Atualmente
o nosso sistema financeiro parece a barata tonta que nem a competência
psiquiátrica do Presidente da República nem a capacidade negociadora do
Primeiro-Ministro conseguem travar. Às inúmeras debilidades endógenas que
sucessivas gestões danosas e o locupletamento de administradores criaram ao
sistema bancário português adiciona-se a postura, pelo menos aparentemente,
deliberada de duas entidades europeias que de reguladoras passaram a gestoras
com capacidade política de imposição de medidas e soluções. São elas a
Direção-Geral da Concorrência (DGC) e o Banco Central Europeu (BCE). Dizem-se organismos técnicos,
não políticos, meramente cumpridores das leis e dos Tratados. Porém, facilmente
passam do liberalíssimo “laissez faire,
laisez passer” e do imperial posicionamento de quem se diverte com o
espetáculo da velha Roma incendiada ao imperativo “faça-se e já!”.
O
BES (Banco
Espírito Santo) teve
de ir para o sistema de resolução num fim de semana de julho/agosto de 2014,
uma experimentação a fazer com o frágil “bom aluno” da UE, sob pena de lhe ser
cassada a autorização de continuar a funcionar no mercado financeiro europeu logo
desde o primeiro dia útil da semana imediata. O XXIX Governo, que preparou em
tempo-relâmpago a legislação adequada para o BdP (Banco
de Portugal) poder
atuar de imediato, começou por se demarcar da solução, vindo, depois, a negar
reiteradamente qualquer prejuízo para os contribuintes e, bastante mais tarde,
a admitir esse dano colateral, ao menos de forma indireta. O Banco ficou
dividido em BES, o banco mau, para os produtos tóxicos, e Novo Banco, o banco
bom, cujo acionista é o Fundo de Resolução, constituído por um conjunto de
bancos (um
deles, público), ao
qual o Estado emprestou cerca de 4 mil milhões, tirados da fatia da troika
destinada ao apoio à Banca.
O
Banif, que passara por uma significativa ajuda estatal para a recapitalização,
andou de aviso em aviso da Comissão Europeia e de seus órgãos de apoio técnico,
ao ritmo do interesse eleitoral, até que a paciência dos todo-poderosos
gestores da “res” europeia (leia-se:
república financeira portuguesa)
atingiu o limite e, estando-se nas tintas para o concurso em marcha sobre a
compra/venda do Banif, impôs num famigerado fim de semana uma resolução ao
Banif, idêntica, no dizer do Governador do BdP, à encontrada para o BES/Novo
Banco, mas com a obrigação de venda imediata ao Santander Totta. Todavia, dada
a insuficiência do Fundo de Resolução, o XXI Governo, que não se demarcou da
solução nem ocultou o dano para os contribuintes (embora
se comprometesse a minimizá-lo),
teve de entrar com uns bons milhares de milhões a juntar aos que já tinham sido
injetados no Banif para a sua recapitalização. Agora, segundo a última
informação do INE, as contas públicas, por força do desvio forçado de dinheiro
público (mais que o previsto, no imediato) para o Banif, o défice
orçamental e de 2015 cifra-se em 4,4% do PIB e não abaixo dos 3% previstos.
***
Agora,
o que se está a passar com a tentativa do Novo Banco já não é apenas a tontice
de barata, mas a pungente oferta do banco ao domicílio ou ao bater de porta em
porta a cantar “Quem quer casar com a Carochinha?”.
Triste espetáculo, o da venda dum banco cujo valor total de cerca de 50 mil
milhões faria dele nos USA um grande banco!
Com
efeito, no próximo dia 31 de março, Stock da
Cunha (o CEO do
Novo Banco) e Sérgio Monteiro (antigo
Secretário de Estado dos Transportes e assessor do BdP exclusivamente para a
venda do Novo Banco) estarão em
Nova Iorque para início da primeira ronda de contactos com potenciais interessados
na aquisição do Novo Banco, ou seja, com o intuito de angariar investidores interessados
no Novo Banco, o “banco bom”. A paragem seguinte deste roadshow será Londres, entre 4 e 5 de abril. No dia seguinte, voltarão a
Nova Iorque, para no dia 7 rumarem até Boston.
A ideia desta ronda é juntar 30 a 40 grandes investidores,
apresentando-lhes a situação do Novo Banco e o caminho percorrido pela
administração liderada por Eduardo Stock da Cunha para limpar o balanço e
reestruturar a operação, mas também dar explicações sobre a situação
macroeconómica portuguesa. Quer dizer, em prol do negócio, oferecer a confiança
na nossa economia!
Além de Sérgio Monteiro, o CEO do Novo Banco será acompanhado por dois
administradores: o CFO Francisco Cary, responsável pela área financeira; e
Jorge Cardoso, responsável pelo side bank
(constituído pelos
ativos não estratégicos). Também
participarão nas conversações os
novos assessores financeiros que estão na ajuda à montagem da operação: o Deutsche Bank, em representação do
BdP/Fundo de Resolução, e o JP Morgan,
pelo Novo Banco (A remuneração destas instituições será
tornada pública nos próximos dias).
E ficará pelo caminho o BNP Paribas, que deixa de assessorar a operação dado
que tanto o Deutsche Bank como o JP
Morgan têm mais experiência no mercado de capitais.
