quarta-feira, 6 de abril de 2016

Sobre a pretensa cultura do “copianço”

Não é a primeira vez que a Comunicação Social veicula a ideia de que no Ensino superior os alunos copiam. E já têm sido ditas coisas sobre a denominada fraude académica um pouco estranhas, como por exemplo, que os filhos de pais com maiores habilitações ou os alunos que provêm de estabelecimentos do ensino não superior privado são mais tentados à cópia em testes e outros trabalhos escritos.
Ora, a fraude académica perpetrada por alunos é um problema de ordem moral, institucional e social. Ela compromete a solidez das estruturas básicas da sociedade, tais como a confiança interpessoal e a confiança nas instituições.
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Hoje, dia 6 de abril, o Expresso on line reporta dados percentuais que resultam do supostamente “maior inquérito alguma vez realizado em Portugal” sobre a “fraude académica”, ontem acabado de dar à estampa. O inquérito, que abrangeu 7292 alunos de 101 faculdades e institutos politécnicos, revela que metade dos estudantes do ensino superior admitem cabular nos exames, sendo que os rapazes são piores e é nas engenharias que há mais “copianço”. Mais: dois em cada três estudantes deixam os colegas copiar; e mais de metade admite que eles próprios o fazem.
Antes de mais, observem-se os números referentes aos estudantes do ensino superior: 65,3% admitem que deixam copiar os colegas; 52,2% confessam copiar por colegas; 44% usam cábulas nos testes e exames; e 38,9% dizem copiar da internet, se precisarem de elaborar um trabalho para o qual não dispõem de conhecimento suficiente ou sentem dispor de pouco tempo.
Perante estes dados percentuais, alguns concluem que parece estar instalada a cultura do “copianço” (Será isto cultura?) e ser esta bastante bem aceite pelos estudantes universitários e politécnicos. É o que se deduz das palavras de Filipe Almeida, investigador coordenador do estudo “A Fraude Académica no Ensino Superior em Portugal” – concluído no ano passado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e compendiado em livro republicado no dia 5 de abril – que declarou:
“Há uma cultura de fraude que é permitida no ensino superior em Portugal. O grau de tolerância demonstrado em relação a este fenómeno é muito superior ao que existe noutros países europeus, nomeadamente os nórdicos, e aproxima-se dos valores obtidos na América Latina”.
O estudo, apesar de ser revelador e nos colocar longe dos países nórdicos e perto dos países da América Latina, não nos diz se, do número de alunos apurado em cada setor percentual dos apontados acima, alguns usam exclusivamente uma forma de cópia ou se usa uma ou outra conforme a oportunidade. Porém, assegura que, embora a predisposição para o plágio e para a fraude académica esteja muito disseminada, ela não é utilizada igualmente por todos os setores/estratos sociais. Assim, os rapazes têm maior propensão para copiar do que as raparigas e, no geral, os mais cábulas são os estudantes oriundos de meios mais favorecidos, filhos de pais com maiores habilitações académicas e rendimentos mais elevados e estudantes que frequentaram ou frequentam escolas privadas.
O investigador acima referenciado justifica assim o fenómeno:
“Uma das explicações tem a ver com a pressão para o sucesso, que é um dos fatores mais apontados pelos estudantes como justificação para a fraude. O filho de um médico ou de um engenheiro, por exemplo, sente-se provavelmente mais pressionado a ter boas notas do que um aluno filho de pais com baixas habilitações, que, se calhar, é o primeiro da família a chegar à universidade. Acabar o curso, independentemente da média, pode já ser visto como suficiente pelos familiares desse aluno, o que diminui a pressão”.
Além da pressão para obter boas classificações, os estudantes alegam a carga supostamente excessiva de trabalho como desculpa para copiar num exame ou plagiar um trabalho académico na internet.
Parece-me que, além destas explicações, com que se concorda parcialmente, outras haverá que o estudo terá de escamotear se se circunscrever ao ensino superior, sem contar com o antes e com o contexto.
Não creio que o trabalho seja excessivo no ensino superior. O que, a ser verdade, faria com que muitas atividades para-académicas deixariam de ter tão franca adesão. Não nos iludamos, pois é mais fácil copiar do que fazer o esforço de reflexão, descoberta e elaboração.
Por outro lado, os estudantes são tão hábeis a dar a volta aos pais entre a pressão de sucesso e as situações de insucesso. Depois, o mecanismo de Bolonha aplicado em Portugal não corresponde ao espírito inicial do projeto. Será que os docentes do ensino superior trabalham de perto com o estudante cada módulo das disciplinas que integram o plano de estudos do respetivo curso? Não andarão por lá perdidos inúmeros alunos? Aliás, como é que se compreende que alguns docentes sejam autênticas ventoinhas entre instituições e entre estas e outros trabalhos?
Há ainda outra situação a questionar: a preparação adquirida no ensino secundário. É preciso dizer com todas as consoantes e vogais que muito do sucesso no ensino secundário, sobretudo na escola privada, é mascarado e factício. Mesmo na escola pública, as pressões das estruturas do Ministério da Educação, dos encarregados de educação, das direções escolares ajudam a ultrapassar ficticiamente as tendências de insucesso. Não esqueço que a divulgação do figurino de testes a partir da estruturação das provas de exame, sobretudo na resolução de itens de resposta de escolha múltipla, de verdadeiro/falso, de ordenamento por letras ou números ou de sim/não propicia o copianço em salas de 26 a 30 alunos em que estes estão sentados por pares ou por ternos. Mais: a pressão do exame leva alunos e professores a privilegiar a resolução de testes elaborados segundo o figurino do exame. Isto, para não falar do pouco interesse de muitos alunos já nos 2.º e 3.º CEB.
E pergunto-me que provas é que o professor tem para indicar que os alunos copiaram ou como pode intervir em contracorrente numa escola cada vez mais judicializada.     
Cada vez mais os pais se preocupam com as classificações em detrimento da aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de capacidades ou pela incorporação de competências; mais com o desempenho dos professores do que com a aplicação dos filhos. E cada vez mais se vê o grande número de alunos pouco autónomos em relação aos pais no final do ensino secundário.
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O estudo em referência foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Os 7292 alunos acima referidos, que foram inquiridos, são de 182 cursos diferentes, entre licenciaturas e mestrados. E, como já foi dito, não saem todos iguais na fotografia: por áreas, os alunos das engenharias são os que ficam pior na fotografia, isto é, são os que revelaram maior predisposição para o uso de cábulas e para copiar pelos colegas (Como poderemos confiar depois no seu rigor?). Os de Direito são os que apresentam valores mais baixos de propensão para a fraude académica.
No atinente à predisposição dos estudantes para denunciar colegas que copiam, o inquérito conclui pela sua quase inexistência nas diversas áreas, com exceção dos alunos de Direito, entre os quais ela resulta um tanto elevada.
Entretanto, há tipos de fraude que são altamente censuráveis pelos estudantes, enquanto outros são tolerados. Por exemplo, comprar um trabalho académico a um colega é a prática que os estudantes consideram mais grave e inaceitável; mas apresentar o mesmo trabalho em várias disciplinas, sem advertir o professor, não é habitualmente mal visto.
Quanto às formas de dissuasão da prática da fraude académica, os estudantes entendem que as melhores seriam a criação de uma relação de maior proximidade entre alunos e professores e o aumento da gravidade das penas associadas a estas práticas ou, ao menos, a aplicação das penas estabelecidas nos regulamentos das instituições.
Mas o coordenador do estudo, que também inquiriu 2727 professores, faz uma revelação clamorosa, que mostra como as autoridades académicas (das faculdades, institutos e escolas superiores) têm culpas no cartório, ao explicitar:
 “As instituições não parecem muito comprometidas com o combate à fraude académica. Os docentes são sobretudo avaliados pela sua atividade como investigadores e não tanto pela sua atividade pedagógica, o que faz com que haja uma certa desvalorização do que se passa na sala de aula”.

