quarta-feira, 30 de março de 2016

A propósito das inovações do Presidente Marcelo

É do conhecimento público o ímpeto inovador do Presidente da República. Algumas das inovações são fruto da espontaneidade; outras são produto de deliberação atempada e com objetivos políticos. Sobre as inovações marcelistas já começam alguns a tirar consequências, que não sei se não passarão de meras hipóteses. Já fiz o meu juízo de valor sobre a antecipação da divulgação das suas escolhas para a Casa Civil e para a Casa Militar da Presidência da República, bem como para o Conselho de Estado, e não me vou repetir.
Sem consequências políticas me parecem inovações como a chegada a pé ao Parlamento para a cerimónia da tomada de posse, bem como a escolha do Vaticano como primeiro Estado a visitar oficialmente e de Espanha, logo em seguida, aliás no quadro da mesma viagem. No entanto, considero o premente interesse da pronúncia sobre o investimento de Espanha na banca portuguesa, não sei se com resultados palpáveis.
Em relação ao Vaticano, não vejo mal algum na reiteração do convite ao Sumo Pontífice para visitar Portugal em 2017. Já Cavaco Silva o fizera em 2013 e não vejo que o Presidente esteja a ultrapassar o Governo nas suas competências, já que o convite não ultrapassou a modalidade verbal. O convite formal e protocolar há de ser emanado pelas vias diplomáticas, no âmbito da condução da política externa que incumbe ao Governo, cabendo à Conferência Episcopal formular o convite a Sua Santidade enquanto líder da Igreja Católica. E, quanto ao beijo do anel, já opinei no atinente à postura de igualdade entre os Estados.  
O prolongamento das celebrações da posse presidencial à cidade do Porto é sinal iniludível da proximidade e do reconhecimento do norte como peça relevante no desenvolvimento do país e como fator integrante da identidade nacional em termos históricos, políticos, sociais e culturais.
De ambivalente validade foi a presença de cidadãos portugueses de ascendência estrangeira na receção ao corpo diplomático. Por maiores que sejamos os seus méritos, a diplomacia não se joga com estes cidadãos. Também esta inovação não constituiu um sinal claro para o Governo no sentido do estímulo ao reforço dos recursos humanos e logísticos a nível de embaixadas e de postos consulares nem ao incremento ao Instituto Camões para a divulgação da língua e culturas portuguesas.
Do meu ponto de vista, é contraindicada a celebração do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades fora de Portugal, com a redução ao mínimo das cerimónias em Portugal, quase restritas a uma parada militar, rumando o Presidente e o Primeiro-Ministro, de imediato, a Paris (até há pouco tempo estava também prevista a ida do Presidente da Assembleia da República). Se o Dia de Portugal é encarado com a importância que se lhe deve, a solenidade das celebrações deverá ter a centralidade e a abrangência que merece. Não sei mesmo se a presença do Presidente François Gérard Georges Nicolas  Hollande, em vez da lusa postura provinciana de alinhamento com as autoridades máximas de Portugal em território francês, não será antes uma forma de afirmação da soberania de França e da sua hegemonia sobre os povos que alegadamente a França integra. Quero dizer: as cerimónias de 10 de julho desenroladas no figurino encontrado até agora não se afiguram insuficientes. Atingem mesmo um nível de integração e abrangência sem se cair desnecessariamente em ambiguidades. Com efeito, a parada militar, em que se escuta a voz da hierarquia das Forças Armadas e a do Presidente da República enquanto seu comandante supremo, seguida do imponente desfile, e a sessão solene, em que se disserta sobre o tema da celebração da Pátria escolhido para o respetivo ano e se distinguem cidadãos e/ou grupos que se notabilizaram no serviço cívico ao país ou às grandes causas, são marcas emblemáticas do Dia de Portugal a manter e a reforçar. Deveriam era estender-se para além da cidade escolhida como local das cerimónias e mobilizar as autarquias e as associações cívicas em todo o país. Quanto às comunidades que vivem e trabalham em diversos lugares do mundo, seria de reforçar a solenidade celebrativa do dia 10 de junho, com a presença de representantes do Parlamento, do Governo e mesmo da Casa Civil da Presidência. Porém, a meu ver, Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro deveriam estar presentes na cidade escolhida para as comemorações.
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Pairou na Comunicação Social como grande inovação a presença de Mario Draghi, Presidente do Banco Central Europeu (BCE), e concomitantemente de Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal (BdP), na sessão do Conselho de Estado marcada para o próximo dia 7 de abril. Quanto a este fenómeno, é preciso esclarecer que estas duas figuras públicas, que não estritamente de Estado, não vão participar no Conselho de Estado. O Presidente convidou-as para as ouvir e não para mais. Não têm direito a voto e não vão interferir na formulação do parecer ou pareceres do Conselho de Estado. Ninguém diz, por exemplo, que as entidades que ouvidas no Parlamento, em comissão, participam nas sessões da Assembleia da República.
