Ocorreu, no dia 8 de março, no Centro Cultural de Belém, a abertura
da 5.ª Conferência
TSF/Abbvie, subordinada ao tema “Sustentabilidade
na Saúde”. Nela foi apresentado um estudo feito pela Escola de Gestão e Informação,
do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, da Universidade
Nova de Lisboa, sobre algumas ocorrências atinentes à área da saúde em termos
de factos decorrentes da crise e dos respetivos efeitos.
Segundo o referido estudo cerca de 9%
de consultas no SNS (Serviço
Nacional de Saúde) e 15%
de urgências terão ficado por realizar porque os utentes não tinham dinheiro
para as pagar. Com efeito 8,9% de consultas nos centros de saúde e nos
hospitais em 2015 não foram realizadas por causa da barreira do preço das taxas
moderadoras. A análise também revela que cerca de 15% de episódios de
urgências acabaram por não ocorrer em razão do preço das taxas moderadoras,
tendo ficado por fazer mais de 5% de exames complementares de diagnóstico.
Se não fosse o entrave do peso das
taxas moderadoras, teria havido, em 2015, um acréscimo de 2,8 milhões de
consultas com o médico de família nos centros de saúde, de 1,2 milhões de
consultas de especialidade hospitalar e de 1,1 milhões de episódios de
urgência.
Embora em relação aos medicamentos
metade da população considere o preço adequado, mais de 14% dos inquiridos
optou por não comprar algum fármaco prescrito em razão do seu custo.
E, em termos globais, Pedro Simões
Coelho, coordenador do projeto Sustentabilidade
na Saúde 3.0, releva que o estado de saúde de quase metade dos cidadãos
portugueses é por eles considerado “menos do que bom”.
***
Os inquéritos mostram que 43% dos
inquiridos consideram que o seu estado de saúde tem fortes reflexos negativos na
sua qualidade de vida; 45% dizem que o estado de saúde lhes afeta as tarefas
diárias; e 46% dizem mesmo que o estado de saúde lhes provoca dor/mau estar ou
cria ansiedade/depressão.
Ao nível da influência das
perturbações da saúde na vida profissional, dos inquéritos realizados nos
primeiros dois meses deste ano sempre em relação a 2015, mais de metade das
pessoas terá faltado ao trabalho ou às aulas por motivos de saúde – o que
provoca o emagrecimento do orçamento familiar.
Os dias de falta por doença
correspondem a perdas de dois mil milhões de euros relativos a salários. Em
média, os 500 inquiridos faltaram, em média, 5,4 dias num ano ao trabalho por
motivo de doença – o que representa uma perda de dois milhões de euros em
salários. Porém, os cuidados prestados no SNS terão permitido reduzir 2,2 dias do
número de tempo de absentismo por cada português, o que significa uma não perda
de 750 milhões de euros.
O trabalho de investigação da supradita
escola da Universidade Nova de Lisboa cria ainda um índice de sustentabilidade
do SNS, com base na qualidade, na atividade e na despesa. Segundo o já
referido coordenador, entre 2014 e 2015, o índice mostra uma estabilização, com
um ligeiro aumento da atividade acompanhado por um ainda mais ténue aumento da
despesa e por uma estabilização da qualidade.
***
Vistos os efeitos das dificuldades experimentadas em saúde, é
de atentar nas causas. E estas, do meu ponto de vista, prendem-se com dois
tipos de fatores: o empobrecimento generalizado decorrente da crise; e a
postura ideológica que se colocou ao leme da condução dos destinos do país e da
Europa a partir de 2008, pelo menos.
Não podemos olvidar o desemprego, a precariedade, as
rescisões ditas por mútuo acordo, a falência de empresas, a reestruturação de
serviços. Temos de apontar o dedo aos cortes de salários e pensões, ao brutal e
múltiplo aumento de impostos e contribuições, à redução das despesas em
pessoal, matérias-primas e meios de funcionamento de estruturas e serviços. Temos
de verberar os cortes curriculares nas escolas para diminuir o número de
docentes. Tudo isto desmantelou a classe média, multiplicou a subtração aos
deveres fiscais e de solidariedade, facilitou o encobrimento de rendimentos, aumentou
a corrupção ativa e passiva, engrossou o volume dos pobres, colocou muitos à
beira da miséria e instaurou o medo e o peso nos ambientes de trabalho.
