Chegou
ao seu termo o 36.º Congresso do PSD e a estrutura partidária, embora dotada do
mesmo líder, que fora escolhido previamente em eleições diretas por 95% dos militantes
que votaram, aparece renovada nos elencos de constituintes dos diversos órgãos.
É
certo que alguns nomes nem são consensuais nem gozam do agrado maioritário dos congressistas.
Porém, o que parece merecer maior discussão são as componentes do complexo ideário/práxis.
Passos
Coelho tardou a deixar a postura de primeiro-ministro fictício a percorrer o
país como que a fazer visitas oficiais e a presidir a cerimónias inaugurais. Parece
já ter abandonado a ideia da propalada ilegitimidade do governo em funções, alegadamente
sustentado em geringonça desconjuntável na primeira curva ou a fazer de
caranguejo por parecer andar de lado, como alguns congressistas ainda proclamaram.
E passou, ainda que a manter a descrença na validade e bondade da governação, a
reconhecer que o Governo, suportado pela maioria parlamentar existente, tem
procurado na Assembleia da República a legitimidade que lhe permite a condução
da política portuguesa. A este respeito, admitiu que este é o tempo daquela maioria
e que o PSD não tem pressa.
Quererá
isto dizer que implicitamente se revê nas críticas de alguns congressistas que
apontaram o dedo ao facto de o partido, por exemplo, no Orçamento do Estado,
ter votado contra tudo sem propor qualquer alternativa em matéria alguma, e que
explicitamente aceitou ser esta a hora de a sua formação partidária se
organizar e robustecer como força de oposição e se preparar para assumir a
governação quando a isso for chamada pelo voto popular, a ponto de ter já
desenhado no horizonte eleitoral a pugna pela vitória nas próximas eleições autárquicas.
É óbvio que Passos e o seu estado-maior não esquecem que, a partir de 4 de
abril, o Presidente da República não estará cerceado no poder de dissolução da Assembleia
da República. Todavia, é certo que, neste momento, ninguém deseja eleições
antecipadas, pelo que, enquanto a uns interessa a demonstração da capacidade de
governar, a outros importa a preparação e a capacitação partidária, tarefa que
o CDS entendeu empreender mais cedo. A este respeito, o PSD apenas terá avisado,
em entre linhas, o Presidente de que não pode contar com o partido para o
utilizar em benefício da Presidência.
***
Entre
os críticos que pontificaram no 36.º Congresso, sobressaem José Eduardo Martins, Paulo Rangel e Pedro
Duarte. Das suas intervenções, vieram à tona umas indicações que podem
estruturar-se numa espécie de “pentálogo”: maior
combatividade, maior mobilização,
recusa das reversões, recusa da postura abstencionista e preparação para o exercício das funções governativas.
No atinente à combatividade, a exigência é de uma atitude ativa de “oposição
responsável, séria, não demagógica”, mas “aguerrida, apelativa” (Paulo Rangel) e com “alma, energia, esperança e alegria”, pois “o PSD precisa de força,
convicções e coerência” (José Eduardo Martins).
Quanto à capacidade de mobilização, Martins sustenta que o partido tem de
falar mais do futuro do que do passado e deve mudar de atitude, isto é, precisa
definitivamente de agir e não “passar o tempo atrás da iniciativa alheia”. Nesta
ordem de ideias, Rangel ousou propor “um desígnio para o PSD do século XXI: ser
o partido da mobilidade social”.
Em relação às reversões, Rangel (que acusava de
claustrofobia democrática o ambiente político da era de Sócrates) garante não se poder “assistir ao desmantelamento
de reformas”. E Martins considera que, agora que o PS encostou à esquerda, é de
aproveitar esta “excelente oportunidade para retomar a matriz ideológica socialdemocrata”.
É aqui que o crítico do líder até coincide discursivamente com ele, já que o
lema último do líder é “socialdemocracia sempre!”
No âmbito da não abstenção, Rangel declara que “não vamos renunciar à
oposição se estiverem em causa os interesses vitais de Portugal”, ao passo que
Martins vai mais longe, depois de ter criticado a posição do seu partido na
recente discussão do Orçamento do Estado para 2016, dizendo que o PSD tem de ir
apresentando novas propostas e não se limitar a votar contra tudo.
E, em termos da preparação para o exercício das funções governativas,
Martins refere que o PSD tem de reconquistar a relação de afeto com os mais
velhos, reformados e pensionistas; aliviar a carga fiscal da classe média,
fazendo finalmente a reforma do Estado; retomar a coesão territorial, com um
forte código de incentivos ao investimento no interior; ser menos seguidista do
que foi em relação à UE. E Pedro Duarte quer ver o seu PSD a propor uma “visão
estratégica a cinco, dez ou quinze anos”, tendo ele avançado já com três ideias
em concreto: profunda revisão do sistema
de ensino, choque de inovação nas
empresas e reforço do poder local.
