segunda-feira, 18 de abril de 2016

Da prestação de Draghi no Conselho de Estado

O Presidente do BCE (Banco Central Europeu), Mario Draghi, veio ao Conselho de Estado, a 7 de abril, a convite do Chefe de Estado, para expor aos conselheiros o estado da área do euro bem como as mudanças que ele postula – como se pode ler no site da Presidência da República.
Partindo do facto de, há 500 anos, os navegadores portugueses terem partido “para explorar águas, muitas vezes, não cartografadas, à procura de novas oportunidades”, constata que Portugal, “como o resto da Europa”, hoje tem enfrentado “ desafios consideráveis”, em que ressalta o confronto com “fatores económicos adversos” – de que há já “visíveis sinais de recuperação”. Todavia, verifica-se que a área do euro continua afetada por “um crescimento potencial reduzido” e “um desemprego estrutural elevado.
Depois, disse ao que vinha: abordar o estado da recuperação da área do euro, o papel da política monetária e os passos para o fortalecimento da área do euro e da UE (União Europeia).
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A área do euro recupera a um ritmo moderado, apoiada pelas medidas de “política monetária” e seu impacto nos “mercados financeiros” e pelos “preços baixos dos produtos energéticos”. Porém, o investimento permanece fraco, dada a incerteza na economia mundial e os riscos geopolíticos sentidos pelos investidores.
Também em Portugal a recuperação ganha terreno: a economia portuguesa regista o ritmo de crescimento da área do euro e o desemprego apresenta “tendência claramente descendente”.
No entanto, os sinais de retoma não devem dar “azo a comprazimento”. O euro conseguiu “regressar aos níveis de atividade económica registados antes da crise” apenas no ano passado e países, como Portugal, “ainda não o conseguiram”. As economias exibem “vulnerabilidades significativas”, a que é preciso responder rapidamente. Entre elas, avulta o desemprego dos jovens, que obsta a que “participem plena e significativamente na sociedade”. No caso de Portugal, cerca de um terço da população ativa jovem continua sem emprego, o que prejudica seriamente a economia, “porque estes jovens”, “dispostos a trabalhar” e não encontrando trabalho, “estão a ser impedidos de desenvolver as suas competências”. Ora, para evitar uma “geração perdida”, torna-se necessário “agir com rapidez”.
Tudo isto mostra que a recuperação económica tem de “ser apoiada pelos decisores políticos”, pela “tomada de medidas decisivas”, devendo todos os intervenientes “desempenhar o seu papel”. E, assim, as instituições europeias devem cumprir os objetivos do seu mandato.
O BCE não hesitou em agir. A fim de “preservar a estabilidade de preços”, adotou “uma orientação de política monetária acomodatícia sem precedentes” e continuará a fazer o “necessário para cumprir o seu mandato”. Por conseguinte, a política monetária adotada desde meados de 2014 está a ter “o impacto pretendido”. As medidas “foram cruciais na criação de melhores condições de financiamento e na resposta à fragmentação financeira nos países do euro”. Entre elas, sobressai a baixa significativa das taxas de juro dos empréstimos para as sociedades não financeiras e para as famílias. Assim se verifica, segundo Draghi, que “a melhoria das condições de financiamento das sociedades e das famílias” apoia “a retoma em curso”, facilita “a criação de emprego” e influencia “as perspetivas quanto à inflação”. Por outro lado, as decisões do BCE “ajudaram a manter a confiança na moeda única” (Será?). Segundo o Eurobarómetro, “a confiança no euro manteve-se praticamente inalterada face ao seu nível anterior à crise”. Em Portugal, embora se tenham avolumado as dúvidas na fase inicial da crise, constata-se, nos últimos anos, “um sólido fortalecimento da confiança na nossa moeda comum”.
Quanto às “medidas anunciadas em 10 de março de 2016”, o BCE assegura o seu contributo “para a consecução do nosso objetivo da manutenção da estabilidade de preços”. Embora seja preciso tempo para que as medidas mais recentes se repercutam na economia e os seus benefícios se façam sentir, “constituem um pacote substancial que prioriza os empréstimos às famílias e às empresas”, “sublinham a nossa determinação em cumprir o mandato que nos foi confiado”, asseguram o regresso da inflação “a um nível abaixo, mas próximo, de 2%” e demonstram que “dispomos de suficientes instrumentos para atuar”.
Porém, o BCE sozinho não pode criar as condições de recuperação sustentável do crescimento, pois as suas políticas “não podem, por si só, eliminar obstáculos estruturais ao crescimento”. Exige-se, pois, “um esforço concertado em termos de políticas económicas e orçamentais”.
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E, a partir daqui, se nos apetecia saudar a intervenção de Draghi, veremos que o discurso começa a ficar mais negro. Com efeito – diz o orador – “em muitos países da área do euro, a margem orçamental para apoiar o crescimento é atualmente limitada”, pelo que deve evitar-se “a distensão das regras orçamentais ao ponto de estas perderem a credibilidade”. E, a seguir, vem o recado positivo para António Costa, da parte do político que se diz técnico (?):
“No caso de Portugal, congratulamo-nos com o facto de a Comissão Europeia considerar que o projeto de plano orçamental para 2016 não revelava um incumprimento particularmente grave das disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Acolhemos igualmente com agrado o compromisso das autoridades portuguesas em preparar medidas adicionais, destinadas a ser implementadas quando necessário para assegurar a conformidade.”
E, depois, a irónica verdade que poderia servir de estímulo à governação para os cidadãos:
