Rebelo
de Sousa está há pouco mais de um mês como titular da Presidência da República
e já há quem chame “agenda louca” à do “Presidente hiperativo”.
Ele
próprio deixou o aviso de que a hiperatividade iria marcar o seu desempenho.
Mas, mais do que isso, o Presidente põe a boca ao microfone “a torto e a
direito”, ou seja, nem sequer chega a sair de antena. Muito poucos dias se
passaram em que não se viu ou ouviu o ainda professor ou comentador Marcelo. De
pregador dominical passou a “homiliante” diário, não a partir da sua Casa de Santa Marta, mas do seu Palácio Apostólico ou de qualquer uma
das periferias a que julga oportuno deslocar-se.
No dia 9 de
abril, ou seja, ao trigésimo segundo dia do seu exercício do múnus
presidencial, o Observador on line
escrevia, desafiando os leitores para a confirmação da informação através de um
vídeo-resumo:
“Trinta e um dias em Belém e apenas cinco em que não se viu o Presidente a
falar, a cumprimentar, a receber, a abraçar (ou a distribuir afetos, como o
próprio repete), a discursar, a ouvir, a revistar, a visitar, a comentar, a
inaugurar, a analisar, a participar, a entregar prémios, a receber um cão, a
condecorar, a dar posse e até a fazer versos em rap”.
E acentuava:
“Isto tudo todos os dias e, muitas vezes, muito disto num mesmo dia”. E,
fazendo o paralelo com o percurso marcelista dos últimos 15 anos, especificava:
“Entre audiências em Belém e outros atos públicos, a agenda oficial do
Presidente da República neste primeiro mês em funções contou com mais de 90
eventos registados. Nos últimos 15 anos, a presença mediática de Marcelo
ocupava 52 domingos por ano, com os comentários televisivos (na TVI e na RTP),
mas nestes últimos 31 dias essa aparição passou a ser diária. Escaparam cinco
dias apenas, em que o novo chefe de Estado não teve absolutamente nada marcado
— e, se teve agenda privada, ela não foi tornada pública.”
Mais: nem sempre o que se passa em privado com o Presidente
se mantém em privado. Foi assim que, segundo o mencionado diário on line, aconteceu com a visita de
Marcelo a Mário Soares, após o términus das cerimónias da tomada de posse na
cidade do Porto, a seguir a Lisboa, uma vez que Soares não compadecera, por
motivo de doença, na sessão parlamentar do dia 9 de março, em que a Assembleia
da República, testemunhou, nos termos constitucionais, a tomada de posse do
Presidente e o seu juramento de desempenho fiel das funções em que ficou
investido e de “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da
República Portuguesa”.
Foi um ato de cortesia e, a meu ver, uma espécie de
compensação para com o visitado pela magra referência ao visitado no discurso
da tomada de posse.
Também veio ontem, dia 11, a público saudar o acordo
entre os catalães do BPI e a empresária angolana Isabel dos Santos, não deixando
de dizer que o êxito das negociações se deve a todos, incluindo o Presidente.
Na verdade, de acordo com o referido no Jornal
de Negócios on line, em declarações aos jornalistas, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa,
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que “modestamente, o Presidente da República
também tentou colaborar, mas foi sobretudo bom para o país”. O Chefe de Estado
ousou afirmar:
“Estou satisfeito pelo facto de ter sido
fechado o acordo. Foi obra da intervenção dos privados, das entidades
reguladoras e dos órgãos do poder político. Sem a intervenção de todos não
teria sido possível chegar aonde se chegou”.
No Vaticano, em 17 de março, antes de partir para
Madrid, quando lhe perguntaram se o Papa aceitara ou não o convite para visitar
Portugal em 2017, embora declarasse que não lhe competia revelar o conteúdo do
encontro com o Pontífice, não resistiu a confessar que saíra muito feliz do
encontro – o que deu azo a que alguns dessem como afirmativa a resposta papal.
E, na mesma conferência de imprensa, revelou que promulgaria, no dia seguinte, a lei que repôs os quatros feriados suspensos
em 2012, sendo que o Vaticano apreciou positivamente a reposição dos dois
feriados religiosos.
