domingo, 6 de março de 2016

Olhares sobre… a Educação

No âmbito da agenda da Nova Ágora, decorreu, a 4 de março, em Braga, no Grande Auditório do Parque de Exposições de Braga (PEB), um debate sobre o tema acima enunciado sob a moderação de Fátima Campos Ferreira e com as intervenções, como oradores, de António Guterres, ex-primeiro-ministro, e Laborinho Lúcio e Marçal Grilo, respetivamente ex-ministros da Justiça e da Educação, frente a uma plateia de cerca de mil pessoas. Este debate sobre a atualidade da educação foi precedido pela atuação do Coro Manuel Giesteira, que encantou a vasta audiência. A Arquidiocese de Braga, que justificara a mudança de local com o “aumento exponencial de inscrições”, declarou que “a noite superou todas as expectativas”.
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O ex-Ministro da Educação optou, antes de oferecer o seu olhar pela educação, por caraterizar e contextualizar o estado do país. A este respeito, salientou a crise que perpassa o país criando problemas muito complexos”, sem que se haja acertado na via para “uma qualquer solução traduzida em resultados concretos, perceptíveis para a maioria dos cidadãos”. Assim, nos últimos anos e sobretudo desde “a profunda crise que abalou o mundo da Europa a partir dos anos de 2007/2008”, Portugal entrou em fase de enorme turbulência, em que forças políticas e agentes económicos tardam a encontrar  a rota do desenvolvimento do país.
Verberando os acordos políticos e posições que têm ocupado “a esfera comum” nestes anos e frisando que o confronto não é capaz de levar a soluções, declarou:
“[…] Em vez do diálogo construtivo que todos aguardávamos, se contrapuseram confrontos inúteis e desnecessários, que a nada conduziram. Quando o país mais necessita de entendimentos e compromissos entre diferentes posições […], assistimos ao extremar de argumentos que levam à divergência, ao afastamento, à perda de tempo e ao desperdício de oportunidades quanto à trajetória que nos possa levar a soluções de problemas.”
De acordo com o orador, o país precisa duma estabilidade política traduzível no cumprimento das legislaturas e no estabelecimento de compromissos atinentes a políticas públicas em áreas sensíveis que não devem estar sujeitas a alterações significativas quadrienais que ponham em causa aspetos essenciais que afetam a vida das pessoas e das instituições. Explicitou que a ausência de acordo levou o país a soluções de curta duração adotadas por quem faz crer que a fórmula que existia para resolver os problemas era errada e que o que importa é fazer diferente para o futuro, tornando-se o diferente a garantia de solução mágica e definitiva dos problemas. E deu como exemplo os curricula, programas, métodos de avaliação, sistemas de colocação de professores, descentralização e delegação de competências e níveis de autonomia das escolas.
Reconhecendo a impossibilidade de abordar todas as questões de relevo para o setor educativo durante a sua intervenção, manifestou algumas preocupações prioritárias: 
A primeira refere-se à importância e prioridade a atribuir à educação e formação dos mais jovens, já que o desenvolvimento económico, cultural e social da sociedade está intimamente relacionado com as capacidades, conhecimentos e atitudes de cada um perante a vida e os desafios que tem de enfrentar. Porém, não basta que país e regiões tenham recursos humanos qualificados: há mais fatores a condicionar o desenvolvimento, desde a estabilidade política e o equilíbrio das contas públicas, passando pelo sistema de justiça, pelo regime fiscal, por sistemas de “financiamento robustos” ou “pela existência de infraestruturas básicas”. Todavia, “se não se dispuser de novas gerações qualificadas e dinâmicas”, inovadoras e criadoras de oportunidades novas para novos produtos e serviços, não se logram “as condições que favorecem a criação de riqueza e de emprego, o aumento das exportações e a melhoria das condições de vida”. Além disso, acentuou que a educação não deve ser prioridade apenas para as políticas públicas, mas a preocupação de todos: “desde logo, no seio da família”, em especial dos pais, que “não são os companheiros ou amigos dos seus filhos, são educadores”, e “que são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos”, responsabilidade de que não podem demitir-se. É no ambiente familiar que importa agir:
“Para os pais educar não deve ser apenas proporcionar a aprendizagem que a escola ensina, mas também orientar, dar o exemplo e mostrar o caminho dentro dos valores que devem presidir à formação antes de se entrar na idade adulta. Os pais não têm que dar aulas de matemática, português ou ciências, mas têm o dever de ajudar os seus filhos a construir a sua própria trajetória, assumindo por inteiro as responsabilidades que lhes cabem.”
