Decorreu
ontem, dia 29 de fevereiro, na Escola de Comunicação Social, em Lisboa, a
conferência “Comunicação Social – de
Emídio Rangel aos tempos de hoje” para assinalar os 28 anos da TSF. Sendo
de inteira justiça a referência à memória e ação de Rangel, falecido a 13 de
agosto de 2014, no âmbito da comunicação social, a conferência reveste-se de
grande interesse hoje pela visão contraditória perfilhada pelos intervenientes,
de que se destacam: Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente eleito; Carlos Magno,
presidente da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação
Social); José
Pacheco Pereira, historiador e comentador; e Daniel Proença de Carvalho, chairman
do Global Media Group.
A
visão mais otimista foi, sem dúvida, a de Proença de Carvalho:
“Vivemos
um período de total liberdade de expressão e pluralismo a todos os níveis e,
hoje, todos os quadrantes políticos e ideológicos se manifestam e os meios de
Comunicação Social exprimem essas várias correntes”.
Ao
invés, Pacheco Pereira vê o atual jornalismo com um olhar bem pessimista,
apontando “falências significativas” à forma como a informação é fornecida ao
público. Critica também algumas opções editoriais por apostarem
preferencialmente na “espetacularidade” em detrimento do “serviço que interessa
às pessoas”, assegurando não pensar “que haja um sólido pluralismo na
Comunicação Social”.
Por
seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa, que fez o discurso de abertura, afirmou que
Emídio Rangel, movido por uma notável “visão de mudança” e percebendo “o que
estava a mudar na Comunicação Social em Portugal”, conseguiu criar “uma nova
realidade na rádio e na televisão”. Com efeito, bem sabemos como foi inovador o
modo de fazer rádio na TSF, estação que fundou ou o papel determinante que teve
no devir da RTP e da SIC.
Porém,
quanto à situação atual dos meios de Comunicação Social, Marcelo não tem
dúvidas: o panorama “é agora muito mais difícil do que era há 20 ou 30 anos
porque há uma componente financeira e económica poderosíssima e que está a
condicionar a Comunicação Social em vários países”. E, como é óbvio, Portugal
não pode arvorar-se em oásis no meio deste deserto de mediocridade, penso eu, e
imune às tendências da época e do mercado.
Por
outro lado, o ex-comentador televisivo, sublinhando o encerramento de vários
jornais nos últimos anos, por motivos predominantemente económicos, considerou
que “é preciso heroísmo para continuar o percurso na Comunicação Social porque
novas realidades apareceram”. Depois, reiterou a essencialidade deste poder
para a democracia.
Carlos
Magno, por sua vez, equacionou a problemática da necessidade de “refundar o
jornalismo”, justificando:
“É
preciso dizer que o jornalismo de cidadãos é uma treta e que o jornalismo é uma
atividade profissional que custa dinheiro, exige investimento e tem de ter uma
ética, um código de conduta e tem de ser remunerado”.
No
encerramento, João Soares, Ministro da Cultura, lembrou “a revolução” que Rangel iniciou com a TSF e lamentou
“que ele cá não esteja, para fazer a revolução que precisamos de fazer quanto à
situação que temos no nosso país”. O atual detentor da pasta da Cultura
salientou a necessidade de respeitar a memória de Rangel.
Acresce ainda referir que, para falar
de memórias, das que têm partilhadas com o fundador, estiveram presentes os
antigos diretores da TSF Carlos Andrade, David Borges e José Fragoso; e ainda o
diretor que acaba de deixar o cargo, Paulo Baldaia, e o sucessor, David Dinis.
Também as filhas de Emídio Rangel estiveram na conferência.
E, em memória do fundador da TSF,
foram instituídos dois prémios para incentivar o jornalismo: o Prémio Emídio Rangel e o Prémio
Emídio Rangel Carreira.
O Prémio Emídio
Rangel vai, a partir de setembro, distinguir o “trabalho feito nas rádios
locais, nas rádios dos países africanos de língua oficial portuguesa e nas
universidades”. O júri será composto pelos ex-diretores e diretor da TSF, pelo
jornalista Fernando Alves (o mentor da iniciativa) e também por Ana Rangel, filha
do fundador desta rádio.
O Prémio Emídio Rangel
Carreira será atribuído de quatro em quatro anos e distinguirá um(a)
jornalista cujo percurso profissional se tenha destacado. Daniel Proença de
Carvalho, Miguel Sousa Tavares, José Pacheco Pereira e Vicente Jorge Silva
serão os elementos do júri a quem caberá decidir a atribuição desta distinção.
***
Confesso não perceber aonde Proença de Carvalho foi beber a
bebida inebriante do seu otimismo em relação aos nossos jornais, rádios e
estações televisivas. Muitos fecharam, outros foram “reestruturados” (com as consequências que daí advêm) e o pluralismo de que fala o
ilustre advogado vê-se nas redes sociais (algumas com linguagens bem destravadas) e nalguns periódicos on line. De resto, só aceito o
pluralismo “proençano” se olhar para o país com os olhos fixos exclusivamente
nos artigos 37.º e 38.º da CRP que rezam, respetivamente:
Sobre a “liberdade de
expressão e informação”
1. Todos têm o
direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela
imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se
informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício
destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de
censura.
