quarta-feira, 23 de março de 2016

Mediação não significa ingerência

De acordo com o divulgado por vários órgãos de Comunicação social, o Presidente da República, entende que a espanholização da banca portuguesa é nefasta para o país, sendo que a internacionalização da banca deve repartir-se por nacionalidades diferentes. Parece ter visado a exigência europeia de engrossar o capital da banca espanhola à custa da fragilidade do sistema bancário do parceiro ibérico e, em concreto, refrear a apetência do Caixa Banco de monopolizar o BPI contra as pretensões angolanas. E, no contexto da visita ao monarca espanhol, Marcelo referiu que o investimento espanhol em Portugal é bem-vindo e útil, mas não em exclusivo.
No encalço das declarações conhecidas do Presidente, o Primeiro-Ministro, cujas críticas ao Governador do Banco de Portugal são publicamente conhecidas, terá mediado o caso entre os concorrentes ao controlo do BPI e Isabel dos Santos, levando a que esta aceitasse prescindir da participação da sua empresa no capital social do BPI em troca da autorização de participar no capital social do BCP. Tal postura, que tem em conta as relações com Angola parece ser preferível à elaboração de lei que obrigue à desblindagem dos estatutos da banca, evitando que acionista com a participação de 20% possa impedir alteração de estatutos e estratégia do banco.
Passos Coelho, por sua vez, veio a terreiro criticar o Primeiro-Ministro e o próprio Presidente da República por ingerência em assuntos dos privados.
Por outro lado, sabe-se que o BdP (Banco de Portugal) rejeitou o pedido de deputados de PS, BE e PCP, que solicitaram ao supervisor o relatório de avaliação sobre a sua atuação no âmbito do caso BES/GES. O BdP justifica a recusa de entrega aos deputados do relatório, que o próprio supervisor solicitou para avaliar a sua atuação no caso BES, com o argumento do “sigilo bancário”.
O requerimento destes deputados prende-se com a Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Banif, processo que já levou o BdP a facultar diversa informação confidencial, tendo a recusa do relatório sido denunciada por Mariana Mortágua, deputada do BE.
O relatório, elaborado pela BCG (Boston Consulting Group), avalia a atuação do BdP no caso que levou à resolução do BES. É certo que as conclusões desta auditoria foram divulgadas, mas o seu conteúdo concreto não o foi, sob a justificação do “dever de confidencialidade”.
Este argumento não satisfaz os deputados, nomeadamente Mariana Mortágua, entendendo os bloquistas que este relatório é “fundamental” para proceder a uma “avaliação integrada” da atuação do BdP.
Os deputados acreditam que o documento conterá nota de alguma “falta grave” do BdP, o que abriria o caminho a uma saída legítima do governador Carlos Costa, conforme é pretensão da maioria parlamentar de Esquerda, o qual, segundo a lei, só pode ser demitido em circunstâncias muito especiais.
Segundo a deputada do Bloco de Esquerda, face à resposta do BdP, a questão seria discutida na reunião, de ontem dia 22, da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif. O objetivo da reunião era delinear os próximos passos para voltar a pedir este relatório interno do supervisor – que teve o contributo da BCG e que os bloquistas consideram essencial para avaliar o desempenho do supervisor. Mais: segundo Mariana Mortágua, o relatório não pode ser recusado à Comissão de Inquérito ao caso Banif.
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Parece, no entanto, que o problema não é de fácil solução, já que, por força dos Tratados da UE, a soberania Portuguesa e, neste caso, o poder da Assembleia da República, se encontra limitada face à independência e imunidades do Banco Central Europeu e dos Bancos Centrais, que  fazem parte do sistema.
E, como é do conhecimento, ao menos implícito, de todos, o Banco de Portugal não serve necessariamente os interesses de Portugal, a não ser por acaso ou por engano.
O Banco de Portugal faz parte da estrutura do Banco Central Europeu, que não depende de nenhum outro Órgão da União Europeia e tem direitos e imunidades próprias.
Segundo os Tratados, o banco central de um Estado-Membro não pode solicitar uma opinião, qualquer que ela seja, ao Governo do seu país, nem o Governo pode mandar ou solicitar seja o for ao seu banco central.
Assim o Governador do BdP, este ou qualquer outro, embora nomeado pelo Governo, depois de se apresentar ao Parlamento, é um alto funcionário do Banco Central Europeu. E é deste que recebe ordens e instruções a que tem de obedecer. Do Governo Português não pode receber ordens e, mesmo que pudesse, a obediência a elas estava-lhe contraindicada.
No entanto, é sabido que, enquanto membro do conselho de governadores, tem uma palavra a dizer e tem voto na matéria, bem como a capacidade de fazer as suas pressões. Assim o queira.
É óbvio que, como é sabido, as políticas do Banco Central Europeu são tudo menos transparentes e amigas das economias dos Estados-Membros, por mais esforços que faça o atual Presidente do BCE.
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Neste aspeto, acompanho a posição crítica de Marques Mendes. É salutar que Presidente e o Governo envidem todos os esforços no sentido de que a banca não fique enfeudada nem a um país estrangeiro em exclusivo nem fique umbilicalmente dependente do todo-poderoso BCE. Ademais, negociar, mediar e criticar não são formas de ingerência. Ingerência seria tentar por lei alterar, rever, forçar a mudança de estatutos e de estratégia ou pressionar oportuna é importunamente à alteração do status quo.
Quererá o PSD – que não o CDS, pelos vistos – a manutenção dos ditames discricionários do BCE sobre o sistema bancário impedindo o sistema financeiro de cada país de cumprir os seus desígnios nacionais mínimos?
Os tratados nem foram referendados nem são intocáveis, muito menos eternos. Por isso, importa que o país se levante a uma só voz para a real defesa de seus interesses legítimos. Saudando iniciativas de Mario Draghi, as boas, é de rejeitar por absurdas as medidas tomadas pelo seu antecessor, que exigiu que a Irlanda, em 2010, solicitasse o resgate ao Eurogrupo sob pena de – como refere o jornal The Irish Times, de 17 de março – ser travada a “torneira” dos fundos atribuídos aos bancos irlandeses ao abrigo da linha de Assistência de Liquidez de Emergência (conhecida pelo acrónimo ELA). Mais: Jean-Claude Trichet desviou o peso da crise na banca Irlandesa de credores para os contribuintes – lê-se no Jornal de Negócios de 27 de janeiro pp.
Está visto que a inevitabilidade tem laboratório e delegados de propaganda. Até quando?

2016.03.23 – Louro de Carvalho

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