mencionado diário on line, aconteceu com a visita de Marcelo a Mário Soares, após o términus das cerimónias da tomada de posse na cidade do Porto, a seguir a Lisboa, uma vez que Soares não compadecera, por motivo de doença, na sessão parlamentar do dia 9 de março, em que a Assembleia da República, testemunhou, nos termos constitucionais, a tomada de posse do Presidente e o seu juramento de desempenho fiel das funções em que ficou investido e de “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.
Foi um ato de cortesia e, a meu ver, uma espécie de compensação para com o visitado pela magra referência ao visitado no discurso da tomada de posse.
Também veio ontem, dia 11, a público saudar o acordo entre os catalães do BPI e a empresária angolana Isabel dos Santos, não deixando de dizer que o êxito das negociações se deve a todos, incluindo o Presidente. Na verdade, de acordo com o referido no Jornal de Negócios on line, em declarações aos jornalistas, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que “modestamente, o Presidente da República também tentou colaborar, mas foi sobretudo bom para o país”. O Chefe de Estado ousou afirmar:
“Estou satisfeito pelo facto de ter sido fechado o acordo. Foi obra da intervenção dos privados, das entidades reguladoras e dos órgãos do poder político. Sem a intervenção de todos não teria sido possível chegar aonde se chegou”.
No Vaticano, em 17 de março, antes de partir para Madrid, quando lhe perguntaram se o Papa aceitara ou não o convite para visitar Portugal em 2017, embora declarasse que não lhe competia revelar o conteúdo do encontro com o Pontífice, não resistiu a confessar que saíra muito feliz do encontro – o que deu azo a que alguns dessem como afirmativa a resposta papal. E, na mesma conferência de imprensa, revelou que promulgaria, no dia seguinte, a lei que repôs os quatros feriados suspensos em 2012, sendo que o Vaticano apreciou positivamente a reposição dos dois feriados religiosos.
Em tão pouco tempo o Presidente da República já se avistou com o Papa, com os reis de Espanha, o Corpo Diplomático acreditado em Portugal (em cuja receção incluiu artificiosamente portugueses de origem estrangeira), chefes de Estado, governantes nacionais e estrangeiros, presidentes de instituições internacionais e nacionais, deputados, desportistas, sindicalistas, militares, reclusos, concertos públicos, cerimónias religiosas, ajuntamentos populares. Até rezou e cantou. Se tudo isto era um tanto previsível, até porque Marcelo propalou antes da posse os nomes dos cidadãos que escolhera para, da sua parte, integrarem o Conselho de Estado e de quase todo o pessoal da Casa Civil e da Casa Militar, o Presidente assume mais outra vertente: por norma, fala em deslocações que faz, em eventos em que participa e em atos que pratica. E fala sobre tudo e todos.
O Observador sublinha que, nos 26 dias (contados até 9 de abril) em que apareceu por alguma razão, o Chefe de Estado só não acedeu aos microfones por 8 vezes. Nalguns dias falou mais que uma vez. Por exemplo, nos dias 5 e 6 de abril, “entre apresentações de prémios de inovação, uma visita a um comando militar, uma cerimónia sobre a Constituinte e uma iniciativa relativa aos refugiados”, falou em todos eles.
E, quando não esteve aos holofotes da exposição ao público, como no Dia de Páscoa, manteve o povo suspenso a aguardar a promulgação do Orçamento do Estado, avalizado pela maioria de esquerda parlamentar, com a promessa – feita no dia anterior, em visita ao estabelecimento prisional de Tires – de comunicação ao país sobre o orçamento, e que disse estar “muito próxima”. Surgiu logo no dia seguinte (o dia 28 de março), à tarde, constituindo um dos principais momentos em que Marcelo marcou, segundo alguns, a diferença em relação ao antecessor imediato. Ora, para marcar a diferença não era preciso fazer muito. Não obstante, assinalam-se aspetos marcantes: na tomada de posse, além dos consensos, alarga-se pela História e como bom samaritano dispôe-se a  “cicatrizar feridas destes tão longos sacrifícios, no fragilizar do tecido social”; explicando a promulgação do Orçamento, em tom pouco formal, assinala as virtualidades, expõe as fragilidades e deixa recados ao Governo e à administração pública; e a 1.ª reunião do Conselho Estado dá azo à explicação do presidente do BCE.
Este convite ao regulador europeu é visto por muitos, não tanto como uma expressão da vontade de cooperação institucional com o Governo e o Parlamento, mas como um ato maquiavélico de encostar o Governo e de acentuar a ambição presidencialista do Chefe de Estado, até porque se julga que Draghi não trouxe novidades para Marcelo. Mas António Costa teve de ouvir do presidente do BCE que o governo anterior fez um bom trabalho que não pode ser interrompido, que é preciso ajustar a Constituição à realidade, flexibilizar o regime laboral (despedimento individual mesmo na função pública) e de pensões (mesmo nas pensões em pagamento), que o atual Governo fez um bom trabalho em preparar um plano alternativo a aplicar quando necessário.
Parece que a agenda presidencial se vai manter ao ritmo desenhado até agora mesmo no estrangeiro. No horizonte de um mês, Marcelo agenda uma viagem a Estrasburgo (hoje iniciada) e outra a Itália, ainda antes de partir para Moçambique (de 2 a 7 de maio), naquela que será a sua primeira visita de Estado. No regresso, irá à Alemanha. E, entretanto, inaugurará a sua presidência aberta, que denominou de “Portugal Próximo”.
***
Não tenho elementos para concordar com o alegado maquiavelismo marcelista, mas parece-me que a sua ambição de protagonismo não conhece limites. É bem provável que, enquanto mostra solidariedade com este devir governativo, esteja a preparar um eventual momento em que venha a eclodir crise política aguda. Porém, revela demasiada pressa e défice de ponderação (mesmo que lhe assista a razão) e fala sobre tudo e todos e nem sempre é claro nem revela conhecimento suficiente dos dossiês. Tal é o caso do decreto-lei sobre avaliação externa das aprendizagens no ensino básico ou no caso da demissão do Chefe do Estado-Maior de Exército. Preferia que o Presidente trabalhasse assiduamente e a sério nos bastidores, mas que fosse mais parcimonioso nas intervenções. Doutro modo, assemelhar-se-á a prazo a Cavaco Silva, se o seu reportório estiver esgotado quando for necessário escutar a sua palavra de orientação em momento de crise, que aí tinha de ser credível e sem desgaste.
2016.04.12 – Louro de Carvalho 
  

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