3. As infrações
cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais
de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua
apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade
administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as
pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e
eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a
indemnização pelos danos sofridos.
Sobre a “liberdade de
imprensa e meios de comunicação social
1. É garantida a
liberdade de imprensa.
2. A liberdade de
imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas
e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação
editorial dos respetivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem
natureza doutrinária ou confessional; b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de
informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem
como o direito de elegerem conselhos de redação; c) O direito
de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização
administrativa, caução ou habilitação prévias.
3. A lei
assegura, com caráter genérico, a divulgação da titularidade e dos meios de
financiamento dos órgãos de comunicação social.
4. O Estado
assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante
o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das
empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de
forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente
através de participações múltiplas ou cruzadas.
5. O Estado
assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de
televisão.
6. A estrutura e
o funcionamento dos meios de comunicação social do setor público devem
salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais
poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto
das diversas correntes de opinião.
7. As estações
emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante
licença, a conferir por concurso público, nos termos da lei.
***
Proença
não se lembra (?) das diversas pressões, por via direta ou indireta, de
titulares de cargos públicos sobre órgãos de Comunicação Social, jornalistas e
pivôs de serviços noticiosos e chegando à demissão de alguns e à supressão de
programas ou mudança intempestiva do seu figurino. Depois, não vê que o
encerramento e reestruturação de órgãos de comunicação resultam de
insuficiência ou mesmo penúria económica, nem vê a tendência para a concentração
de órgãos de comunicação num conjunto cada vez mais reduzido e poderoso de uns
tantos grupos económicos, alguns de proveniência estrangeira. Os números 4 e 5
do art.º 38.º estão em perigo constante.
Nem
Marcelo Rebelo de Sousa ignora o poder cada vez mais crescente dos grupos
económicos que estiolam e asfixiam a Comunicação Social ou a sujeitam aos seus
interesses estratégicos, predominantemente económicos, mas com implicação
política, quer queimando em lume brando o poder instituído quer minando o
terreno para que outrem o tome (ele próprio passou por
consequências disso).
A título de exemplo, pergunto-me quais os jornais, nomeadamente os ditos de
referência, que verdadeiramente ostentavam uma linha de oposição ao XIX Governo
ou quais os que hoje não têm um alinhamento editorial de franca contestação ao
tratado da geringonça. Concorde-se
com um governo ou discorde-se dele, não é normal um governo fazer tudo mal ou
tudo bem! E os dois lados devem ter expressão clara.
Por
outro lado, já me farto dos órgãos independentes que atuam junto dos meios de
comunicação social do setor público ou da propalada independência e autonomia
dos seus conselhos de administração. Tal não passa habitualmente de hipocrisia
encapotada ou de subserviência travestida de interesse público!
No
atinente à liberdade de expressão e de informação por parte dos cidadãos,
pergunta-se se os jornais, além do magro espaço de cartas aos diretores,
sujeitas a restrições e cortes, e os programas de rádio e televisão interativos,
com fortes limitações, têm efetiva liberdade de expressão. E, mesmo que não
haja censura política ou exame prévio, todos sabem como os jornalistas são peados
no seu profissionalismo pelo diretor pressionado pela administração ou pela oportunidade
– censura interna que pode conduzir à precariedade ou ao desemprego.
Depois,
não sei se é o estatuto editorial ou se é o desígnio das audiências e venda de papel
tornado praxe estatutária que, a coberto do jornalismo de investigação, tantas
vezes de grande utilidade, se substitui à justiça fazendo gato-sapato do segredo
de justiça e condenando ou absolvendo na praça pública os suspeitos. Por outro
lado, a cada passo, os repórteres sujeitam a inquérito deprimente vítimas, sinistrados
e pessoas comuns que vivem dramas existenciais, expondo-os publicamente de forma
despudorada e desnecessária.
Finalmente,
concordo que o jornalismo precise de ser refundado com vista à independência
face aos poderes, no rumo da objetividade, regulado sobretudo por sustentáveis códigos
de conduta, servido e dirigido por competentes profissionais, mas abrindo as
suas portas à colaboração de pensadores de referência e à participação real do
público. Todavia, não posso aceitar que o jornalismo de cidadãos seja pura e simplesmente
conversa da treta, já que, por um lado, são os cidadãos que suportam, como
destinatários, pagantes e fonte de informação, o jornalismo profissional, por
outro, bem sei do importante papel dos amadores periódicos locais e boletins
regulares de associações e outras coletividades na informação, formação, promoção
e entretenimento.
Assim,
deixo para reflexão dois pontos. Contrario como aplicável ao jornalismo o aforismo
latino, “De miminis non curat praetor”
e recordo o adágio português, “O trabalho
do menino é pouco, mas quem o despreza é louco”.
2016.03.01 – Louro de Carvalho
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