Do lado dos docentes, segundo reza o estudo, parece não haver, pois, a predisposição para denunciar e travar a fraude académica e o plágio, em virtude do grau de desconfiança sentido nos processos administrativos e na capacidade punitiva das instituições do ensino superior português.

Outra explicação avançada pelo investigador para os docentes não estarem “absolutamente comprometidos no combate à fraude” prende-se com o facto de a avaliação da carreira docente universitária estar focada “na dimensão científica e não na pedagógica”.
Além disso, os incentivos são “poucos” para que os professores “se preocupem com o que se passa na sala de aula”, sendo que dos 2.727 docentes inquiridos, 30% não sabia “sequer se havia algum código de conduta ou ética na sua instituição”.
Para Filipe Almeida, “não é possível combater a fraude sem uma mudança multidimensional”; seriam necessárias políticas atinentes à matéria dirigidas “para os docentes, para os estudantes e para as instituições”, combatendo de forma sistémica e com toda a gente “comprometida” com esse combate. E sustenta que, “mais do que agravar as penas, é as instituições levarem até às últimas consequências os processos de fraude, de forma a se atribuir uma cultura de exigência”.
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É caso para nos questionarmos sobre os caminhos por onde anda o ensino superior e sobre qual o grau de ética de convicção e de responsabilidade que professores, mais preocupados com a avaliação científica que pedagógica, não sabendo muitos se a instituição onde prestam serviço tem ou não um código de conduta ou regulamento equivalente, podem incluir nos estudantes a observância de regras em sociedade.
Depois, lamentamos escandalizados os offshores, a mediocridade política, o espezinhamento governativo, a falta de arreganho empresarial, a inconsciência laboral, a irresponsabilidade social, a fraude negocial, a exploração social e económica, a conflituosidade e a defesa de ideias abstrusas. Que é feito do futuro?

2016.04.06 – Louro de Carvalho    

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