Em tão pouco tempo o Presidente da República já se avistou com o Papa, com os reis de Espanha, o
Corpo Diplomático acreditado em Portugal (em cuja receção incluiu
artificiosamente portugueses de origem estrangeira), chefes de Estado, governantes nacionais e
estrangeiros, presidentes de instituições internacionais e nacionais,
deputados, desportistas, sindicalistas, militares, reclusos, concertos
públicos, cerimónias religiosas, ajuntamentos populares. Até rezou e cantou. Se
tudo isto era um tanto previsível, até porque Marcelo propalou antes da posse
os nomes dos cidadãos que escolhera para, da sua parte, integrarem o Conselho
de Estado e de quase todo o pessoal da Casa Civil e da Casa Militar, o
Presidente assume mais outra vertente: por norma, fala em deslocações que faz,
em eventos em que participa e em atos que pratica. E fala sobre tudo e todos.
O Observador sublinha que, nos 26 dias (contados até
9 de abril) em que apareceu por alguma razão,
o Chefe de Estado só não acedeu aos microfones por 8 vezes. Nalguns dias falou
mais que uma vez. Por exemplo, nos dias 5 e 6 de abril, “entre apresentações de
prémios de inovação, uma visita a um comando militar, uma cerimónia sobre a
Constituinte e uma iniciativa relativa aos refugiados”, falou em todos eles.
E, quando
não esteve aos holofotes da exposição ao público, como no Dia de Páscoa,
manteve o povo suspenso a aguardar a promulgação do Orçamento do Estado,
avalizado pela maioria de esquerda parlamentar, com a promessa – feita no dia
anterior, em visita ao estabelecimento prisional de Tires – de comunicação ao
país sobre o orçamento, e que disse estar “muito próxima”. Surgiu logo no dia
seguinte (o dia 28 de março), à tarde,
constituindo um dos principais momentos em que Marcelo marcou, segundo alguns,
a diferença em relação ao antecessor imediato. Ora, para marcar a diferença não
era preciso fazer muito. Não obstante, assinalam-se aspetos marcantes: na tomada
de posse, além dos consensos, alarga-se pela História e como bom samaritano dispôe-se
a “cicatrizar feridas destes tão longos sacrifícios, no fragilizar do tecido
social”; explicando a promulgação do Orçamento, em tom pouco formal, assinala
as virtualidades, expõe as fragilidades e deixa recados ao Governo e à
administração pública; e a 1.ª reunião do Conselho Estado dá azo à explicação
do presidente do BCE.
Este convite
ao regulador europeu é visto por muitos, não tanto como uma expressão da
vontade de cooperação institucional com o Governo e o Parlamento, mas como um
ato maquiavélico de encostar o Governo e de acentuar a ambição presidencialista
do Chefe de Estado, até porque se julga que Draghi não trouxe novidades para
Marcelo. Mas António Costa teve de ouvir do presidente do BCE que o governo
anterior fez um bom trabalho que não pode ser interrompido, que é preciso
ajustar a Constituição à realidade, flexibilizar o regime laboral (despedimento
individual mesmo na função pública) e de
pensões (mesmo nas pensões em pagamento), que o
atual Governo fez um bom trabalho em preparar um plano alternativo a aplicar
quando necessário.
Parece que a
agenda presidencial se vai manter ao ritmo desenhado até agora mesmo no
estrangeiro. No horizonte de um mês, Marcelo agenda uma viagem a Estrasburgo (hoje
iniciada) e outra a Itália, ainda antes de
partir para Moçambique (de 2 a 7 de maio), naquela
que será a sua primeira visita de Estado. No regresso, irá à Alemanha. E,
entretanto, inaugurará a sua presidência aberta, que denominou de “Portugal
Próximo”.
***
Não
tenho elementos para concordar com o alegado maquiavelismo marcelista, mas
parece-me que a sua ambição de protagonismo não conhece limites. É bem provável
que, enquanto mostra solidariedade com este devir governativo, esteja a
preparar um eventual momento em que venha a eclodir crise política aguda.
Porém, revela demasiada pressa e défice de ponderação (mesmo
que lhe assista a razão)
e fala sobre tudo e todos e nem sempre é claro nem revela conhecimento
suficiente dos dossiês. Tal é o caso do decreto-lei sobre avaliação externa das
aprendizagens no ensino básico ou no caso da demissão do Chefe do Estado-Maior
de Exército. Preferia que o Presidente trabalhasse assiduamente e a sério nos
bastidores, mas que fosse mais parcimonioso nas intervenções. Doutro modo,
assemelhar-se-á a prazo a Cavaco Silva, se o seu reportório estiver esgotado
quando for necessário escutar a sua palavra de orientação em momento de crise,
que aí tinha de ser credível e sem desgaste.
2016.04.12 – Louro de Carvalho
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