O Presidente do BCE (Banco Central Europeu), Mario Draghi, veio ao
Conselho de Estado, a 7 de abril, a convite do Chefe de Estado, para expor aos conselheiros
o estado da área do euro bem como as mudanças que ele postula – como se pode
ler no site da Presidência da
República.
Partindo do
facto de, há 500 anos, os navegadores portugueses terem partido “para explorar
águas, muitas vezes, não cartografadas, à procura de novas oportunidades”,
constata que Portugal, “como o resto da Europa”, hoje tem enfrentado “ desafios
consideráveis”, em que ressalta o confronto com “fatores económicos adversos” –
de que há já “visíveis sinais de recuperação”. Todavia, verifica-se que a área
do euro continua afetada por “um crescimento potencial reduzido” e “um desemprego
estrutural elevado.
Depois,
disse ao que vinha: abordar o estado da
recuperação da área do euro, o papel
da política monetária e os passos para o
fortalecimento da área do euro e da UE (União Europeia).
***
A área do
euro recupera a um ritmo moderado, apoiada pelas medidas de “política monetária”
e seu impacto nos “mercados financeiros” e pelos “preços baixos dos produtos
energéticos”. Porém, o investimento permanece fraco, dada a incerteza na
economia mundial e os riscos geopolíticos sentidos pelos investidores.
Também em
Portugal a recuperação ganha terreno: a economia portuguesa regista o ritmo de
crescimento da área do euro e o desemprego apresenta “tendência claramente
descendente”.
No entanto,
os sinais de retoma não devem dar “azo a comprazimento”.
O euro conseguiu “regressar aos níveis de atividade económica registados antes
da crise” apenas no ano passado e países, como Portugal, “ainda não o
conseguiram”. As economias exibem “vulnerabilidades significativas”, a
que é preciso responder rapidamente. Entre elas, avulta o desemprego dos jovens,
que obsta a que “participem plena e significativamente na sociedade”. No caso
de Portugal, cerca de um terço da população ativa jovem continua sem emprego, o
que prejudica seriamente a economia, “porque estes jovens”, “dispostos a
trabalhar” e não encontrando trabalho, “estão a ser impedidos de desenvolver as
suas competências”. Ora, para evitar uma “geração perdida”, torna-se necessário
“agir com rapidez”.
Tudo isto
mostra que a recuperação económica tem de “ser apoiada pelos decisores
políticos”, pela “tomada de medidas decisivas”, devendo todos os intervenientes
“desempenhar o seu papel”. E, assim, as instituições europeias devem cumprir os
objetivos do seu mandato.
O BCE não
hesitou em agir. A fim de “preservar a estabilidade de preços”, adotou “uma orientação
de política monetária acomodatícia sem precedentes” e continuará a fazer o “necessário
para cumprir o seu mandato”. Por conseguinte, a política monetária adotada
desde meados de 2014 está a ter “o impacto pretendido”. As medidas “foram
cruciais na criação de melhores condições de financiamento e na resposta à
fragmentação financeira nos países do euro”. Entre elas, sobressai a baixa significativa
das taxas de juro dos empréstimos para as sociedades não financeiras e para as
famílias. Assim se verifica, segundo Draghi, que “a melhoria das condições de
financiamento das sociedades e das famílias” apoia “a retoma em curso”,
facilita “a criação de emprego” e influencia “as perspetivas quanto à inflação”.
Por outro lado, as decisões do BCE “ajudaram a manter a confiança na moeda
única” (Será?). Segundo o Eurobarómetro, “a confiança no euro
manteve-se praticamente inalterada face ao seu nível anterior à crise”. Em Portugal,
embora se tenham avolumado as dúvidas na fase inicial da crise, constata-se, nos
últimos anos, “um sólido fortalecimento da confiança na nossa moeda comum”.
Quanto às “medidas
anunciadas em 10 de março de 2016”, o BCE assegura o seu contributo “para a
consecução do nosso objetivo da manutenção da estabilidade de preços”. Embora
seja preciso tempo para que as medidas mais recentes se repercutam na economia
e os seus benefícios se façam sentir, “constituem um pacote substancial que
prioriza os empréstimos às famílias e às empresas”, “sublinham a nossa
determinação em cumprir o mandato que nos foi confiado”, asseguram o regresso
da inflação “a um nível abaixo, mas próximo, de 2%” e demonstram que “dispomos
de suficientes instrumentos para atuar”.
Porém, o BCE
sozinho não pode criar as condições de recuperação sustentável do crescimento,
pois as suas políticas “não podem, por si só, eliminar obstáculos estruturais
ao crescimento”. Exige-se, pois, “um esforço concertado em termos de políticas
económicas e orçamentais”.
***
E, a partir
daqui, se nos apetecia saudar a intervenção de Draghi, veremos que o discurso
começa a ficar mais negro. Com efeito – diz o orador – “em muitos países da
área do euro, a margem orçamental para apoiar o crescimento é atualmente
limitada”, pelo que deve evitar-se “a distensão das regras orçamentais ao ponto
de estas perderem a credibilidade”. E, a seguir, vem o recado positivo para
António Costa, da parte do político
que se diz técnico (?):
“No caso de
Portugal, congratulamo-nos com o facto de a Comissão Europeia considerar que o
projeto de plano orçamental para 2016 não revelava um incumprimento
particularmente grave das disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Acolhemos igualmente com agrado o compromisso das autoridades portuguesas em
preparar medidas adicionais, destinadas a ser implementadas quando necessário para
assegurar a conformidade.”
