quinta-feira, 7 de abril de 2016

Sobre a articulação entre a avaliação das aprendizagens

Muito se tem falado sobre as novas disposições sobre a avaliação externa dos alunos no ensino básico. A este respeito, o ME (Ministério da Educação) – invocando algumas razões de peso, entre as quais o estreitamento curricular a que o mecanismo das provas finais, como estava concebido, estava a conduzir a avaliação externa das aprendizagens e que tentava as escolas a centrar o ensino nas disciplinas que eram objeto de provas finais – anunciou a supressão das provas finais no final do 2.º ciclo e do 3.º. Por outro lado, prometia estabelecer a prestação de provas de aferição em anos intermédios em cada ciclo do ensino básico: 2.º, 5.º e 8.º ano.
Tanto as provas finais como as de aferição alargariam progressivamente o âmbito da sua incidência, não se limitando às disciplinas de Português e de Matemática.
Embora considere a legitimidade desta opção ministerial e a perfilhe na sua globalidade, entendia e entendo que, neste ano letivo, ou não deveria inovação nesta matéria ou então a inovação a fazer era a pura supressão das provas finais no fim dos dois ciclos em causa.
Entretanto, o arrastamento no tempo do mecanismo da produção legislativa atinente à matéria tornou-se excessivo, seja porque o Conselho Nacional de Educação tinha proposto soluções em contrário, seja porque o Conselho de Escolas se pronunciou contra ou levantou dúvidas, seja porque a Presidência da República ousou intervir através da assessoria para a educação. O certo é que o Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril, só entrou em vigor no passado dia 5 de abril, o dia seguinte ao da sua publicação (cf art.º 7.º/1).
E o regime de transição nele estabelecido (art.º 5.º) é totalmente irresponsável. Primeiro, as provas de aferição não são obrigatórias no ano letivo em curso. Estaria de acordo. Porém, tenho de afirmar que obrigar os diretores dos agrupamentos de escolas que, ouvido o Conselho Pedagógico, comuniquem a decisão especialmente fundamentada ao Júri Nacional de Exames até ao dia 29 de abril (o último dia útil do mês da publicação do decreto-lei) significa atirar a responsabilidade da não aplicação das provas para as escolas. Ora, o que justifica a sua não realização é a falta de tempo. Não se pode colocar o carro à frente dos bois. Não é crível que o Governo quisesse que as escolas explicassem aos alunos, aos pais e aos professores as vantagens, os mecanismos e os procedimentos das provas antes da publicação do diploma legal. A lei só tem eficácia depois da publicação. E a aplicação desta é complexa. O ME tem de deixar de brincar com as escolas.
Também quero dizer que, apesar de perceber que o ME queira fazer aferição no 2.º ano para que se possa analisar o estado das aprendizagens neste momento da escolaridade, até porque é proibida a retenção no 1.º ano, parece-me extemporânea a aplicação da prova neste ano, dado que este nível etário se me afigura precoce para aprestação de uma prova. Concordaria com ela no 3.º ano. E reitero a minha preferência pela aplicação das provas de aferição nos anos de escolaridade estabelecidos (3.º em vez do 2.º) pelo mecanismo da amostragem.
Voltando ao regime de transição, admito que fosse em tese possibilitada a sujeição a provas finais de Português e de Matemática no 4.º ano e no 6.º, uma vez que já havia calendário. Todavia, não deveriam ser os professores a elaborá-las nas escolas, embora sob a estruturação plasmada no instrumento informativo fornecido pelo ME. Basta de sobrecarregar as escolas e os professores.
***
Porém, o Decreto-lei vai muito mais além, constituindo uma significativa alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 91/2013, de 10 de julho, e 176/2014, de 12 de dezembro. Assim:
Em todos os artigos onde se lia “conhecimentos a adquirir e capacidades a desenvolver pelos alunos” passa a ler-se “ensino e aprendizagens” ou “ensino e aprendizagem” ou ainda só “aprendizagens”. E, quando se fala em “ensino”, acrescenta-se-lhe “aprendizagem”.
Abandona-se a designação de disciplinas fundamentais e fala-se em “conjunto de disciplinas” e recupera-se a expressão “áreas curriculares”.
Acrescentam-se aos princípios orientadores os seguintes:
“Promoção da capacidade reguladora dos instrumentos de avaliação externa, através da sua utilização com objetivos de aferição da forma como os alunos adquirem os conhecimentos e desenvolvem as aprendizagens essenciais nos diversos domínios curriculares;
Valorização de uma intervenção atempada e rigorosa, sustentada pela informação decorrente da avaliação externa, com objetivos de aferição, no sentido de superar dificuldades nos diferentes domínios curriculares;
Valorização da complementaridade entre os processos de avaliação interna e externa das aprendizagens;
Reconhecimento da importância da avaliação externa para efeitos de certificação e prosseguimento de estudos no final do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário.