A ideologia sobrepôs-se à necessidade e à orientação da
solução. Em vez de ser a banca e os grandes grupos económicos a arrostar com o
ónus da resolução da crise financeira e os seus responsáveis penalizados, a
ideologia fez pagar a crise aos Estados. E estes passaram o ónus para os
contribuintes – não para todos, mas para aqueles a quem se tornou mais fácil
extorquir recursos, scilicet, os
trabalhadores por conta de outrem e os utilizadores dos pseudorrecibos verdes
ou as pequenas e médias empresas.
Invocou-se a presumível situação de que muitos viviam acima
das suas possibilidades, quando houve um orientado aliciamento ao despesismo e
ao crédito, e os remediados ficaram a subsidiar obrigatoriamente os ricos. As próprias
ações de beneficência, extraordinariamente multiplicadas, enriqueceram os fornecedores
de bens essenciais, que não renunciaram à margem de lucro sobre os donativos, e
o erário público, pela via do IVA. E os países periféricos, a coberto do
estatuto de devedores, foram obrigados a cobrir as lacunas financeiras da
grande banca europeia, designadamente a alemã e a francesa, em nome dos deveres
para com os credores cujo rosto era a troika.
Como resultado, aumenta a dívida soberana e o défice controla-se
à custa da classe média. E os ricos, que são cada vez em menor número, engordam
as suas oportunidades. Ademais, os responsáveis pelo descalabro têm
privilegiadas possibilidades de se refugiarem onde entenderem, de ocultar as
provas dos seus erros voluntários, de invocar as convenientes amnésias ou de
preparar a sua defesa pública e judicial.
***
Mas a
ideologia levou o Estado a considerar a saúde e a educação como fonte de
despesa, esquecendo o investimento no capital da vida e qualidade de vida e no
capital da formação das novas gerações. E os privados espreitaram estes valores
das pessoas e da comunidade como oportunidade de negócio, ironicamente com o
apoio do Estado quase falido, mas crente nas virtualidades do contribuinte médio
– tudo em nome da liberdade de escolha.
Será que as
coisas vão mudar com o novo discurso presidencial tão solene, afetuoso e
heterocompositivo?
Adalberto Campos Fernandes, Ministro da Saúde, declarou,
na conferência referenciada, que, apesar da “escassez de recursos”, as verbas
aplicadas na saúde podem revelar-se “um bom investimento, com significativo
retorno para a economia”.
O Ministro sustenta que a “melhoria do estado de saúde
da população concorre diretamente para a redução do absentismo, para a melhoria
da produtividade e para a qualidade de vida” e prometeu que, ainda esta semana,
vai ser apresentado o programa para a literacia nos cuidados de saúde. Bem gostava
de saber em que consiste esta literacia ou se não será mais um clichê.
No debate, Correia de Campos, antigo Ministro da Saúde
ao tempo do PS, apontou a existência de um dilema insanável entre a Saúde e o
financiamento. E Pedro Mota Soares, Ministro do Trabalho e Solidariedade Social
no anterior governo de Passos Coelho, assumiu que esse dilema não deve afastar
a capacidade de reformar o sistema.
O titular da pasta da Saúde, citando
o referido estudo da Universidade Nova de Lisboa, considera que os gastos com
saúde “não devem ser vistos sempre como uma despesa”. Mais: prevê que as famílias vão,
este ano, gastar menos 22 a 24 por cento em taxas moderadoras, relativamente ao
ano anterior. Esta
redução da despesa a cargo das famílias portuguesas tem a ver com a alteração a
introduzir no sistema das taxas moderadoras, que incide em dois aspetos: a
redução do seu valor; e a isenção do seu pagamento para doentes referenciados
através da Linha Saúde 24. Por outro lado, os doentes referenciados pelos
centros de saúde, que até agora não pagavam taxa moderadora nos hospitais, vão
continuar isentos e também não vão pagar as taxas referentes aos exames
complementares.
Questionado sobre momento do início
destas medidas, o Ministro explicou que as mesmas entrarão em vigor após a
promulgação e publicação do Orçamento do Estado para 2016.
***
Não
era sem tempo. Todavia, vamos ver se estes propósitos não colidirão com as
exigências da Comissão Europeia, que nos foi imposta democraticamente, só
porque aderimos à CEE há 30 anos, mais tarde à UE e, depois, ao Euro! Tudo sem referendo.
Veremos, se o Governo não vai ser obrigado a compensar estas liberalidades vitais
e outras com mais impostos ou maior emagrecimento de serviços públicos.
Basta
de sujeição ao poder financeiro. Para quando as pessoas acima do dinheiro e da
sede insaciável de lucro?
2016.03.09 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário