O Presidente da República manifestou a sua concordância com as
diligências do Primeiro-Ministro em relação ao pretenso equilíbrio entre o peso
dos espanhóis na banca em Portugal e o de outros países, nomeadamente Angola.
Por outro lado, em Espanha, por ocasião da sua visita de Estado àquele país,
declarou que o investimento espanhol em Portugal é bem-vindo, desde que não
exclusivo.
Ora, se o peso espanhol na economia portuguesa, sobretudo no
sistema financeiro, se torna incómodo, há que nos interrogarmos sobre se o peso
de investidores de outras economias não será tão incómodo ou mais. Parece que
os interventores na construção da opinião pública, a não ser aqueles que estão,
ideológica ou pragmaticamente, contra as privatizações, não deitaram as mãos à
cabeça quando capitais de outros países se apoderaram, pela via da compra, de
muitas das importantes empresas estratégicas portuguesas. Veja-se o caso da EDP
e da REN, entregues a grupos empresariais chineses, ligados direta ou
indiretamente a um Estado de economia planificada e com a propriedade dos
principais meios de produção e distribuição. Veja-se o caso da ANA-aeroportos
de Portugal, que foi alienada a um grupo francês, ou a PT, que acabou por ir
parar às mãos de um investidor francês, embora com um forte peso empreendedor
de português. Veja-se o caso dos investidores angolanos, que se infiltraram em
muitos setores da atividade, designadamente na banca, na comunicação social,
nas telecomunicações, etc. Será que a origem duvidosa dos capitais angolanos, o
desrespeito pelos direitos humanos ou a falta de democracia constituirão motivo
suficiente para que se lhes torça o nariz, sobretudo se não forem exceção na
submissão à supervisão, regulação e, quando for o caso, à justiça dos
portugueses? E que dizer da dispersão de capital de empresas em bolsa, como
aconteceu com os CTT, não se sabendo onde fica a morar o centro de decisão? O
mesmo se pergunte da venda a empresas fundos de investimento mobiliários ou imobiliários.
Depois, até parece que a invasão espanhola à economia portuguesa
começou só agora, esquecendo todos os antecedentes relativos a empresas, à
banca e mesmo a encomendas de materiais para uso de elementos de estruturas e
forças encarregadas do exercício de funções decorrentes da obrigação de
assegurar a soberania (por exemplo, fardamento policial)!
***
Parece que o grande peso dos espanhóis na banca em Portugal ganhou
agora visibilidade polémica, podendo vir mesmo a dar origem a manifesto a divulgar
entre 4 e 10 de abril. Porém, esta postura está longe de ser consensual, o que
poderá a alterar a natureza e a fisionomia do documento, omitindo as
referências explícitas a Espanha ou aos espanhóis. É que não está em causa
unicamente a espanholização, mas também a dispersão não controlada de capitais,
a sua disseminação anónima e, nalguns casos, a sua concentração e até
monopolização.
A este respeito, é de recordar que, no início do século, mais
precisamente há 14 anos (2002), cerca de 40 empresários portugueses subscreveram o denominado
“Manifesto dos 40” para defender a manutenção dos centros de decisão empresarial
em Portugal. Entretanto, muitos deles cedo mandaram às malvas o manifesto e os
seus objetivos, colocando as sedes dos seus grupos empresariais fora do país,
onde a carga fiscal é menor, a estabilidade fiscal é constante e a justiça
célere. Outros pura e simplesmente venderam a quem deu mais e/ou em melhores
condições. Como se vê, o patriotismo nos tempos atuais, para alguns, é de mera
oportunidade.
Sobre o predito manifesto, a ser divulgado na primeira semana
inteira de abril, o economista João Salgueiro, um dos nomes associados a este
movimento, disse à SIC Notícias, para quem quis ouvir, que se trata de mera
especulação, referindo expressamente, “Eu
não conheço isso, não aceito essa lengalenga da espanholização”. E, Alexandre
Patrício Gouveia, outro dos nomes associados ao movimento e administrador do
grupo espanhol El Corte Inglés,
declarou ao Expresso que
não é sua intenção promover nem subscrever o dito documento.
Pelos vistos, o Expresso quis saber da posição de alguns dos
subscritores do “Manifesto dos 40”. A isto, Alexandre Soares dos Santos, até há
pouco o líder da “Jerónimo Martins”, ainda controlada pela família, respondeu
que hoje tem “muita dificuldade em assinar manifestos desta natureza”, uma vez
que “as coisas mudam com muita velocidade”, pois “o mundo hoje é cada vez mais
aberto”. E Jardim Gonçalves, que presidia, em 2002, ao BCP, entende que “não
deveríamos referir determinada origem do capital, mas, sim, assegurar a
soberania para poder acolher esse mesmo capital”, acreditando que “isso ainda é
possível”.
Por seu turno, o empresário Neiva de Oliveira, já na reforma,
parece não estar muito preocupado com a ‘espanholização’ da banca, mas lamenta
que o investimento, sobretudo no setor financeiro, “não tenha outras origens,
designadamente a partir de uma base portuguesa”, reconhecendo que não se pode
lutar contra a realidade.
