terça-feira, 12 de abril de 2016

Declaração conjunta de Costa e Tsipras

O Primeiro-Ministro de Portugal empreendeu, ontem, 11 de abril, uma breve visita à Grécia, salientada pela comunicação social portuguesa e largamente ignorada pela imprensa e pelo povo gregos.
Entre os objetivos da visita, em que António Costa se avistou com o Presidente da Grécia, Prokopis K. Pavlopoulos, e trabalhou com o Primeiro-Ministro, Alexis Tsipras, contava-se um encontro com um centro de refugiados e uma tomada de posição conjunta face à orientação vigente na União Europeia em relação aos países sujeitos a intervenção externa.
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O encontro de cerca de uma hora com os ocupantes do campo de refugiados em Eleonas, perto de Atenas, serviu de ocasião para Costa cumprimentar, fazer perguntas e explicar o que pretendia. Como não pode por si abrir as fronteiras para a Alemanha, disponibilizou o nosso país para acolher, de imediato, 1250 refugiados e, a prazo, até 9000.
Por todo o campo, dividido em zona familiar, zona para homens e zona para mulheres, cada contentor aloja oito pessoas. A uma mulher, com três crianças, o gerente do campo terá dito que, se não gosta, se vá embora. E o que ela queria era precisamente ir para a Alemanha ter com o marido que também fugiu da Síria e já conseguiu chegar a este país da Europa com que grande parte dos refugiados sonha todos os dias.
A maior parte dos refugiados nem terá percebido bem quem era o homem que os visitou e tentou oferecer-lhes oportunidades noutra qualquer parte da Europa. Mas Costa sabe que “este é um problema europeu”, um drama humano a que a Europa tem de dar resposta, “assegurando proteção internacional a todos os que dela carecem, venham do Afeganistão ou da Eritreia, para buscar a paz e uma oportunidade de refazerem as suas vidas”.
O Primeiro-Ministro de Portugal não está impressionado com os esforços europeus em matéria de refugiados. A legislação europeia não facilita uma resposta de forma ágil às necessidades das pessoas. Assim, levou na carteira a vontade política e humanitária – também no interesse português – de agilizar em formato bilateral os mecanismos de acolhimento.
Alexis Tsipras – que tem estado debaixo de fogo também pela forma como lida com o problema – agradeceu a solidariedade expressa por António Costa. Com efeito, a Grécia não estava preparada para lidar com a avalanche de milhares e milhares de pessoas que nos últimos meses chegaram a este país, que é uma das portas para a Europa.
Os últimos dados referem que estão a chegar cada vez menos, talvez por via do recente acordo entre a UE e a Turquia. No entanto, ainda há mais de 50 mil pessoas retidas na Grécia à espera que abram as fronteiras. E, segundo a Amnistia Internacional, são refugiados que estão, nos campos de Lesbos e Chios, a viver em condições desumanas.
Porém, em vez de tendas, Eleonas dispõe de postos de atendimento médico, contentores e campos de futebol. Este é considerado um centro de acolhimento modelo. E foi também por isso que o chefe do governo grego quis levar António Costa ali e não a outro campo de refugiados.
Um homem de 26 anos, que fugiu das bombas e da guerra da Síria com a mulher, quando descobriram que estava a caminho o primeiro filho do casal, passou por Lesbos e diz que antes queria regressar a Alepo do que voltar a viver naquele campo de refugiados, o de Lesbos, que já começa a ser considerado a “Lampedusa” do mar Egeu. Agora está melhor, mas quer sair, para Alemanha, Finlândia, Áustria... Não para Portugal.
Como este, muitos outros. É normal que aqueles que palmilharam milhares e milhares de quilómetros com o intuito de chegar a um país como referência tenham agora dificuldade em reorientar o seu trajeto”.
No campo de refugiados de Eleonas vivem cerca de 1400 pessoas, centenas de crianças. A acompanhar o Primeiro-Ministro de Portugal estiveram Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, e Constança Urbano de Sousa, Ministra da Administração Interna. Esta pegou ao colo uma criança e depois seguiu o resto da visita de mão dada com ela. A seguir, juntaram-se mais crianças à volta da Ministra. Mas, quando a ouviram dizer que, “se calhar, vou ter de levá-las para Lisboa”, seguiram, cada uma para junto das suas famílias, a cantarolar em inglês uma frase usual por aqueles lados: “Open the border!” (Abram as fronteiras).
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Os meios de comunicação social portugueses acompanharam atentamente os encontros de António Costa com o presidente grego e sobretudo com o chefe do governo helénico em Atenas, ao invés dos órgãos de comunicação da Grécia, alegadamente por estarem a lidar em regime de permanência com questões de maior urgência, como a crise dos refugiados e a iminência de alcançar um acordo com os credores.
