quinta-feira, 21 de abril de 2016

Uma visão não politicamente correta da situação angolana

É a visão da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé) expressa na pertinente NOTA PASTORAL sobre o momento atual da Nação sob o título bíblico “O QUE VIMOS E OUVIMOS” (1Jo1,1), emitida no final da sua Primeira Assembleia Geral Ordinária de 2016 realizada de 2 a 9 do passado mês de março.
Trata-se de uma mensagem dirigida, a partir de N’Dalatando, aos cristãos e a todos os homens e mulheres de boa vontade e ditada pela consciência episcopal de pastores e de membros da grande Família Angolana.
É de acrescentar que se trata, não de meros observadores, mas de pessoas qualificadas, presentes no terreno por si próprios e pelos seus sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas e demais leigos empenhados no apoio religioso e social, a diversos níveis, às populações, sobretudo aos que mais precisam – sem perfilharem um desígnio político de poder.
A Nota Pastoral vem estruturada em 10 pontos de denúncia e 10 pontos de proposta, perfazendo um total de 20 pontos de mensagem – na qual endereçam uma saudação àVirgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, que, ao pé da Cruz, acreditou no triunfo da vida sobre a morte”, para que “mantenha viva em nós a chama da esperança”.
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Que denunciam os bispos católicos?
- O agravamento preocupante da pobreza, devido à “instabilidade económica”, a paralisar “paulatinamente os agentes económicos”, tornando-lhes impossível a renovação de mercadorias, “por falta de poder aquisitivo”, cujas consequências se materializam em “atrasos de salários e subida vertiginosa de preços de bens elementares” – “tanto no setor público como no privado”;
- Os vários fatores da crise, que não apenas a “queda do preço do petróleo”, mas também outros igualmente determinantes, tais como a: “falta de ética, má gestão do erário público, corrupção generalizada”, bem como a “mentalidade de compadrio”, o “nepotismo”, a “discriminação derivada da partidarização crescente da Função Publica”, com o sacrifício da “competência” e do “mérito”;
- O aumento assustador do fosso “entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais”, aquisição “desonesta e fraudulenta” de riquezas e os concomitantes “falta de critério no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não aproveitam às populações”;
- O dramático aumento do “índice de mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o paludismo, diarreia e febre-amarela”, por via do “ descuido da saúde pública e preventiva, falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada, falta de água, acumulação de lixo…”;
- A insensibilidade quase crónica ante o mal, a doença e a morte do próximo” – o que se traduz, em muitos hospitais, “no desvio de medicamentos para farmácias ou unidades de saúde privadas e mercado paralelo, onde são vendidos a preços insuportáveis para a maioria da população”, na falta de medicamentos indispensáveis e de alimentação para os doentes e na intransitabilidade de estradas, que gera o isolamento de populações e a criação de “condições para o aumento de acidentes”;
- A seca e a fome no Sul de Angola, que “alastram por um largo tempo e continuam a fazer vítimas” – a urgirem o continuado “empenho de todos na mobilização de ajudas alimentares”, a definição, por parte de quem de direito, de políticas concretas “que ponham fim a estes males crónicos” e o fim da “politização das ajudas humanitárias, porque, além de chocar as pessoas, enfraquece-lhes o sentido de solidariedade para com os irmãos em dificuldade”;
- “A partidarização dos meios de comunicação social” que “devem estar ao serviço de todos”, bem como “a prevalência de espetáculos de conteúdo moral, científico e cultural duvidoso, banalizando a cultura” das populações de Angola;
- O aumento do “clima de insegurança nas cidades e no campo”, que tem levado a que, “por tudo e por nada”, se assassinem “friamente as pessoas”, se multipliquem “as violações sexuais e os roubos”, sendo que, “muitas vezes, os crimes acabam impunes”;
- A perda de fé nas instituições públicas e estatais, por parte de muitos cidadãos, que encaram o futuro com pessimismo, já que, por exemplo: nos bancos, o depositante de divisas dificilmente as levanta quando necessita, a reclamação contra a violação de direitos nem sempre é atendida com a rapidez necessária, as carências humanas e físicas abundam nos hospitais e centros de saúde, com carências humanas e físicas de toda a ordem e a matrícula na escola enfrenta dificuldades e é muitas vezes condicionada – o que estiola “o amor pátrio” e a “fraterna solidariedade”, que devem “marcar a nossa sociedade”; e, finalmente,
- A não rara interpretação como ataque às instituições de legítima governação e à ordem pública em geral de análises lúcidas, críticas bem fundadas e construtivas, destinadas à construção do bem comum.
