Passa
efetivamente hoje, dia 2 de abril, mais um aniversário da morte do Papa polaco.
Como hoje, o dia de semana era também um sábado, véspera da Festa da Divina Misericórdia por ele
instituída, em maio de 2000, com base na experiência espiritual vivenciada na
Polónia sob o impulso de Santa Faustina.
Karol Wojtyła
nasceu em nasceu em Wadowice, pequena localidade do sul da Polónia, a 18 de
maio de 1920. Tornou-se o Papa e, por via disso, o líder mundial da Igreja
Católica a 16 de outubro de 1978, sucedendo ao breve pontificado de 33 dias do
Papa João Paulo I (Albino Luciani), o Papa do sorriso, que tinha sucedido a Paulo VI, o Papa da
contemporaneidade.
Do longo
pontificado do Papa Wojtyła
(o terceiro maior da
História, apenas mais curto do que os dos papas São Pedro, que terá durado 34
anos, e Pio IX, que durou 31 anos), destaca-se a capacidade de união entre povos de diferentes
credos, bem como no impulso às boas relações entre Igreja Católica e judaísmo e
islamismo, as religiões do Livro.
O Papa João
Paulo II visitou 129 países, beatificou 1340 pessoas e canonizou 483 santos.
Esteve em Portugal por quatro vezes: 12 a 15 de maio de 1982;
2 de março de 1983 (escala
técnica no Aeroporto de Lisboa na viagem apostólica à América Central, com
discurso aos portugueses);
10 a 13 de maio de 1991; e 12 e 13 de maio de 2000. Nestas viagens, com exceção
da segunda (uma escala técnica), o epicentro foi o santuário de Fátima:
em 1982, era o 1.º aniversário do atentado que sofrera na Praça de São Pedro,
tendo depois passado por Lisboa, Évora, Coimbra, Braga e Porto; em 1991, era o 10.º
aniversário do atentado e tinha caído o muro de Berlim, tendo o Papa alertado
para os efeitos nefastos de uma nova onda ideológica com base no lucro e no
hedonismo, depois de ter passado pela Madeira e pelos Açores; e, em 2000, era o
ano do jubileu milenar, tendo o Papa procedido à beatificação dos pastorinhos Jacinta
e Francisco e mandado revelar a 3.º parte do segredo fatimita.
Morreu a 2 de abril de 2005, em razão de problemas de saúde
relacionados com a idade, sobretudo respiratórios, e após o notório agravamento
da doença de Parkinson, de que padecia.
O seu
sucessor, o Papa Bento XVI (o alemão Joseph Ratzinger, agora Papa emérito), proclamou-o ‘Venerável’, a 19 de
dezembro de 2009, e ‘Beato’, a 1 de maio de 2011. E o Papa Francisco
inscreveu-o solenemente no catálogo dos santos (canonizou-o) a 27 de abril de 2014 juntamente com são João XXIII, em celebração
solene na Praça de São Pedro com a participação do Papa emérito.
***
O Papa João Paulo II instituiu, como se disse, em maio de
2000, a Festa da Divina Misericórdia,
decretando que o II domingo de Páscoa passasse a denominar-se, a partir de
então, Domingo da Divina Misericórdia.
Esta iniciativa remonta à mensagem das visões de santa Faustina, a apóstola da
Misericórdia, no quadro das quais Jesus
garantiu:
“Neste
dia, estão abertas as entranhas da minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças
sobre as almas que se aproximam da fonte da minha misericórdia. A alma que se confessar
e comungar alcançará o perdão das penas e culpas. Neste dia, estão abertas
todas as comportas divinas pelas quais fluem as graças. Que nenhuma alma tenha
medo de se aproximar de mim.”
Ora, Jesus Cristo não ensinou apenas à Irmã Faustina Kowalska
os pontos fundamentais da confiança e da misericórdia para com os outros, mas
também revelou modos especiais de vivenciar a resposta à sua Misericórdia. O termo
“devoção” significa a fé na garantia do cumprimento das promessas que fazemos;
é a entrega da vida ao Senhor, que é a Misericórdia. E, ao entregar a vida à
Divina Misericórdia, isto é, ao próprio Jesus Cristo, o cristão torna-se
instrumento da Misericórdia para com o próximo segundo o mandamento evangélico:
“Sede misericordiosos como o vosso Pai é
misericordioso” (Lc
6,36).
Também não é Santa Faustina a única apóstola da misericórdia.
Parece que já nos esquecemos da devoção ao Coração de Jesus a partir das visões
de Santa Margarida Maria Alacoque no mosteiro de Paray-le-Monial, no século
XVII. Ora, em 1675, durante a oitava do Corpo de Deus, Jesus manifestou-se-lhe
com o peito aberto e apontando o seu próprio coração com o dedo, proferiu:
“Eis
o Coração que tem amado tanto aos homens a ponto de nada poupar até exaurir-se
e consumir-se para demonstrar-lhes o seu amor. E em reconhecimento não recebo
senão ingratidão da maior parte deles.”
E recentemente a devoção à Divina Misericórdia foi reforçada
pelos apelos feitos por Jesus à famosa mística italiana Mamma Carmela Carabelli.
***
No entanto, sabe-se que a devoção à Divina Misericórdia como
era proposta pela irmã Faustina, foi condenada no pontificado de Pio XII e a literatura
a ela atinente expressamente proibida.
Tudo mudou com o Concílio Vaticano II e o Papa João Paulo II,
além da instituição da festa e da canonização de Faustina, apresentou como segunda
encíclica do pontificado a Dives in
Misericordia. E, no seu n.º 2, o Papa
Wojtyła afirma:
“Deste modo em Cristo e por Cristo, Deus com a
sua misericórdia torna-se também particularmente visível; isto é, põe-se em
evidência o atributo da divindade, que já o Antigo Testamento, servindo-se de
diversos conceitos e termos, tinha chamado ‘misericórdia’.
Cristo confere a toda a tradição do Antigo Testamento quanto à misericórdia
divina sentido definitivo. Não somente fala dela e a explica com o uso de
comparações e parábolas, mas sobretudo Ele próprio encarna-a e personifica-a. Ele próprio é, em certo sentido, a
misericórdia. Para quem a vê n'Ele – e n'Ele a encontra – Deus
torna-se particularmente ‘visível’ como Pai rico em misericórdia”.
Depois, convocou o Ano Santo da
Redenção em 1983, para celebrar a morte de Cristo, o grande ato, o ato por
excelência, da misericórdia, e, para o ano de 2000, o ano jubilar do milénio
sob o signo da confiança e da misericórdia.
Já o Papa João Paulo I, na audiência
geral de 20 de setembro de 1978, se referiu à misericórdia divina:
“E é Ele, o Deus da misericórdia, que acende em
mim a confiança; por isso, não me sinto nem só, nem inútil, nem abandonado, mas
integrado num destino de salvação, que um dia virá a levar-me ao Paraíso.
[…] Deus detesta as faltas, porque são
faltas. Mas, por outro lado, em certo sentido, ama as faltas, enquanto Lhe dão
ensejo de mostrar a sua misericórdia e a nós o de permanecermos humildes e
compreendermos as faltas do próximo e delas nos compadecermos.”
Por sua vez, Bento XVI também
prestou tributo à misericórdia divina por várias vezes. A título de exemplo,
cito palavras suas, da última homilia em 13 de fevereiro de 2013, quarta-feira de
cinzas e já depois de haver anunciado a sua renúncia ao Sumo Pontificado:
“Mas este regresso a Deus é possível? Sim, porque
há uma força que não habita no nosso coração, mas emana do próprio coração de
Deus. É a força da sua misericórdia. Continua o profeta: ‘Convertei-vos ao
Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia’.
A conversão ao Senhor é possível como ‘graça’, já que é obra de Deus e fruto da
fé que depomos na sua misericórdia.”
Mas é o Papa Francisco o grande
apóstolo da misericórdia pelo discurso explícito abundante sobre o tema, pelas
inúmeras iniciativas que pretendem abranger a todos e a cada um, mesmo entre os
não crentes e, sobretudo, pela tentativa de fazer mergulhar esta poderosa espiritualidade
(que não uma espiritualidadezinha) nas diversas e fundas dimensões
bíblicas, daí tirando todas as consequências para a vida das pessoas: na
relação com Deus, nas relações interpessoais, no compromisso com os pobres, na participação na vida pública
e na mudança das instituições e estruturas de injustiça e exploração em plataformas
de justiça social para um mundo de genuína fraternidade.
Quem iria dizer que o Papa apelidado de marxista e subversivo,
com marcada agenda política, económica e ecológica, tem a força para ser o Papa
da misericórdia?
***
Penso ser de meditar serenamente o voto que o confessor
segreda ao penitente e que integra a fórmula da absolvição (a partir da reforma litúrgica conciliar):
“Deus, Pai de misericórdia, que, pela
morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o
Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da
Igreja, o perdão e a paz”.
Quer dizer que a misericórdia se exprime em pleno na morte e
ressurreição de Cristo, se consuma na reconciliação do mundo com o Pai, é obra
do Espírito Santo, tem ao seu serviço a Igreja e o seu efeito prático é o
perdão e a paz. E não podemos esquecer que é no exercício da sua misericórdia e
na concessão do perdão que se evidencia o poder de Deus.
2016.04.02
– Louro de Carvalho
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