sexta-feira, 15 de abril de 2016

Afinal, a Europa tem uma Casa da Democracia

Aponta-se, não raro, à União Europeia um défice democrático, expresso na multiplicidade e rigidez das diretivas que os Estados-Membros devem transpor para o seu ordenamento jurídico e na interferência assídua e irritante nos negócios dos mesmos. Tal ímpeto antidemocrático resplende, de forma eminente, na relação com os países periféricos, sobretudo os que tiveram necessidade de intervenção externa, seja por motivos conexos com o exercício das funções de soberania, seja por motivos ligados com o sistema financeiro ou o devir económico.
No entanto, as instituições da União Europeia (UE) apresentam-nos uma prestigiada instituição a quem deveria ser entregue o cerne do poder político europeu. Trata-se do Parlamento Europeu. Este é o único órgão da UE diretamente eleito pelos cidadãos dos diversos países. Diz-se que a elevada abstenção em eleições europeias se deve ao facto de a Europa estar mais perto da burocracia e dos interesses dos grandes e longe dos cidadãos, tornando-se frágil nas posições que toma face aos problemas comunitários, de cada um dos países que a compõem e frente às situações problemáticas que afetam o Globo.
O panorama europeu ficaria, pois, mais enriquecido se efetivamente o poder político residisse no Parlamento e a Comissão Europeia se centrasse sobretudo na proposta legislativa e na execução das decisões daquela assembleia democrática sob a superior coordenação dos conselhos de ministros europeus, quer a nível dos conselhos Chefes de Estado e de Governo, quer a nível dos conselhos de ministros setoriais. Por isso, é que o discurso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no passado dia 13 de abril, tem a sua justificação por fazer vir ao de cima as bases iniciais do projeto europeu e as razões que levaram o Estado Português a acreditar nele e a aderir a ele. Com efeito, não faz sentido que os 30 anos de pertença portuguesa à UE constituam para os portugueses um horizonte temporal com sabor a desilusão e a frustração.
Assim, Marcelo, que foi convidado pelo Presidente do Parlamento Europeu para discursar naquela assembleia um mês depois de ter assumido funções como Presidente da República Portuguesa, chama a este Parlamento a “Casa da Democracia” da e para a Europa. E justifica:
“Casa da Democracia porque a nenhuma outra instituição europeia, e a esta escala, subjazem os princípios da liberdade, da segurança, do humanismo, da participação dos cidadãos, que esta Assembleia – e cada um dos seus membros – representa e garante”.

