É
do conhecimento público o ímpeto inovador do Presidente da República. Algumas
das inovações são fruto da espontaneidade; outras são produto de deliberação
atempada e com objetivos políticos. Sobre as inovações marcelistas já começam
alguns a tirar consequências, que não sei se não passarão de meras hipóteses. Já
fiz o meu juízo de valor sobre a antecipação da divulgação das suas escolhas
para a Casa Civil e para a Casa Militar da Presidência da República, bem como
para o Conselho de Estado, e não me vou repetir.
Sem
consequências políticas me parecem inovações como a chegada a pé ao Parlamento
para a cerimónia da tomada de posse, bem como a escolha do Vaticano como
primeiro Estado a visitar oficialmente e de Espanha, logo em seguida, aliás no
quadro da mesma viagem. No entanto, considero o premente interesse da pronúncia
sobre o investimento de Espanha na banca portuguesa, não sei se com resultados
palpáveis.
Em
relação ao Vaticano, não vejo mal algum na reiteração do convite ao Sumo
Pontífice para visitar Portugal em 2017. Já Cavaco Silva o fizera em 2013 e não
vejo que o Presidente esteja a ultrapassar o Governo nas suas competências, já
que o convite não ultrapassou a modalidade verbal. O convite formal e
protocolar há de ser emanado pelas vias diplomáticas, no âmbito da condução da
política externa que incumbe ao Governo, cabendo à Conferência Episcopal
formular o convite a Sua Santidade enquanto líder da Igreja Católica. E, quanto
ao beijo do anel, já opinei no atinente à postura de igualdade entre os
Estados.
O
prolongamento das celebrações da posse presidencial à cidade do Porto é sinal iniludível
da proximidade e do reconhecimento do norte como peça relevante no
desenvolvimento do país e como fator integrante da identidade nacional em
termos históricos, políticos, sociais e culturais.
De
ambivalente validade foi a presença de cidadãos portugueses de ascendência
estrangeira na receção ao corpo diplomático. Por maiores que sejamos os seus
méritos, a diplomacia não se joga com estes cidadãos. Também esta inovação não
constituiu um sinal claro para o Governo no sentido do estímulo ao reforço dos
recursos humanos e logísticos a nível de embaixadas e de postos consulares nem ao
incremento ao Instituto Camões para a divulgação da língua e culturas
portuguesas.
Do
meu ponto de vista, é contraindicada a celebração do Dia de Portugal de Camões
e das Comunidades fora de Portugal, com a redução ao mínimo das cerimónias em
Portugal, quase restritas a uma parada militar, rumando o Presidente e o
Primeiro-Ministro, de imediato, a Paris (até há pouco tempo
estava também prevista a ida do Presidente da Assembleia da República). Se o Dia de Portugal é
encarado com a importância que se lhe deve, a solenidade das celebrações deverá
ter a centralidade e a abrangência que merece. Não sei mesmo se a presença do
Presidente François Gérard Georges Nicolas Hollande, em vez da lusa postura
provinciana de alinhamento com as autoridades máximas de Portugal em território
francês, não será antes uma forma de afirmação da soberania de França e da sua
hegemonia sobre os povos que alegadamente a França integra. Quero dizer: as
cerimónias de 10 de julho desenroladas no figurino encontrado até agora não se
afiguram insuficientes. Atingem mesmo um nível de integração e abrangência sem se
cair desnecessariamente em ambiguidades. Com efeito, a parada militar, em que
se escuta a voz da hierarquia das Forças Armadas e a do Presidente da República
enquanto seu comandante supremo, seguida do imponente desfile, e a sessão
solene, em que se disserta sobre o tema da celebração da Pátria escolhido para o
respetivo ano e se distinguem cidadãos e/ou grupos que se notabilizaram no
serviço cívico ao país ou às grandes causas, são marcas emblemáticas do Dia de
Portugal a manter e a reforçar. Deveriam era estender-se para além da cidade
escolhida como local das cerimónias e mobilizar as autarquias e as associações
cívicas em todo o país. Quanto às comunidades que vivem e trabalham em diversos
lugares do mundo, seria de reforçar a solenidade celebrativa do dia 10 de
junho, com a presença de representantes do Parlamento, do Governo e mesmo da
Casa Civil da Presidência. Porém, a meu ver, Presidente da República, Presidente
da Assembleia da República e Primeiro-Ministro deveriam estar presentes na
cidade escolhida para as comemorações.
***
Pairou
na Comunicação Social como grande inovação a presença de Mario Draghi,
Presidente do Banco Central Europeu (BCE), e concomitantemente de Carlos
Costa, Governador do Banco de Portugal (BdP), na sessão do Conselho de
Estado marcada para o próximo dia 7 de abril. Quanto a este fenómeno, é preciso
esclarecer que estas duas figuras públicas, que não estritamente de Estado, não
vão participar no Conselho de Estado. O Presidente convidou-as para as ouvir e
não para mais. Não têm direito a voto e não vão interferir na formulação do
parecer ou pareceres do Conselho de Estado. Ninguém diz, por exemplo, que as
entidades que ouvidas no Parlamento, em comissão, participam nas sessões da
Assembleia da República.