Também o presidente da “Amorim Turismo”, Jorge Armindo, crê ser
“fundamental continuar a defender os centros de decisão em Portugal”. No
entanto, no concernente à discussão da ‘espanholização’, recusa-se a “assumir
uma postura contra a entrada de outros bancos europeus em Portugal”. E o presidente
da “Riopele”, o empresário José Alexandre Oliveira, vê um problema, neste
momento, “potencialmente muito maior do que no passado”, mas mais que a
espanholização da banca preocupa-o “a tendência crescente para a sua
concentração”, o que “é extremamente perigoso e vai ter consequências no tecido
empresarial”. Porém, não se vê, de momento, a assinar um manifesto.
Por sua vez, António Nogueira Leite diz que não conhece o manifesto
que está em preparação. De qualquer modo, em princípio não subscreve “mais
manifestos desse tipo”. E considera que, se “é certo que nem todo o dinheiro é
igual”, também é certo que “o capital tem de ter várias origens”. E Ludgero
Marques, da “CIFIAL” e antigo presidente da Associação Empresarial de Portugal,
assume “a espanholização da banca” como “uma preocupação”. Depois, considera
que “é muito desagradável para todos nós, que trabalhamos para ter banca, ver
desaparecer tudo”. No respeitante à assinatura de um novo manifesto, mostra
algumas reticências porque já se retirou “dessas guerras”.
Ao invés, o ex-presidente da CIP, Francisco van Zeller, opina que,
naquele tempo, ainda valia a pena debater a causa dos centros de decisão
nacionais, “mas eles foram embora e já não há nada a fazer”. Porém, declarou-se
receoso de “um excesso de ‘espanholização’ da banca”, pelo que aceita
subscrever o manifesto. Sustenta que há um limite “a partir do qual se perde a
liberdade de decisão” com efeitos lesivos do tecido empresarial. E ainda diz da
sua revolta “pela interferência do BCE”, que nos empurra “para os braços dos
bancos espanhóis”.
Também o economista Miguel Beleza tem como “perigoso” o facto de “a
banca portuguesa ficar toda nas mãos da banca espanhola”, dado que “os
interesses não serão os das empresas portuguesas, mas sim os das empresas
espanholas”. Por isso, “assinaria este manifesto com certeza”.
Por sua vez, o empresário Ilídio Pinho reafirma que “é fundamental
manter os centros de decisão em mãos portuguesas” para que o país não dependa
dos ditames alheios. Verifica o peso enorme do poder espanhol na banca, que, em
seu entender, “está no limite do aceitável e corre o risco de se tornar
excessivo”. É “uma situação preocupante” que choca com a autonomia de decisão e
a confiança dos investidores que tem por essenciais. De facto, como “os grandes
bancos ibéricos estão em Espanha, há uma ameaça séria de que o centro de
decisão do sistema financeiro português fique em Madrid”. Refere que assinará o
manifesto se ele traduzir estas suas preocupações.
***
Ora, o “Manifesto contra a espanholização da banca”, que recentemente
começou a ser falado, reflete as críticas à forma como o BdP (Banco de Portugal) tem supervisionado e regulado
a atividade bancária e ao papel que o BCE (Banco Central Europeu) desempenha no processo
de consolidação do setor na Europa, bem como a crítica às imposições da
Comissão Europeia, através da Direção-Geral da Concorrência, que, no âmbito dos
processos de resolução bancária, impõe e parece continuar a querer impor a
venda de bancos portugueses a bancos espanhóis de referência. Se calhar, não
havia necessidade nem seria este o único caminho.
No entanto, uma iniciativa destas peca por defeito em termos da
visão total das coisas. O mal não é só a espanholização. O fenómeno é múltiplo,
como acima se adiantou. Por outro lado, o documento pouco interessará, se não
trouxer consigo um arrepio de caminho em relação à postura assumida até agora
pelos decisores políticos e pelos administradores das empresas.
Assim, a promiscuidade entre negócios e política ou a entrega da
autoria material das leis a sociedades de advogados e outros lóbis
empresariais, de modo que os membros do Governo e/ou os deputados se limitem a
pôr o visto e a fazer a cerimónia da discussão e aprovação, são factos que têm
de cessar. O Estado tem de se munir dos peritos e técnicos suficientes para o
exercício da soberania. Seria admissível que Presidente e tribunais remetessem
as leis a escritórios de advogados, de economistas ou de engenheiros antes da
promulgação ou julgamento?
E, embora seja de saudar a postura de Marcelo e de Costa nesta
matéria, ela é insuficiente e de não improvável ineficácia; há que lançar mãos
à obra, como diz Jardim Gonçalves, “assegurar a soberania” para poder acolher
os capitais de diversas origens. Para tanto, é preciso crer que isso é possível
e verificar com verdade que não tem havido em Portugal capital disponível para
assegurar o controlo das empresas e, em especial, da banca. Por outro lado, há
que lamentar que os bancos entregues total ou maioritariamente a portugueses (CGD, BPN, BPP, BPA, CPP,
BES, Banif…)
levaram financeiramente o país aonde o levaram sem necessidade de
espanholização.
Faltou, para assegurar a soberania, a legislação clara sobre
regulação e supervisão bancária e do mercado e valores mobiliários, justiça
célere e eficaz, sempre que necessário, e maior alinhamento fiscal com a Europa
e, em especial com a Espanha.
E nada disto teria sucedido se a UE, sobretudo a Zona Euro, fosse
a Europa dos Estados e a Europa dos cidadãos, com união política, financeira,
bancária, económica, diplomática e militar.
2016.03.29 –
Louro de Carvalho
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