Deixam de constar no decreto-lei as metas curriculares.
O artigo 23.º fica redigido nos seguintes termos:
1 – A avaliação constitui um processo regulador do ensino e da aprendizagem, que orienta o percurso escolar dos alunos e certifica as aprendizagens desenvolvidas.
2 – A avaliação tem por objetivo central a melhoria do ensino e da aprendizagem baseada num processo contínuo de intervenção pedagógica.
3 – As diferentes formas de recolha de informação sobre as aprendizagens, realizadas quer no âmbito da avaliação interna, da responsabilidade dos professores e dos órgãos de gestão pedagógica da escola, quer no âmbito da avaliação externa, da responsabilidade dos serviços ou organismos do Ministério da Educação, prosseguem, de acordo com as suas finalidades, os seguintes propósitos:
a) Informar e sustentar intervenções pedagógicas, reajustando estratégias que conduzam à melhoria da qualidade das aprendizagens, com vista à promoção do sucesso escolar;
b) Aferir a prossecução dos objetivos definidos no currículo;
c) Certificar aprendizagens.
4 – Sem prejuízo das especificidades que distinguem os processos de avaliação interna e externa das aprendizagens, no que respeita ao desempenho dos alunos e ao desenvolvimento do currículo, a análise dos dados recolhidos deve valorizar leituras de complementaridade, de modo a potenciar a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem.

A avaliação diagnóstica passa a realizar-se “sempre que seja considerado oportuna, sendo essencial para fundamentar a definição de planos didáticos, de estratégias de diferenciação pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos, de facilitação da sua integração escolar e de apoio à orientação escolar e vocacional” (art.º 24.º B/1, novo; há também novos artigos: 24.º B e 24.º C).
O artigo 24.º passa a ter a seguinte redação
1 – A avaliação interna das aprendizagens, da responsabilidade dos professores e dos órgãos de gestão pedagógica da escola, compreende as seguintes modalidades de avaliação:
a) Diagnóstica;
b) Formativa;
c) Sumativa.
2 – A avaliação externa das aprendizagens, da responsabilidade dos serviços ou organismos do Ministério da Educação, compreende:
a) Provas de aferição;
b) Provas finais de ciclo;
c) Exames finais nacionais.

E recupera-se para a informação resultante da avaliação sumativa a atribuição de menções qualitativas, acompanhadas de uma apreciação descritiva em todas as áreas curriculares do 1.º ciclo. Porém, mantém-se que, nos 2.º e 3.º ciclos, a informação resultante da avaliação sumativa se materializa numa escala numérica de 1 a 5, em todas as disciplinas. 
***
Como se vê, não é pouco. E tão depressa! Ficou o normativo desligado da vinculação anterior a uma certa corrente didático-pedagógica, fazendo-nos voltar facilmente a uma visão mais arejada da ação pedagógica e não impedindo de regressar à conceção do DL n.º 139/2012, de 5 de julho, estribada na aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de capacidades. 
Aliás, nada tenho a  objetar à aprendizagem por competências desde que:
- Não nos atenhamos à noção de competência exigível para o desempenho de funções mecanicistas sem o questionamento dos porquês, como muitos empresários se limitam a exigir. 
- Entendamos a competência como “o conhecimento em ação” ou a “combinatória de conhecimentos, capacidades, aptidões e atitudes apropriadas a situações específicas, requerendo também ‘a disposição para’ e ‘o saber como’ aprender” (Comissão Europeia, 2004).

2016.03.07 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário