quarta-feira, 9 de março de 2016

Custos da saúde são “despesa” ou “investimento”?

Ocorreu, no dia 8 de março, no Centro Cultural de Belém, a abertura da 5.ª Conferência TSF/Abbvie, subordinada ao tema “Sustentabilidade na Saúde”. Nela foi apresentado um estudo feito pela Escola de Gestão e Informação, do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, da Universidade Nova de Lisboa, sobre algumas ocorrências atinentes à área da saúde em termos de factos decorrentes da crise e dos respetivos efeitos.
Segundo o referido estudo cerca de 9% de consultas no SNS (Serviço Nacional de Saúde) e 15% de urgências terão ficado por realizar porque os utentes não tinham dinheiro para as pagar. Com efeito 8,9% de consultas nos centros de saúde e nos hospitais em 2015 não foram realizadas por causa da barreira do preço das taxas moderadoras. A análise também revela que cerca de 15% de episódios de urgências acabaram por não ocorrer em razão do preço das taxas moderadoras, tendo ficado por fazer mais de 5% de exames complementares de diagnóstico.
Se não fosse o entrave do peso das taxas moderadoras, teria havido, em 2015, um acréscimo de 2,8 milhões de consultas com o médico de família nos centros de saúde, de 1,2 milhões de consultas de especialidade hospitalar e de 1,1 milhões de episódios de urgência.
Embora em relação aos medicamentos metade da população considere o preço adequado, mais de 14% dos inquiridos optou por não comprar algum fármaco prescrito em razão do seu custo. 
E, em termos globais, Pedro Simões Coelho, coordenador do projeto Sustentabilidade na Saúde 3.0, releva que o estado de saúde de quase metade dos cidadãos portugueses é por eles considerado “menos do que bom”.
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Os inquéritos mostram que 43% dos inquiridos consideram que o seu estado de saúde tem fortes reflexos negativos na sua qualidade de vida; 45% dizem que o estado de saúde lhes afeta as tarefas diárias; e 46% dizem mesmo que o estado de saúde lhes provoca dor/mau estar ou cria ansiedade/depressão.
Ao nível da influência das perturbações da saúde na vida profissional, dos inquéritos realizados nos primeiros dois meses deste ano sempre em relação a 2015, mais de metade das pessoas terá faltado ao trabalho ou às aulas por motivos de saúde – o que provoca o emagrecimento do orçamento familiar.
Os dias de falta por doença correspondem a perdas de dois mil milhões de euros relativos a salários. Em média, os 500 inquiridos faltaram, em média, 5,4 dias num ano ao trabalho por motivo de doença – o que representa uma perda de dois milhões de euros em salários. Porém, os cuidados prestados no SNS terão permitido reduzir 2,2 dias do número de tempo de absentismo por cada português, o que significa uma não perda de 750 milhões de euros.
O trabalho de investigação da supradita escola da Universidade Nova de Lisboa cria ainda um índice de sustentabilidade do SNS, com base na qualidade, na atividade e na despesa. Segundo o já referido coordenador, entre 2014 e 2015, o índice mostra uma estabilização, com um ligeiro aumento da atividade acompanhado por um ainda mais ténue aumento da despesa e por uma estabilização da qualidade.
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Vistos os efeitos das dificuldades experimentadas em saúde, é de atentar nas causas. E estas, do meu ponto de vista, prendem-se com dois tipos de fatores: o empobrecimento generalizado decorrente da crise; e a postura ideológica que se colocou ao leme da condução dos destinos do país e da Europa a partir de 2008, pelo menos.
Não podemos olvidar o desemprego, a precariedade, as rescisões ditas por mútuo acordo, a falência de empresas, a reestruturação de serviços. Temos de apontar o dedo aos cortes de salários e pensões, ao brutal e múltiplo aumento de impostos e contribuições, à redução das despesas em pessoal, matérias-primas e meios de funcionamento de estruturas e serviços. Temos de verberar os cortes curriculares nas escolas para diminuir o número de docentes. Tudo isto desmantelou a classe média, multiplicou a subtração aos deveres fiscais e de solidariedade, facilitou o encobrimento de rendimentos, aumentou a corrupção ativa e passiva, engrossou o volume dos pobres, colocou muitos à beira da miséria e instaurou o medo e o peso nos ambientes de trabalho.
