segunda-feira, 25 de abril de 2016

No 42.º aniversário do faustoso 25 de Abril

Enquanto nos dá para festejar a excelência da Liberdade que o dia significa, acautelando-lhe os riscos e saudando o bem-vindo regresso dos militares à sessão comemorativa no Parlamento, apraz-me apurar o que as duas figuras de topo do regime – Presidente da República e Presidente da Assembleia da República – disseram hoje ao país. Ambos saudaram os capitães de abril e o primado da soberania popular, louvando a revolução e as eleições livres a que ela deu azo, mas subliminarmente mostraram reservas sobre o atual devir da Europa e das instâncias mundiais.
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Marcelo, por si, sublinha o facto de “toda a revolução, ao longo da História”, ser “feita de várias revoluções, tantas quantos a viveram, mais ou menos intensamente” – o que se aplica a 1974-75, como ficou espelhado na Assembleia Constituinte, em que “houve momentos em que a primazia parecia pender para um ou alguns desses projetos, para, logo a seguir, a correlação de forças favorecer projetos diversos”. E a Constituição, promulgada a 2 de abril de 1976, “acolheu o compromisso possível entre diversas revoluções, depois de 25 de novembro de 1975” – compromisso que viria a ser reformulado em sucessivas revisões”.
Depois, enunciou os 4 desafios essenciais (“vividos quase em simultâneo”) colocados a Portugal: descolonização, democratização, integração europeia e construção de uma nova economia.
A descolonização, tardia e realizada no meio da Revolução, culminou “na independência dos Estados irmãos na língua e em tanta mundividência” e alterou “perfis económicos e sociais na Comunidade que éramos”; a democratização, concretizada por fases, “conheceu a sua expressão plena 6 anos depois de 1976” (talvez nem todos assim pensem); a integração europeia, decidida em 1977, ficou “formalizada 8 anos volvidos, em 1985” (vigente desde 1 de janeiro de 1986); e a mudança da economia, conheceu ciclos muito diversos: o “da rutura dos laços coloniais, das nacionalizações e expropriações”; o “das reprivatizações para mãos portuguesas, com apoio público”; e o “da recente transferência para mãos estrangeiras em setores-chave”.
Acentuou a ausência de guerra civil, a excecional integração de 700 mil compatriotas e o percurso “em escassos anos”, de vias que economias fortes “haviam trilhado em quarenta anos” – tudo isto que não é compreendido por jovens que não passaram por tempos de ausência de liberdade, opressão da ditadura, esmagamento da censura, elevadíssima mortalidade infantil, escolaridade obrigatória não cumprida, “um milhão de emigrantes numa década, começo do despovoamento de um interior continental e de áreas das atuais Regiões Autónomas”.
E, em nome da verdade, destacou os benefícios inquestionáveis da democracia: a participação no poder central, regional e local; a independência dos tribunais; a autonomia política dos Açores e da Madeira; a autonomia administrativa do Poder Local; as liberdades fundamentais; a mudança drástica dos indicadores de saúde; a democratização no sistema de ensino; o profundo avanço no papel da mulher na sociedade portuguesa; a abertura externa e circulação de pessoas e ideias; as preocupações intergeracionais; a qualidade de vida; e “a projeção internacional de tantos dos nossos melhores, sem precedente na História contemporânea”.
Porém, reconhecendo o muito que está por fazer, passou às recomendações:
- Cuidar mais da língua, valorizar mais a cultura, ir mais longe na educação, ciência e inovação, relevar mais as comunidades da diáspora, apostar mais na CPLP, dar aos que de fora vieram e integraram o “País Social a importância no País Político que lhes tem sido negada”;
- Repensar o fechamento no sistema de partidos e nos parceiros sociais, criar a aproximação entre eleitores e eleitos, avançar no combate à corrupção e na transparência na vida política;
- “Ir mais longe quanto à mulher na política e na chefia administrativa, ao jovem na sucessão geracional, ao emigrante e ao imigrante na vivência cívica”;
- “Lutar por uma Europa menos confidencial e menos passiva, mais solidária e mais atenta às pessoas, e sobretudo que não pareça aprovar nos factos o oposto do que apregoa nos ideais”;
- Dar, no quadro do desenvolvimento, “horizontes de esperança”, “sem ficar refém pela dívida ou pela dependência intoleráveis”, mas apostando no crescimento, competição, e emprego;
- Recuperar a classe média e alimentar a circulação social, bem como “combater as assimetrias e a pobreza que nos deve envergonhar”, para assegurar a coesão territorial e social.
Todavia, apesar das desilusões, o Presidente considera o saldo “claramente positivo”, mas que “pode começar a ser preocupantemente descoroçoante para quem só se lembrar dos anos 90 e da viragem do século”. Porém, adverte para o facto de a solução não passar “por pessimismos antidemocráticos, por populismos antieuropeus, por tentações de culpabilização constitucional”.