“Existe, todavia, latitude para que todos os países intensifiquem os esforços no sentido de tornar as respetivas estruturas fiscais e a despesa pública mais favoráveis ao crescimento e, entre outros aspetos, redirecionar a despesa pública para o investimento, investigação e educação.”
Contra aqueles que entendem que não é o Estado que impulsiona a economia ou que não tem uma palavra a dizer sobre a matéria, deixando-a inteiramente a critério dos privados, sentencia:
“No que respeita às políticas económicas, sem um papel ativo dos parlamentos e governos nacionais na melhoria gradual da competitividade da economia da área do euro, não conseguiremos aumentar o crescimento potencial e reduzir o desemprego estrutural”.
Sobre o mérito da conjuntura, afirma opinativamente:
“Gostaria de acrescentar que as condições, em anos recentes, nunca foram tão favoráveis, como o são atualmente, ao arranque da introdução de reformas estruturais destinadas a facilitar a atividade das empresas, a melhorar a produtividade e a estabelecer as bases para uma recuperação mais sustentável”.
Quanto à avaliação deste importante elemento da troika, o elogio ao Governo anterior não tarda:
“Os países da área do euro têm vindo já a envidar esforços no sentido duma reforma das respetivas economias. Os esforços de reforma desenvolvidos por Portugal foram notáveis e necessários. Observamos agora sinais claros de que esses esforços notáveis estão a dar fruto dentro e fora do país. […] O crescimento dinâmico do emprego desde 2014 sugere que as reformas do mercado de trabalho estão a tornar a economia mais adaptável. A melhoria das condições empresariais ou a redução dos custos de exploração dos portos são apenas duas das medidas, de entre uma longa lista, que aumentaram a competitividade do país.”
Por mim, duvido do mérito do que foi afirmado e sobretudo do que vem a seguir:
“Acresce ainda que as reformas educativas estão igualmente a dar fruto, tendo a taxa de abandono escolar precoce baixado para quase metade do seu valor, desde 2009. No entanto, todas as reformas levam algum tempo a produzir resultados.
Se é certo que todas as reformas levam tempo a produzir frutos, as reformas educativas podem agradar à UE, mas representam clara regressão no valor do sistema educativo. E o não abandono fica mascarado pelas medidas de recuperação tomadas ao abrigo do estatuto do aluno e da pressão das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens fazem sobre as famílias e as escolas.
E, como não podia faltar, aflora a advertência ao Governo para manter o trabalho do anterior:
“Não se justifica anular reformas anteriores. Para além de preservar o que já foi alcançado, são necessárias mais reformas no conjunto da área do euro, tal como indicado nas recomendações específicas por país de 2015, que identificam todos os anos quais são os principais objetivos com vista a responder às vulnerabilidades e à rigidez remanescentes. Apenas através de tais reformas poderemos evitar uma acumulação de novos desequilíbrios e fazer as taxas de crescimento regressar a níveis que assegurem a prosperidade e permitam às famílias e aos Estados-Membros emergir da dívida.”
Nestes termos, depois de criticar a inobservância das indicações da Comissão Europeia, declara fundamental: melhorar o “funcionamento do mercado de trabalho”, para “garantir uma rápida adaptação a choques ou alterações estruturais”; tomar novas medidas de combate ao desemprego; proceder a reformas que incentivem as empresas a investir; melhorar o enquadramento empresarial; aumentar a eficiência dos instrumentos de reestruturação da dívida das empresas ainda viáveis; e facilitar os planos de investimento das empresas.
Bem gostava de saber o que significa para Draghi melhorar o “funcionamento do mercado de trabalho” ou melhorar o “enquadramento empresarial”, a não ser que seja conduzir ao fácil e discricionário despedimento, à proletarização salarial e ao aumento da carga e pressão laborais.
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Depois, o presidente do BCE almeja que a UEM (União Económica e Monetária) funcione a longo prazo. Para tanto requerem-se esforços “envidados pelos países a nível individual” e “trabalho a realizar coletivamente. Por isso, exige-se que os governos trabalhem “com vista à conclusão da União Económica e Monetária” que é ainda “uma construção inacabada”. Ora, “o caráter inacabado da UEM amplifica os efeitos dos erros de política, cometidos no advento da crise”, perpetua “a fragilidade da UEM” e deixa os Estados-Membros “vulneráveis a choques”.
O Relatório dos Cinco Presidentes aponta “os pontos fracos da nossa construção” e “proporciona um roteiro para que estes sejam corrigidos, reduzindo e partilhando os riscos, tanto no que diz respeito ao setor financeiro como às políticas económicas e orçamentais”.
Cabe, pois, “aos líderes políticos dar vida a este roteiro”, dado que “uma economia estável e sólida é uma condição prévia vital para responder aos desafios em outros domínios”. Por isso, “garantir que a UME funcione a longo prazo” não pode ser tido como um luxo, mas tem de ser encarado como “um requisito para que a Europa floresça”.
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Como é que Draghi pretende que Portugal e os países de economia frágil recuperem no sentido do crescimento das economias, emprego e bens sociais, se quer que as nefastas reformas levadas a cabo deram tão maus resultados, graças à sujeição aos ditames financeiros da Comissão Europeia, que se mete em tudo, e tem o desplante de elogiar o tão difícil Plano Nacional de Reformas de Costa? Como é que lamenta que os países não tenham acatado as indicações da Comissão? Será que só ela e que está certa?

2016.04.18 – Louro de Carvalho

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