Também a audição de figuras que não integram o Conselho de Estado não é inovação de Marcelo. Cavaco Silva chamou ao Conselho de Estado Vítor Gaspar, em setembro de 2012, a fim de, enquanto Ministro do Estado e das Finanças, prestar esclarecimentos sobre a crise da Zona Euro e a situação portuguesa; e Jorge Sampaio convidou Vasco Rocha Vieira, em julho de 1996, na qualidade de último Governador de Macau, para fazer ao Conselho de Estado o ponto de situação do processo de transição do território para a administração chinesa, e quis, ainda no âmbito do seu mandato, a presença de Jaime Gama, na sua qualidade de Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, a fim de prestar informações sobre a situação em Timor-Leste.
O que é efetivamente inovador é a presença do Presidente do BCE (um não português) para falar da situação económica e financeira europeia e do Governador do BdP para falar da situação económica e financeira portuguesa. Este esclarecimento não deslustra o papel galvanizador de Marcelo: o responsável máximo do BCE podia declinar o convite ou fazer-se representar. Por outro lado, significa o interesse de Marcelo pelas questões europeias e a articulação de Portugal com as mesmas, bem como a consideração do estado macroeconómico, numa linha de entendimento e cumplicidade com o Governo e com o Parlamento (os líderes máximos destes dois órgãos de soberania são membros por inerência do Conselho de Estado). É óbvio que nada vai ficar na mesma. A prevalência da política sobre a economia e finanças é um objetivo claro de Marcelo.
Outro aspeto inovador a que o Presidente nos quer habituar parece ser o de pretender explicar-se perante o país sobre a promulgação dos principais diplomas.
Ora, do meu ponto de vista, esta será a inovação mais perigosa, apesar de não ser um pioneirismo inovador. Já Cavaco Silva se explicava demasiado sobre as razões por que promulgava determinados diplomas, sobretudo no caso de diplomas legais ditos fraturantes, tendo chegado a distinguir entre ética da convicção e ética da responsabilidade. Ora, segundo a Constituição, o que o Presidente deve justificar é o veto de diplomas da Assembleia da República e de diplomas do Governo, devendo fazê-lo em mensagem fundamentada à Assembleia a acompanhar a devolução do diploma (vd CRP, art.º 136.º, n.º 1) e em informação por escrito ao Governo, comunicando o sentido do veto, no caso de veto de diploma do Governo (vd CRP, art.º 136.º, n.º 4). Só excecionalmente se justificará a promulgação, por exemplo, no caso de a Assembleia confirmar integralmente o diploma vetado.
Porém, Marcelo em pouco tempo de mandato já se pronunciou, pelo menos sobre três diplomas: o da reposição dos feriados, o da avaliação externa no ensino básico e o do Orçamento do Estado. A este respeito, teria sido melhor o trabalho de bastidores do que transpirar para a opinião pública, por exemplo, a interferência explícita do Presidente através da sua assessora para a educação.
Cavaco Silva, ao contrário de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, que o fizeram muito esporadicamente, fê-lo inúmeras vezes, sem mais-valias significativas. Pelo contrário, adicionando essas intervenções a intervenções informais de efeitos ridículos e catastróficos ou às de efeitos políticos nulos e, alguns deles, perversos, cansou os portugueses e desacreditou-se.
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Dir-me-ão que o estilo de Marcelo é incontornável. Não o creio. Ao falar do Orçamento do estado, lembrou que tinha prometido falar dele aos portugueses aquando da promulgação. Depois, o que disse não constituiu novidade. E, se em alguns aspetos foi positivo por assinalar a marca de estabilidade que ele comporta, a dimensão social, a índole de compromisso entre as exigências da maioria parlamentar e as das instituições europeias e o facto de o modelo escolhido ser inspirador (o que lhe confere uma certa autoridade presidencial), também é verdade que evidenciou as suas fragilidades, como: a dúvida de resiliência face às incertezas da crise europeia e mundial, a dúvida sobre a validade das previsões sobre o crescimento da economia e do emprego, a dúvida sobre a viabilidade da sua execução e, mesmo, da sua capacidade de manutenção da coligação de esquerda. É certo que não se referiu expressamente à sorte da coligação, mas deixou-o subentendido para muitos ao dizer que só em 2017 se veria se o modelo foi mesmo inspirador, ou seja, se orçamento se tornou exequível (prognósticos só depois do jogo – disse alguém em tempos). Ademais, a comunicação ao país revestiu-se de um tom informal, quase improvisado, que oscilou entre a recordação do professor e a do comentador.
Ora, o estilo não é tudo, e nas funções de garantia da soberania una e inalienável do Estado até é muito pouco. Lembro-me de um fã de Marcelo, que lhe solicitava publicamente se contivesse no (ab)uso da palavra. Também eu penso que precisamos do Presidente sobretudo quando ele for mais necessário, isto é, em momento de crise política. E se ele já tiver esgotado o repertório…
É que o país não precisa de um professor em Belém, já tivemos um. Precisa do Presidente discreto e a aparecer nos momentos nevrálgicos, quando tudo corre bem, e mui fortemente interventivo quando as instituições democráticas estão em funcionamento deficitário.
Todavia, não concordo com as más-línguas que o apontam como rival do Primeiro-Ministro em protagonismo político pretendendo torná-lo dependente da presidência. Marcelo é Marcelo. E ninguém o vai retirar do seu estilo e ambições. É a política a querer sobrepor-se à economia. Ou será que estaremos condenados a mais uma primavera marcelista de vã memória?
2016.03.30 – Louro de Carvalho


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