Parece que não teria sido assim, de acordo com algumas opiniões, se o encontro tivesse acontecido há alguns meses, quando a Grécia enchia manchetes de jornal e notícias de abertura em rádio e televisão em toda a Europa, no auge da crise financeira. Refugiados constituem um drama, mas a tudo os meios e comunicação social se habituam, sobretudo quando o drama verdadeiramente não interessa aos países do poder, mas apenas o que escandalosamente pode revelar a inépcia dos governos ou a corrupção que de encoberta passa para a ribalta da cena pública. Ao contrário, outros admitem que nada seria diferente, mesmo que dantes Portugal fosse, como hoje é, o apenas outro Estado-membro da União Europeia, a par de Atenas, a ter um governo de esquerda. Aduzem que mais nenhum outro governo da Europa – socialista, centrista ou conservador – quer ser apreciado como ligado à Grécia e todos vêm fazendo questão de se distanciarem alegando explicitamente que os seus países não são a Grécia.  
Em todo o caso, a visita do chefe do executivo português ficou marcada pela assinatura de uma declaração conjunta contra a austeridade e sobre a crise dos refugiados, após um encontro formal entre os dois governantes.
No significativo documento, os dois primeiros-ministros criticam a receita política da União Europeia nos últimos anos e prometem cooperação no âmbito da resposta à crise migratória.
Na conferência de imprensa conjunta, António Costa afirmou o sentido dado ao texto:
“A declaração conjunta que hoje assinámos significa a vontade de trabalharmos com 26 parceiros da União Europeia para termos uma UE mais solidária, com uma economia com mais crescimento e criação de emprego que reconcilie os europeus com o projeto [europeu]”.
Focando-se na necessidade de virar a página da austeridade, o Primeiro-Ministro sustentou que só com o termo da prossecução desta política europeia é que se torna possível melhorar significativamente a competitividade e proceder à retoma da trajetória de crescimento nos dois países. E apontou o dedo:
“Durante muito tempo a Europa neoliberal queria impor um pensamento único, que não havia alternativas e agora está a demonstrar o contrário Portugal, a Grécia e outros países.”
Costa também defendeu os dois países devem trabalhar com a União Europeia de “forma construtiva” e não em termos de “confrontação”. E sublinhou:
“Baixou a febre, mas a doença está lá. Chama-se assimetria económica. (...) É preciso dar um novo impulso à convergência entre as nossas economias e as economias mais desenvolvidas [da zona euro].”.
Por seu turno, Alexis Tsipras afirmou que a Grécia viveu, entre 2010 e 2015, uma “grande catástrofe”, mercê das políticas dos anteriores governos, salientando que o país necessita de mais tempo para terminar o programa de ajustamento. E declarou a este respeito:
“Temos que fazer o ajustamento da nossa economia. Precisamos que nos cedam mais tempo para que possamos ultrapassar isto e chegar a uma solução, para que possamos adquirir também uma vida normal e que os mercados tenham confiança na nossa economia para termos desenvolvimento económico”.
António Costa, embora reconheça que a Europa tirou a lição dos erros do passado, dispondo hoje em dia de mais instrumentos comuns do que há seis anos para enfrentar a crise, sublinhou que as diferenças persistem. Por outro lado, admitiu que temos beneficiado “muito da nova atuação do BCE, com a redução geral das taxas de juro”, todavia, não nos podemos deixar iludir pensando “que essa redução significou a redução estrutural das assimetrias entre as economias”.
E, referindo-se especificamente ao caso português, declarou peremptoriamente que o fim do programa de ajustamento não correspondeu à resolução dos problemas estruturais, pelo que está a ser preparado o Programa Nacional de Reformas a apresentar a Bruxelas no final do mês de abril.
Tsipras, por sua vez, teceu loas à assinatura da declaração conjunta com o Primeiro-Ministro português, frisando a sua correspondência a uma nova visão para a Europa, declarando:
“Pensamos que este acordo bilateral foi muito positivo, para que possamos voltar aos valores que defendemos e para que haja uma luta comum que passe pela aposta noutra estratégia para enfrentar os problemas económicos, que não seja através de mais medidas de austeridade”.
Relativamente à crise dos refugiados, Portugal e a Grécia, como se disse, no documento assinado conjuntamente pelos dois chefes do governo, enunciam a promessa de “cooperar para fazer com que a União Europeia dê os passos necessários para a efetivação de uma política migratória efetiva nas suas fronteiras externas”.
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Resta perguntar que efeitos práticos advirão da declaração conjunta para os dois países.
É certo que vale, pelo menos, como tomada de posição de dois países periféricos que precisaram de intervenção externa. É uma clara manifestação de desconforto em relação às diretrizes das todo-poderosas UE e zona Euro, que esmagam as economias dos países do sul e constringem a sua produção legislativa e a política orçamental.
Entretanto, paira a dúvida sobre a sua eficácia perante o monstro da indiferença do núcleo duro do diretório da Europa, secundado pelos países mais ricos. Depois, os países da declaração de desconforto são apenas dois países, que são de pequena dimensão e com governação, embora ainda pouco duradoura, politicamente desalinhada – incapazes de fazer engrossar a onda.
Quanto aos refugiados, Costa disse tudo. À UE falta vontade política e superabunda a burocracia entediante e criadora de dificuldades se efeitos para a defesa e segurança.
A UE é também culpada pelo que vem acontecendo, mas não arrependida. Faz bem de Pilatos!

2016.04.12 – Louro de Carvalho

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