Também
a audição de figuras que não integram o Conselho de Estado não é inovação de
Marcelo. Cavaco Silva chamou ao Conselho de Estado Vítor Gaspar, em setembro de
2012, a fim de, enquanto Ministro do Estado e das Finanças, prestar
esclarecimentos sobre a crise da Zona Euro e a situação portuguesa; e Jorge
Sampaio convidou Vasco Rocha Vieira, em julho de 1996, na qualidade de último
Governador de Macau, para fazer ao Conselho de Estado o ponto de situação do
processo de transição do território para a administração chinesa, e quis, ainda
no âmbito do seu mandato, a presença de Jaime Gama, na sua qualidade de
Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, a fim de prestar informações
sobre a situação em Timor-Leste.
O
que é efetivamente inovador é a presença do Presidente do BCE (um
não português) para
falar da situação económica e financeira europeia e do Governador do BdP para
falar da situação económica e financeira portuguesa. Este esclarecimento não
deslustra o papel galvanizador de Marcelo: o responsável máximo do BCE podia
declinar o convite ou fazer-se representar. Por outro lado, significa o
interesse de Marcelo pelas questões europeias e a articulação de Portugal com
as mesmas, bem como a consideração do estado macroeconómico, numa linha de
entendimento e cumplicidade com o Governo e com o Parlamento (os
líderes máximos destes dois órgãos de soberania são membros por inerência do
Conselho de Estado).
É óbvio que nada vai ficar na mesma. A prevalência da política sobre a economia
e finanças é um objetivo claro de Marcelo.
Outro
aspeto inovador a que o Presidente nos quer habituar parece ser o de pretender
explicar-se perante o país sobre a promulgação dos principais diplomas.
Ora,
do meu ponto de vista, esta será a inovação mais perigosa, apesar de não ser um
pioneirismo inovador. Já Cavaco Silva se explicava demasiado sobre as razões
por que promulgava determinados diplomas, sobretudo no caso de diplomas legais ditos
fraturantes, tendo chegado a distinguir entre ética da convicção e ética da
responsabilidade. Ora, segundo a Constituição, o que o Presidente deve
justificar é o veto de diplomas da Assembleia da República e de diplomas do
Governo, devendo fazê-lo em mensagem fundamentada à Assembleia a acompanhar a
devolução do diploma (vd CRP, art.º 136.º, n.º 1) e em informação por escrito ao
Governo, comunicando o sentido do veto, no caso de veto de diploma do Governo (vd
CRP, art.º 136.º, n.º 4).
Só excecionalmente se justificará a promulgação, por exemplo, no caso de a
Assembleia confirmar integralmente o diploma vetado.
Porém,
Marcelo em pouco tempo de mandato já se pronunciou, pelo menos sobre três
diplomas: o da reposição dos feriados, o da avaliação externa no ensino básico
e o do Orçamento do Estado. A este respeito, teria sido melhor o trabalho de
bastidores do que transpirar para a opinião pública, por exemplo, a
interferência explícita do Presidente através da sua assessora para a educação.
Cavaco
Silva, ao contrário de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, que o
fizeram muito esporadicamente, fê-lo inúmeras vezes, sem mais-valias
significativas. Pelo contrário, adicionando essas intervenções a intervenções
informais de efeitos ridículos e catastróficos ou às de efeitos políticos nulos
e, alguns deles, perversos, cansou os portugueses e desacreditou-se.
***
Dir-me-ão
que o estilo de Marcelo é incontornável. Não o creio. Ao falar do Orçamento do
estado, lembrou que tinha prometido falar dele aos portugueses aquando da
promulgação. Depois, o que disse não constituiu novidade. E, se em alguns
aspetos foi positivo por assinalar a marca de estabilidade que ele comporta, a
dimensão social, a índole de compromisso entre as exigências da maioria
parlamentar e as das instituições europeias e o facto de o modelo escolhido ser
inspirador (o que lhe confere uma certa autoridade presidencial), também é verdade que
evidenciou as suas fragilidades, como: a dúvida de resiliência face às
incertezas da crise europeia e mundial, a dúvida sobre a validade das previsões
sobre o crescimento da economia e do emprego, a dúvida sobre a viabilidade da
sua execução e, mesmo, da sua capacidade de manutenção da coligação de
esquerda. É certo que não se referiu expressamente à sorte da coligação, mas
deixou-o subentendido para muitos ao dizer que só em 2017 se veria se o modelo
foi mesmo inspirador, ou seja, se orçamento se tornou exequível (prognósticos
só depois do jogo – disse alguém em tempos).
Ademais, a comunicação ao país revestiu-se de um tom informal, quase
improvisado, que oscilou entre a recordação do professor e a do comentador.
Ora,
o estilo não é tudo, e nas funções de garantia da soberania una e inalienável
do Estado até é muito pouco. Lembro-me de um fã de Marcelo, que lhe solicitava
publicamente se contivesse no (ab)uso da palavra. Também eu penso que
precisamos do Presidente sobretudo quando ele for mais necessário, isto é, em
momento de crise política. E se ele já tiver esgotado o repertório…
É
que o país não precisa de um professor em Belém, já tivemos um. Precisa do
Presidente discreto e a aparecer nos momentos nevrálgicos, quando tudo corre
bem, e mui fortemente interventivo quando as instituições democráticas estão em
funcionamento deficitário.
Todavia,
não concordo com as más-línguas que o apontam como rival do Primeiro-Ministro
em protagonismo político pretendendo torná-lo dependente da presidência.
Marcelo é Marcelo. E ninguém o vai retirar do seu estilo e ambições. É a
política a querer sobrepor-se à economia. Ou será que estaremos condenados a
mais uma primavera marcelista de vã memória?
2016.03.30 – Louro de Carvalho
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