E, depois, a
irónica verdade que poderia servir de estímulo à governação para os cidadãos:
“Existe,
todavia, latitude para que todos os países intensifiquem os esforços no sentido
de tornar as respetivas estruturas fiscais e a despesa pública mais favoráveis
ao crescimento e, entre outros aspetos, redirecionar a despesa pública para o
investimento, investigação e educação.”
Contra aqueles
que entendem que não é o Estado que impulsiona a economia ou que não tem uma palavra
a dizer sobre a matéria, deixando-a inteiramente a critério dos privados,
sentencia:
“No que
respeita às políticas económicas, sem um papel ativo dos parlamentos e governos
nacionais na melhoria gradual da competitividade da economia da área do euro,
não conseguiremos aumentar o crescimento potencial e reduzir o desemprego
estrutural”.
Sobre o
mérito da conjuntura, afirma opinativamente:
“Gostaria de
acrescentar que as condições, em anos recentes, nunca foram tão favoráveis,
como o são atualmente, ao arranque da introdução de reformas estruturais
destinadas a facilitar a atividade das empresas, a melhorar a produtividade e a
estabelecer as bases para uma recuperação mais sustentável”.
Quanto à avaliação
deste importante elemento da troika, o elogio ao Governo anterior não tarda:
“Os países
da área do euro têm vindo já a envidar esforços no sentido duma reforma das
respetivas economias. Os esforços de reforma desenvolvidos por Portugal foram
notáveis e necessários. Observamos agora sinais claros de que esses esforços
notáveis estão a dar fruto dentro e fora do país. […] O crescimento dinâmico do
emprego desde 2014 sugere que as reformas do mercado de trabalho estão a tornar
a economia mais adaptável. A melhoria das condições empresariais ou a redução
dos custos de exploração dos portos são apenas duas das medidas, de entre uma
longa lista, que aumentaram a competitividade do país.”
Por mim,
duvido do mérito do que foi afirmado e sobretudo do que vem a seguir:
“Acresce
ainda que as reformas educativas estão igualmente a dar fruto, tendo a taxa de
abandono escolar precoce baixado para quase metade do seu valor, desde 2009. No
entanto, todas as reformas levam algum tempo a produzir resultados.
Se é certo
que todas as reformas levam tempo a produzir frutos, as reformas educativas
podem agradar à UE, mas representam clara regressão no valor do sistema
educativo. E o não abandono fica mascarado pelas medidas de recuperação tomadas
ao abrigo do estatuto do aluno e da pressão das Comissões de Proteção de
Crianças e Jovens fazem sobre as famílias e as escolas.
E, como não
podia faltar, aflora a advertência ao Governo para manter o trabalho do
anterior:
“Não se
justifica anular reformas anteriores. Para além de preservar o que já foi
alcançado, são necessárias mais reformas no conjunto da área do euro, tal como
indicado nas recomendações específicas por país de 2015, que identificam todos
os anos quais são os principais objetivos com vista a responder às
vulnerabilidades e à rigidez remanescentes. Apenas através de tais reformas
poderemos evitar uma acumulação de novos desequilíbrios e fazer as taxas de
crescimento regressar a níveis que assegurem a prosperidade e permitam às
famílias e aos Estados-Membros emergir da dívida.”
Nestes termos,
depois de criticar a inobservância das indicações da Comissão Europeia, declara
fundamental: melhorar o “funcionamento do mercado de trabalho”, para “garantir
uma rápida adaptação a choques ou alterações estruturais”; tomar novas medidas
de combate ao desemprego; proceder a reformas que incentivem as empresas a investir;
melhorar o enquadramento empresarial; aumentar a eficiência dos instrumentos de
reestruturação da dívida das empresas ainda viáveis; e facilitar os planos de
investimento das empresas.
Bem gostava
de saber o que significa para Draghi melhorar o “funcionamento do mercado de
trabalho” ou melhorar o “enquadramento empresarial”, a não ser que seja conduzir
ao fácil e discricionário despedimento, à proletarização salarial e ao aumento
da carga e pressão laborais.
***
Depois, o presidente do BCE almeja que a UEM (União Económica e Monetária) funcione a longo prazo. Para tanto requerem-se esforços “envidados pelos países a nível individual” e
“trabalho a realizar coletivamente. Por isso, exige-se que os governos
trabalhem “com vista à conclusão da União Económica e Monetária” que é ainda “uma
construção inacabada”. Ora, “o caráter inacabado da UEM amplifica os efeitos
dos erros de política, cometidos no advento da crise”, perpetua “a fragilidade
da UEM” e deixa os Estados-Membros “vulneráveis a choques”.
O Relatório dos Cinco Presidentes aponta “os
pontos fracos da nossa construção” e “proporciona um roteiro para que estes
sejam corrigidos, reduzindo e partilhando os riscos, tanto no que diz respeito
ao setor financeiro como às políticas económicas e orçamentais”.
Cabe, pois, “aos
líderes políticos dar vida a este roteiro”, dado que “uma economia estável e
sólida é uma condição prévia vital para responder aos desafios em outros
domínios”. Por isso, “garantir que a UME funcione a longo prazo” não pode ser
tido como um luxo, mas tem de ser encarado como “um requisito para que a Europa
floresça”.
***
Como é que
Draghi pretende que Portugal e os países de economia frágil recuperem no
sentido do crescimento das economias, emprego e bens sociais, se quer que as
nefastas reformas levadas a cabo deram tão maus resultados, graças à sujeição
aos ditames financeiros da Comissão Europeia, que se mete em tudo, e tem o desplante
de elogiar o tão difícil Plano Nacional de Reformas de Costa? Como é que lamenta
que os países não tenham acatado as indicações da Comissão? Será que só ela e
que está certa?
2016.04.18 – Louro de Carvalho
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