E, depois de referir que poder estar naquela Casa “é sinal da relevância que a integração europeia assumiu no nascimento e na afirmação da democracia portuguesa”, tece considerações sobre as razões e circunstâncias da integração de Portugal na Europa, assinalando que ela constituiu um “sonho, inseparável da Democracia, da Descolonização, do Desenvolvimento económico e da Justiça Social”. Com efeito, todos os portugueses da geração de Rebelo de Sousa recordam os três objetivos do programa do Movimento das Forças Armadas que enquadrou a revolução abrilina, objetivos conhecidos por os 3 D, que Marcelo reiterou no seu discurso, acrescentando o da Justiça Social, que pautou os esforços de negociações com vista à integração na então Comunidade Económica Europeia.
A este respeito, o Presidente explica as duas razões que motivaram os esforços para a adesão:
“A conversão da ditadura em democracia passava pelo fim do Império, mas não menos pela afirmação da pertença de Portugal à Europa, seu berço geográfico, histórico e cultural. E, mais claramente a partir dos anos 60 do século passado, destino da sua principal emigração e origem e destino do seu comércio”.
E a Europa em que os portugueses acreditavam era a “Europa em si mesma” e aquilo que ela representava “como exemplo de paz, de solidariedade, de crescimento, de equidade social, de vivência cultural” e, ainda, “como incentivo à construção de um Portugal Novo”.
A seguir, enumera algumas circunstâncias marcadamente pessoais, como: a sua integração da primeira delegação universitária às Comunidades, no período revolucionário; a influência europeia na sua atividade de deputado constituinte; a maneira como acompanhou o pedido de adesão, em 1977, as longas negociações até 1985 e “a laboriosa construção da moeda única”; e a viabilização, enquanto líder da oposição, de três orçamentos de um governo minoritário, com vista à entrada do país na zona Euro. E fez ainda referência ao facto de um português ter sido presidente da Comissão e elogiou o trabalho de todos os eurodeputados portugueses.
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No pressuposto de que “as convicções antigas e fortes nunca mudam”, assegura a convicção do “papel insubstituível da União Europeia, na Europa e no mundo” e da fidelidade de Portugal “a esta constante da sua estratégia nacional”. É assim que, ao celebrar-se “o 40.º aniversário da sua Constituição, a carta fundadora da liberdade e da democracia em Portugal”, é de salientar o contributo que “as Comunidades europeias desempenharam na consolidação da democracia portuguesa, bem como a importância do “contributo da União Europeia para o desenvolvimento do meu País e para a melhoria da qualidade de vida do seu povo”. Tendo aproveitado “com êxito os fundos estruturais provindos da Europa, Portugal “modernizou o seu tecido produtivo, qualificou a sua mão-de-obra, construiu infraestruturas essenciais”.
No entanto, o Presidente confessou que, “para se ajustar às regras europeias”, o país deu “em 12 anos os passos” para os quais economias mais fortes tiveram disponíveis mais de 40 anos e, ao mesmo tempo, arcou com as responsabilidades da descolonização a que procedeu em 2 anos, vindo a acolher e integrar “700.000 nacionais e africanos de língua portuguesa”. Por outro lado, apesar de o poder militar ter permanecido no topo até 1982 (ano da 1.ª revisão da Constituição), Portugal saiu duma economia “parcialmente colonial, rural e fechada” para a economia de tipo europeu, globalizada, aberta, reprivatizada e com maior peso de serviços e novas indústrias.
Porém, reconheceu que, dada dimensão do “preço destas mudanças em curto espaço de tempo, “nem a utilização dos fundos comunitários” se revelou suficiente para a consolidação delas.
Depois, a crise mundial e europeia de 2008 e 2009 abateu-se nos seus efeitos sobre um país ainda com “problemas estruturais” sem solução à vista, pelo que, durante três anos e meio, foi objeto de um Programa de Ajustamento, em que intervieram a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Segundo o Presidente, aquela intervenção externa “testou a capacidade histórica dos portugueses para resistirem às crises e aos sacrifícios pessoais de modo a que o equilíbrio financeiros interno e externo pudessem vingar”.
Porém, é discutível o orgulho que diz sentir por alegadamente poder dizer que “a Europa não faltou no auxílio a Portugal e Portugal honrou os seus compromissos, saindo de forma limpa do Programa de Ajustamento”. É que o apoio da Europa não foi justo nem generoso; Portugal honrou os compromissos com sacrifício desmesurado, no falso pressuposto da inevitabilidade; e a saída do programa de ajustamento foi tudo menos limpa, como atestam os factos.
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Sobre o futuro, Marcelo reitera, no alinhamento com o XXI Governo, o desejo do país de “continuar a garantir os equilíbrios financeiros”, enquanto procura “começar a compensar setores sociais mais sacrificados no passado recente”, crendo que, a par das exportações e do investimento privado, “também o consumo das famílias pode criar crescimento e emprego”. A este respeito, sublinha o empenhamento diverso, mas europeísta, dos dois governos, ora secundado “também por partidos de uma outra relevante família europeia, que, até agora, tinham estado fora da área do poder executivo constitucional em Portugal”.
E acentua que, enquanto Presidente de todos os portugueses, embora oriundo de família política diferente da atual maioria parlamentar, sente “que é essencial pacificar, desdramatizar, cicatrizar feridas, reconstruir consensos”. Por isso, a sua mensagem é de “estabilidade, recusa de crises políticas a somar às questões económicas e sociais, procura de convergências alargadas, reforço do sistema financeiro”, bem como “desejo sincero de que tenha pleno sucesso o caminho exigente de compatibilização entre rigor financeiro e preocupações sociais, assentes em crescimento pelo dinamismo do mercado interno”.
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O “europeísta incorrigível” refere que a Europa com que sonha ele e a grande maioria dos portugueses “enfrenta novos reptos”, mais complicados do que os do passado. Por isso, “a reflexão sobre o futuro da União” deve insuflar nova vida ao modelo que “permitiu à Europa viver um período de paz e prosperidade”, inédito na sua História milenar. Pelo que se devem afastar “comportamentos xenófobos”, combater “nacionalismos exacerbados”, rejeitar estéreis chauvinismos, recusar “isolacionismos de outrora”. Para tanto, o debate europeu tem de assentar “num diálogo constante com os cidadãos da Europa” e no respeito pelas “suas legítimas aspirações a viverem num espaço de segurança, liberdade e justiça, a par dum território comum de bem-estar e de solidariedade”. Assim, os líderes europeus e nacionais devem estar atentos “a essas aspirações”, “à vontade manifestada nos termos próprios das nossas sociedades democráticas” e à necessidade de uma “maior pedagogia europeia e proximidade dos cidadãos”.
A Europa tem de “manter-se unida e solidária, interna e externamente, atenta a possíveis chegadas, desejando que não haja partidas”; deve buscar “sempre soluções conjuntas para os efeitos sociais das guerras em zonas vizinhas, nomeadamente no caso dos refugiados”; tem de saber superar “as ameaças do fanatismo religioso e político e do terrorismo”; deve agir “solidariamente perante difíceis contextos e dramáticos efeitos”; deve ambicionar “ter um peso político mundial correspondente ao seu peso comercial”, pelo que tem de fazer ouvir a sua voz e liderar “efetivamente causas universais, como, entre outras, a da transparência financeira e a da justiça ambiental intergeracional”.
A Europa com que sonha Marcelo é a Europa em que a Política e o Direito acompanhem “o ritmo da realidade científica, técnica, económica, social e cultural”; é a Europa “que recupere os povos, os eleitorados, os mais jovens, os esquecidos no termo das suas carreiras profissionais, para uma causa que combata o crescente pessimismo e o oposicionismo militante”; é a Europa que tenha “um projeto portador de liberdade e justiça, democracia e solidariedade, transparência e enraizamento popular”; é uma Europa otimista, que seja símbolo de futuro.
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Não basta que o Presidente do Parlamento Europeu tenha gostado da palavra “solidariedade”, proferida por Marcelo. Importa é que a Europa arregace as mangas e trabalhe como o professor Marcelo ensinou. Não aconteça que ele seja o último dos moicanos a sonhar “Europa”.

2016.04.15 – Louro de Carvalho

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