Resta saber em que medida o líder e o seu estado-maior estão realmente disponíveis
para a concretização desta e de outras trilogias e para o desenvolvimento daquele
“pentálogo”.
***
Quanto às pessoas escolhidas os congressistas evidenciaram o seu desagrado
com a promoção feita por Passos Coelho da ex-ministra das Finanças à
vice-presidência do PSD. Com efeito, a lista para a direção do partido foi a
menos votada desde 2012. Em termos de resultados, a lista para a Comissão
Política Nacional obteve 594 votos (80%), o que faz com que esta direção seja a
menos legitimada pelos militantes desde 2012. É um quinto do Congresso que não
se revê na lista. Em Aveiro, em 2014, a lista para a Comissão Política Nacional
fora aprovada com 660 votos (a 85%), mais três do que os 657 que obtivera em 2012 (88%).
De facto, a escolha de Maria Luís Albuquerque para uma
das vice-presidências é muito contestada em vários setores militantes, que não
compreendem porque é que Passos Coelho não corta de vez com o passado virando
uma nova página. Muitos militantes, além das críticas normais ao seu desempenho
como Ministra das Finanças, apontam o processo de esclarecimento por parte da subcomissão
parlamentar de ética pelo facto de ter aceitado um lugar como administradora da
Arrow Global. Se, como afirmou um
deputado, Passos “não a podia deixar cair”, a escolha significa sacrificar os
interesses do partido e, no futuro, do país ao interesse de uma pessoa.
Os militantes menos alinhados com o líder manifestam o
seu desconforto. Assim, José Eduardo Martins, que não exerceu o seu direito de
voto por ter chegado atrasado, admitiu que, se estivesse no lugar de Pedro
Passos Coelho, não a teria escolhido e explicou que o seu voto não teria
influenciado os resultados já que teria votado em branco na lista da direção,
pois não lhe parece “que haja aqui um sinal de refrescamento para uma mudança
de atitude”. Um ex-secretário de Estado disse que “não havia necessidade”. O
ex-dirigente e autarca de Aveiro, José Ribau Esteves declarou que não achava
bem. Pedro Duarte assegurou que “optaria por uma lógica de renovação também nos
protagonistas”.
Entretanto, Pedro Duarte defende que é importante que o PSD
consiga atrair novas pessoas, devendo ter começado pelos dirigentes. E José Eduardo Martins confessou que
esperava ver nomes como os de Miguel Morgado ou António Leitão Amaro a
acompanharem Pedro Passos Coelho na direção do PSD. Admitiu que isso
constituiria, em sua opinião, “um sinal de refrescamento”, dado que, se “a
política vive sobretudo da mensagem”, também é certo que “vive um bocadinho das
pessoas que a protagonizam”.
Não obstante, mesmo estes setores não ficaram muito surpreendidos
com a “promoção” de Maria Luís. Ao longo dos anos de liderança dos
socialdemocratas, Passos Coelho habituou o partido à sua “maneira de ser”, “a
teimosia”, como lhe chama de Santana Lopes, que acabou por comparar, no
Congresso, a personalidade do atual líder socialdemocrata com a de Francisco Sá
Carneiro. Passos é conhecido como o presidente que “ouve muita gente”, mas “acaba
por decidir consigo próprio e pela sua cabeça”. E quanto mais insistem em lhe
apontar o caminho por onde entendem que deve seguir, mais depressa envereda pelo
seu próprio rumo. Assim, a título de exemplo, há
dois anos, decidiu convidar Miguel Relvas para encabeçar a lista do Conselho
Nacional. Os congressistas manifestaram o seu veemente desagrado e a lista obteve
apenas 18 lugares. Desta vez, o lugar de número um do Conselho Nacional foi
para Luís Marques Guedes e a lista obteve a aprovação de 43,5% dos
congressistas (33 lugares).
***
No
seu discurso de encerramento do 36.º Congresso, o líder, depois de pedir o
abandono dos slogans de campanha e de
exigir que o Governo, se quer compromissos, se aproxime, elencou as prioridades
estratégicas do país em torno dos considerados “quatro
problemas muito graves”:
- “Uma demografia em recessão”, a que tem de se contrapor “uma
política que responda ao problema demográfico, [a de] um país mais amigo das
famílias e das crianças”;
- “Um défice muito
importante de competitividade”, que postula uma segunda geração de reformas
estruturais”, à cabeça das quais se coloca a famigerada reforma do Estado
enquanto “forma de libertar o potencial de crescimento da economia portuguesa”;
- “A sustentabilidade
financeira”, que reclama, não a reestruturação da dívida, mas a atração de mais
investidores externos para o país, “para que o país cresça e ganhe alguma
margem de poupança que lhe permite amortizar a divida a níveis superiores aos
previstos”; e
- “As profundas
desigualdades sociais”, que evidenciam ser “preciso rever pedra por pedra a
maneira como se faz a redistribuição do Estado” em setores como a educação, a saúde,
os apoios sociais.
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