Salienta o “larguíssimo acordo entre os Portugueses” no atinente “aos grandes objetivos nacionais”: vocação universal, pertença europeia, importância da lusofonia, transatlantismo, defesa do Estado Social de Direito, aposta na educação, na ciência, na inovação, combate às desigualdades e à pobreza, maior circulação social e mais fortes classes médias, mais e melhor democracia, sobreposição do poder político ao económico e, “como condições necessárias, crescimento e emprego sem desequilíbrios financeiros insanáveis”.
Acentua a existência atual de “dois caminhos muito bem definidos e diferenciados quanto à governação” e ao modo de se atingirem as metas nacionais” – reveladores do são pluralismo, mas “diversos quanto ao papel do Estado na economia e na sociedade”, “às prioridades para a criação de riqueza”, “ao tempo e ao modo da redistribuição da riqueza” e “na filosofia e na prática política”.
No entanto, rejeita um estilo de vivência política como que em contínua campanha eleitoral e pede alguns consensos setoriais de regime, que não anulem as diferenças, as quais também não podem afetar a unidade fundamental dos portugueses. Nestes termos, o apelo presidencial passa pela união “no essencial”, mas “sem com isso minimamente negarmos a riqueza do confronto democrático, em que Governos aplicam as suas ideias e oposições robustecem as suas alternativas”. E surge a troca das emoções pelo bom senso, aduzindo que “a Democracia criada a partir do 25 de abril de 1974 tem de ser recriada, todos os dias, para se não negar, nem negar futuro aos Portugueses”.
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A este respeito, Catarina Martins adverte que a expressão das divergências é essencial à convivência democrática e Jerónimo de Sousa avisa que, sempre que se fala em consenso, é necessário precisar o seu conteúdo. De qualquer modo, o discurso presidencial – sem remoques específicos quer ao Governo quer às oposições, mas aos pessimistas e populistas e aos pretensos monopolistas da democracia – constitui uma peça a considerar, a refletir e a sugerir ilações.
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Por seu turno, Ferro Rodrigues assinalou que celebrar abril “é recordar” o tempo de ditadura, “que não queremos repetir”, e a grande oportunidade de projeção da construção “do Portugal Democrático, Solidário e Desenvolvido”. E encareceu “a democratização portuguesa”, mesmo que não tenha sido “um processo linear, isento de erros e contradições”, aliás como “nenhuma empreitada humana o é”. Não obstante, sublinhou que “em democracia todas as críticas são legítimas”, porém, “nunca para diminuir a grandeza do 25 de abril”.
Depois, enalteceu a Constituição da República Portuguesa, na elaboração da qual, “há 40 anos, deputados oriundos de latitudes políticas muito diferentes puseram em cima da mesa as suas diferenças”, tendo, por vezes, divergido “com dureza”. Todavia, como acentua o Presidente da Assembleia da República, não deixaram de “elaborar as regras comuns do sistema democrático e o programa de direitos e responsabilidades”, plasmados na nossa Constituição. Assim, na Assembleia Constituinte, “acima dos partidos” e dos respetivos projetos políticos “estiveram valores que unem os portugueses e que, por isso, tiveram tradução constitucional: “paz, pão, habitação, saúde, educação” – ou seja, “o direito a uma vida digna em liberdade”.
E, em coerência com as loas que faz aos Deputados Constituintes, homenageou todos aqueles que ainda estão vivos, muitos dos quais se reencontraram ali, e os que “já partiram”.
A seguir, contra um certo ambiente de crítica ao parlamentarismo, evocou “os grandes progressos da democracia” e “os grandes avanços sociais e civilizacionais”, que passaram “pelas treze legislaturas que já levamos e pelos Governos que a partir delas se formaram”, sustentando que “hoje mais que nunca faz-nos bem revisitar o espírito constitucional de 75-76”.
E ousou apelar à consciência “da força das convicções e das razões das nossas propostas”, mas sabendo “identificar o chão comum que pisamos, os valores que nos unem e os objetivos estratégicos que nos mobilizam”. Nestes termos, pediu que se debatam todas as matérias, mas sem “nunca perder de vista as mudanças que precisamos de fazer para devolver esperança a Portugal” e procurando “falar a uma só voz na Europa, em nome da Europa que queremos: uma Europa mais centrada na solidariedade social do que nas décimas das finanças públicas”.
Em olhar crítico sobre a danosa hipocrisia interesseira das instituições internacionais, pergunta:
“Como é possível que, depois da brutal crise financeira de 2007-2008, os pilares do pensamento que a gerou – desregulamentar, liberalizar, privatizar, flexibilizar – ainda não tenham sido definitivamente relativizados e apagados, apesar de todo o arrependimento que então nos chegava do FMI, do Banco Mundial, da OCDE e da própria União Europeia?”