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E que propõem os bispos?
- Contra a resignação ao mal, sugerem a busca da porta de saída, na certeza de que, embora as responsabilidades não sejam as mesmas para todos, cada um deve assumir as suas (já que o problema diz respeito a todos) e todos devem aprender uns com os outros, pois, ninguém é dono da verdade nem as soluções vêm de fora – o que implica, para todos, “a conversão, uma autêntica mudança de mentalidade e de comportamentos”.
- Não se pode perder a esperança na capacidade dos angolanos em superar o mal, com a graça de Deus, “não se rendendo à resignação nem à indiferença”, mas fazendo despertar em todos a consciência para agirem solidariamente, perante as situações críticas, superando os interesses individualistas, a apatia e a indiferença”.
- Os governantes e os funcionários públicos devem gerir a “coisa pública com competência, sentido de justiça, transparência, honestidade, sentido de missão e compromisso com a Nação”, visando a adequada edificação do bem comum e jamais esquecendo que, além do respeito que todos lhes devem, “são servidores do povo”.
- Aos empresários angolanos exortam a que invistam na sua terra, para ajudarem a desenvolver o País e a combater o desemprego galopante, que atinge os jovens, atirando-os para o desespero “em relação a um futuro digno”, a que, nas parcerias com os financiadores externos, não caiam na “hipoteca das suas liberdades e dos valores que nos identificam como povo angolano” e a que promovam o salário justo que eduque para a responsabilidade e estimule amor ao trabalho.
- No âmbito da saúde, urgem a maior colaboração a nível das instituições públicas e privadas, em especial com as Forças de Defesa e Segurança, com vista ao “combate eficaz das endemias, tais como o paludismo, a febre-amarela e outras – para o que se torna urgente o emprego profilático da fumigação, nas zonas sensíveis, eliminando charcos, a acumulação de lixo e outros focos incubadores de tais endemias.
- Aos médicos, enfermeiros, agentes de saúde, cristãos e outros solicitam a dedicação generosa de energias e possibilidades ao serviço e defesa da vida dos concidadãos, especialmente aqueles a quem o mundo não presta a devida atenção – sugerindo mesmo a prestação voluntária de serviço gratuito de algumas horas nas instituições e unidades sanitárias em prol dos doentes mais carenciados.
- Aos sacerdotes e comunidades religiosas recordam a necessidade de “uma oração assídua mais intensa e uma caridade que não esqueça ninguém”, particularmente os pobres e os indigentes de vária ordem – não se contentando com sentir-se bem nas próprias comunidades, “ignorando o pobre que pede auxílio nas várias situações da vida”.
- Às paróquias lembram a necessidade de serem, “cada vez mais, lugares de oração e de uma caridade que se veja nas obras”, de modo que “ninguém seja condenado ao anonimato ou a sofrer sem que ninguém vá em seu auxílio” – a exemplo da primeira comunidade cristã (cf At 4,34) em que “partilhavam o que tinham”.
- Aos jovens – mesmo aos que estão fora do sistema escolar e aos que lutam com dificuldades em entrar numa Faculdade para os cursos para que são naturalmente dotados – exortam, não só à não resignação, mas à coragem e perseverança em enfrentar as dificuldades da vida porque, “nos planos de Deus, nunca se fecha uma porta sem que se abra um portão” e a que, resistindo “à tentação do álcool, drogas e uma sexualidade desordenada”, ousem empenhar-se “nas causas de Deus, do próximo e da Pátria, através de um serviço e de um voluntariado desinteressados”.
- Por fim, voltam os olhos para Deus, a Quem suplicam confiadamente “o Seu olhar de Pai misericordioso e Senhor da História”.
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Se a Nota Pastoral da CEAST é pertinente para o povo e os agentes pastorais de Angola, ela constitui um rico programa de reflexão e ação para todas as comunidades, a que, positis ponendis, se aplica tanto a análise com a receita.
Com efeito, não há um fator único de uma crise, pois, embora a concentração predominante da comunidade num determinado recurso seja vulnerável às crises e problemática para o desenvolvimento, há muitas cambiantes que a geram, favorecem e precipitam – não ficando alheios a isso os dados da ética e da responsabilidade de todos e, em especial, de quem devia servir e afinal se serve.
Depois, as propostas dos bispos tocam a todos e são radicadas na fé e na análise da realidade que, mais do que a observação isenta, clama por soluções dignas e dignificantes, para o que devem concorrer os recursos materiais, humanos e espirituais – não só de combate às emergências, mas sobretudo de debelação das causas e estruturação do desenvolvimento sustentável.

2016.04.21 – Louro de Carvalho

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