A ideologia sobrepôs-se à necessidade e à orientação da solução. Em vez de ser a banca e os grandes grupos económicos a arrostar com o ónus da resolução da crise financeira e os seus responsáveis penalizados, a ideologia fez pagar a crise aos Estados. E estes passaram o ónus para os contribuintes – não para todos, mas para aqueles a quem se tornou mais fácil extorquir recursos, scilicet, os trabalhadores por conta de outrem e os utilizadores dos pseudorrecibos verdes ou as pequenas e médias empresas.
Invocou-se a presumível situação de que muitos viviam acima das suas possibilidades, quando houve um orientado aliciamento ao despesismo e ao crédito, e os remediados ficaram a subsidiar obrigatoriamente os ricos. As próprias ações de beneficência, extraordinariamente multiplicadas, enriqueceram os fornecedores de bens essenciais, que não renunciaram à margem de lucro sobre os donativos, e o erário público, pela via do IVA. E os países periféricos, a coberto do estatuto de devedores, foram obrigados a cobrir as lacunas financeiras da grande banca europeia, designadamente a alemã e a francesa, em nome dos deveres para com os credores cujo rosto era a troika.
Como resultado, aumenta a dívida soberana e o défice controla-se à custa da classe média. E os ricos, que são cada vez em menor número, engordam as suas oportunidades. Ademais, os responsáveis pelo descalabro têm privilegiadas possibilidades de se refugiarem onde entenderem, de ocultar as provas dos seus erros voluntários, de invocar as convenientes amnésias ou de preparar a sua defesa pública e judicial.   
***Descrição: https://s.publico.pt/saude/1725529
Mas a ideologia levou o Estado a considerar a saúde e a educação como fonte de despesa, esquecendo o investimento no capital da vida e qualidade de vida e no capital da formação das novas gerações. E os privados espreitaram estes valores das pessoas e da comunidade como oportunidade de negócio, ironicamente com o apoio do Estado quase falido, mas crente nas virtualidades do contribuinte médio – tudo em nome da liberdade de escolha.
Será que as coisas vão mudar com o novo discurso presidencial tão solene, afetuoso e heterocompositivo?
Adalberto Campos Fernandes, Ministro da Saúde, declarou, na conferência referenciada, que, apesar da “escassez de recursos”, as verbas aplicadas na saúde podem revelar-se “um bom investimento, com significativo retorno para a economia”.
O Ministro sustenta que a “melhoria do estado de saúde da população concorre diretamente para a redução do absentismo, para a melhoria da produtividade e para a qualidade de vida” e prometeu que, ainda esta semana, vai ser apresentado o programa para a literacia nos cuidados de saúde. Bem gostava de saber em que consiste esta literacia ou se não será mais um clichê.
No debate, Correia de Campos, antigo Ministro da Saúde ao tempo do PS, apontou a existência de um dilema insanável entre a Saúde e o financiamento. E Pedro Mota Soares, Ministro do Trabalho e Solidariedade Social no anterior governo de Passos Coelho, assumiu que esse dilema não deve afastar a capacidade de reformar o sistema.
O titular da pasta da Saúde, citando o referido estudo da Universidade Nova de Lisboa, considera que os gastos com saúde “não devem ser vistos sempre como uma despesa”. Mais: prevê que as famílias vão, este ano, gastar menos 22 a 24 por cento em taxas moderadoras, relativamente ao ano anterior. Esta redução da despesa a cargo das famílias portuguesas tem a ver com a alteração a introduzir no sistema das taxas moderadoras, que incide em dois aspetos: a redução do seu valor; e a isenção do seu pagamento para doentes referenciados através da Linha Saúde 24. Por outro lado, os doentes referenciados pelos centros de saúde, que até agora não pagavam taxa moderadora nos hospitais, vão continuar isentos e também não vão pagar as taxas referentes aos exames complementares.
Questionado sobre momento do início destas medidas, o Ministro explicou que as mesmas entrarão em vigor após a promulgação e publicação do Orçamento do Estado para 2016. 
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Não era sem tempo. Todavia, vamos ver se estes propósitos não colidirão com as exigências da Comissão Europeia, que nos foi imposta democraticamente, só porque aderimos à CEE há 30 anos, mais tarde à UE e, depois, ao Euro! Tudo sem referendo. Veremos, se o Governo não vai ser obrigado a compensar estas liberalidades vitais e outras com mais impostos ou maior emagrecimento de serviços públicos.
Basta de sujeição ao poder financeiro. Para quando as pessoas acima do dinheiro e da sede insaciável de lucro?

2016.03.09 – Louro de Carvalho

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