E, estribado em palavras de Sophia de Mello Breyner sobre a Liberdade, desafia:
“Se queremos mais Europa e se exigimos mais da Europa, não nos deixemos tolher pelo medo ou pelo cinismo. Lutemos para que a nossa Europa volte a ser para o resto do mundo o farol dos Direitos Humanos.”
No Dia da Liberdade, assegura que “a liberdade não é uma fragilidade”, mas “a nossa maior força”. E sublinha o contraste entre aqueles dias de eleições (25 de abril de 1975 e de 1976) – dias de “abstenção mínima” e de “alegria máxima no rosto das pessoas” – e o desinteresse de hoje manifestado na forte abstenção. Depois, apelando a que a festa da democracia se não vá transformando numa nova versão, ainda que democrática, da “feira cabisbaixa” de Alexandre O’Neill. Embora compreenda a legitimidade da abstenção no contexto da “normalização democrática e da emigração”, pede “mais atenção para os sinais que nos chegam de sucessivos inquéritos à opinião dos portugueses, ao nível da confiança nas instituições democráticas”.
E chama a atenção para “os níveis de confiança em todas as instituições, e não apenas para as instituições políticas”, já que a democracia “não se faz só de partidos e deputados”, mas igualmente de “um poder judicial respeitável e prestigiado” e de “uma comunicação social pluralista e respeitadora das regras deontológicas”. Além disso, anota que “o exercício de funções públicas em órgãos de soberania” e “o ofício de informar a opinião pública” constituem “tarefas da maior delicadeza” que induzem a obrigação de “um sentido da responsabilidade social permanente”. E, frisando que “a democracia é acima de tudo um regime de regras e de valores”, declara que “não se pode esperar dos portugueses respeito por quem não se dê ao respeito ou por quem não respeite as regras e as normas do Estado de Direito Democrático”.
Aplaude “a forma como os grupos parlamentares começam a fazer a parte que lhes cabe”, no “anúncio de iniciativas de reforma do sistema eleitoral” e “com iniciativas de reforço da transparência no exercício de cargos públicos” – manifestando sinais “de inquietação e de inconformismo”, de “preocupação com a qualidade da democracia” e de “combate à corrupção”.
Conhecendo a clara insuficiência das reformas políticas – para mais crescimento económico, emprego, rendimentos, vida melhor para todos, numa sociedade demasiado desigual e, por conseguinte, desinteressada da participação política – não ignora a importância democrática das reformas do sistema político. Mas estas não se circunscrevem à produção de mais legislação.
Neste sentido, pretende que, a exemplo do que sucedeu “há 20 anos com Almeida Santos”, o Parlamento volte a “liderar o processo de adesão das Instituições do Estado às novas tecnologias da comunicação”, pois, “as redes sociais, com todos os seus riscos, permitem aproximar e comunicar melhor com as pessoas, nos Fora onde se exerce hoje, cada vez mais, a cidadania”. Pretende estabelecer as bases de colaboração assídua e atualizada “com a Comunidade para aumentar a qualidade do escrutínio ao Parlamento”.
Se “nunca como hoje teve o Parlamento as suas portas tão abertas à comunidade”, é preciso “sair destas paredes” e continuar “o projeto sempre inacabado do aperfeiçoamento da democracia”, pondo os olhos no “Parlamento mais antigo do mundo, o Britânico, que, no âmbito da iniciativa Digital Democracy, soube reunir pareceres de especialistas, opiniões dos cidadãos, da sociedade civil, soluções políticas e, assim, encontrar formas inovadoras que permitem caminhar para uma nova democracia de proximidade”
Assim, propõe-se levar “em breve à agenda da Conferência de Líderes o tema da Democracia Digital” com vista às “melhores soluções que permitam responder a esta preocupação urgente”. No reforço da transparência no exercício dos mandatos e na forma de comunicação com os cidadãos, o trabalho parlamentar ganhará mais visibilidade e valorização aos olhos de todos.
Sem medos e sem populismos, sem rotinas e sem marasmos, impõe-se “o combate pela qualidade da democracia, que é, no dizer de Ferro Rodrigues, “um combate urgente, permanente, um combate de todos os dias”, a honrar a coragem dos que “fizeram do 25 de abril o Dia da Liberdade”.
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São discursos pedagógicos de lucidez pela liberdade, que vale a pena ter em conta. Ambos enaltecem e acautelam a democracia e figuram em complementaridade do regime: Marcelo assume a componente presidencialista, enquanto Rodrigues interpreta a faceta parlamentarista.

2016.04.25 – Louro de Carvalho

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