Segundo o DN e o Expresso on line, a intenção de Sérgio
Monteiro é organizar em consonância e articulação com o BdP, o mais tardar até
julho, uma espécie de IPO (oferta
pública de venda – em Inglês, Initial
Public Offering), dirigida
apenas a investidores institucionais – isto é, uma venda fechada ao retalho.
Porém, não foi revelada a percentagem do Novo Banco a alienar, embora a ideia
seja a da realização de uma
operação de venda de parte minoritária do capital.
Ao invés do sucedido na tentativa de venda, que fracassou em setembro próximo
passado, o fundo de resolução parece querer, desta feita, seguir dois caminhos
em simultâneo: o da dispersão por investidores; e o da tentativa de lançamento
de concurso que possa atrair outros concorrentes com vontade de ficar com uma
parte mais alargada do capital do banco. Da
junção destas duas vias espera-se que resulte alguma concorrência entre as duas
e assim se consiga um melhor preço de venda.
Para divulgar informação, entrará em funcionamento, a
11 de abril, o data room, o centro de
operações que responderá às dúvidas dos interessados, dando-lhes acesso a
informação sobre o balanço do banco, depois de assinados os contratos de
confidencialidade.
Das movimentações referidas, rapidamente se perceberá se até
julho haverá apenas a IPO reservada, com dispersão de uma parte minoritária (provavelmente pouco mais de um terço) do capital ou se aparecerá um
comprador que se posicione com vontade de controlar a totalidade do capital do
Novo Banco.
Terá sido esta a forma encontrada por Sérgio Monteiro para
aumentar o sentido de urgência dos investidores estratégicos e reverter a favor
do fundo de resolução o passar do tempo.
***
Esta roda-viva é motivada pelo facto de a DGC ter imposto a
venda do Novo Banco até agosto de 2017 (sublinhe-se o capricho deliberado da DGC e a imposição de
subserviência da causa nacional ao ditame financeiro europeu). Ora, quanto mais se aproximar
aquela data sem que haja negócio, mais encostado à parede fica o fundo de
resolução, o que baixará o valor vendável do banco. Por isso, a criação
intempestiva desta primeira ronda de contactos exploratórios pode levar os potenciais
interessados na totalidade do capital a decidir-se pela ida imediata a jogo
para não terem de partilhar o ativo no caso do avanço da IPO.
Há, porém, um outro motivo para a aceleração do processo: o
fundo de resolução comprometeu-se a desencadear, até agosto de 2016, todas as
medidas para sair do Novo Banco, tendo, nesse momento, de fazer prova das
diligências feitas nesse sentido. Tal não quer dizer que tenha mesmo de
realizar a venda, até porque o prazo final só caduca um ano depois, em agosto
de 2017, mas, a partir deste verão, o dossiê será analisado todos os três
meses, estando prevista a aplicação de medidas de remediação. Entre estas,
sobressai a obrigação de o banco vender sobretudo ativos internacionais que
ainda detém – caso da operação em Espanha, hoje uma das poucas que não se
encontra à procura de comprador –, se as negociações falharem novamente.
É sabido que piorou, no início deste ano, o ambiente de
negócios, o que pode afetar o valor da transação. Contudo, a limpeza do balanço
do Novo Banco e a criação do side bank,
já mencionados, ajudarão a clarificar a situação do banco, tornando-se mais
acessível aos investidores a compreensão de quanto deverão gastar para
desinvestir no pacote de ativos do side
bank. Recorde-se que nele foram colocados 17 mil milhões de ativos a
vender, dos quais 11 mil milhões até 2020 – imobiliário resultante de dações em
pagamento, a seguradora GNB Vida, a
participação na Ascendi e as
operações internacionais do Novo Banco, menos a de Espanha.
Será de todas as contas a fazer, incluindo estas e as inerentes
às litigâncias, que sairá o preço final a pagar pelo Novo Banco.
***
Só espero que, mais uma vez, a DGC e/ou o BCE não venham a escolher
cirurgicamente uma bela tarde de sexta-feira, seguida de um sábado e domingo de
agosto de 2017, para a imposição da resolução imediata do Novo Banco, com a
obrigação de venda imediata a um banco europeu (Porque não ibérico?) e a subsequente injeção de dinheiro público,
mandando às malvas as diligências do hábil Sérgio Monteiro e do dedicado Stock
da Cunha.
O povo da minha terra tem o seguinte tríplice adágio: Na primeira quem quer cai, na segunda cai quem quer e na terceira cai
quem é tolo. Ora, a história do Novo Banco, como a desenhei, constituiria a
terceira do adágio. Estarão os
governantes dispostos ao grito do Ipiranga de 2017 (à Brasil, no
primeiro quartel do século XIX) em relação
à DGC e ao BCE?
Para já, fiquemo-nos com as declarações do Presidente da República sobre a
matéria na sessão de apresentação de cumprimentos por parte do Governo, que
parecem resposta à crítica de Passos Coelho à recente atuação de “partilha de
funções de Estado”, no dizer de António Costa, “incluindo no que respeita à
estabilização do sistema financeiro”:
“É natural que o Governo, como aliás todos os governos
da União Europeia, nomeadamente da Zona Euro, estejam permanentemente atentos
àquilo que é a garantia da estabilidade do sistema financeiro, nomeadamente
quando essa liberdade envolve processos legislativos ou possa envolver”.
2016.03.24 – Louro de Carvalho
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