Outra preocupação recai sobre professores e processo educativo da escola, advertindo que, sem professores mobilizados para o cumprimento da função, a escola não cumpre os seus objetivos e acabará por falhar no ensino que ministra e nas aprendizagens dos estudantes. E para a motivação dos professores reclamou a cultura de exigência que, a começar no momento certo, colherá frutos no futuro, explicitando:
“Dois fatores relevantes no que diz respeito à motivação de professores: a consolidação duma cultura de exigência tanto no âmbito escolar como familiar e o papel da educação pré-escolar. Isto não se traduz apenas na realização de testes, exames, ou provas de aferição; a exigência é uma forma de educar que começa por ser uma forma de relacionamento entre pais e filhos, que se prolonga na escola na relação entre professores e alunos e que termina como elemento essencial que cada um deve assumir perante si próprio.”
O orador acusou a índole nefasta da cultura da irreflexão, que leva ao tratamento superficial dos grandes temas e sobre os quais, sem qualquer base se formulam opiniões e certezas.  Por outro lado, subsistem fatores, como a falta de tempo e de hábitos, que são entraves ao sucesso dos estudantes, “que devem saber ouvir, refletir, duvidar, relacionar e, finalmente, concluir”.
Segundo este ex-ministro, “os baixos níveis de leitura da parte de boa parte da população com papel na comunicação social, que levam a fazer e desfazer notícias à medida das audiências e falta de tempo”, devem ser obviados pela escola, que tem um papel crucial, “incutindo bons hábitos aos estudantes”. Ora, somente “assim se podem emitir opiniões ou assumir posições devidamente fundamentadas”. E referiu que as teorias do “achismo” que caraterizam o debate são prejudiciais ao progresso e que o incentivo à leitura – seja em papel, tablets ou ipads – será uma forma de contornar essa situação. E arriscou:
“Se me perguntarem quais são os grandes objetivos de um ensino numa escola, arrisco-me a dizer que um dos mais relevantes passa por tornar todos os estudantes grandes leitores como alguém que lê, que entende e que correlaciona o que lê com os conteúdos que contém”.
Não obstante, deixou uma mensagem de esperança para o futuro, na convicção de que a escola tem condições para fazer abandonar o fundo da tabela em que o país se tem visto. Se o país vive difíceis tempos, também dispõe das condições e meios que lhe permitem olhar para o futuro com a esperança que, por vezes, parece ter-nos abandonado.
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Por seu turno, o ex-Ministro da Justiça, admitindo uma visão partilhada com a de Marçal Grilo, sobretudo no concernente à esperança, apontou a necessidade duma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores. E preferiu focar a sua ótica educacional a partir da criança, que tem múltiplas formas de manifestar conhecimento.
A comunicação do Juiz Conselheiro Jubilado tocou em temas sensíveis, como os direitos da criança, que explicitou a partir da convenção das Nações Unidas. Segundo esta, “a criança é um sujeito de direito; tem o direito à não discriminação, a ser tratada com igualdade, à participação, a ter voz, a ser ouvida; e o direito de que as decisões que a ela digam respeito representem o seu superior interesse. Daqui resulta o direito à educação e o direito ao ensino – o que nos remete “para a distinção entre a educação e a escola.”
Sobre os “direitos novos de uma cidadania moderna”, frisou o de cada um exercer o máximo de suas capacidades intelectuais de forma a participar ativamente na vida pública, na vida política, económica, social e cultural. E, referindo que o objetivo fundamental da escola pública é a garantia da “inclusão universal das crianças” distinguiu entre massificação democratização do ensino. Se a massificação é um bem, garantido entre nós, podendo nós assumir a palavra de ordem “todos para a escola”, há que garantir lhe “pertencem por si próprios, individualmente”.
Na análise de contexto, referiu que, por muito justo que seja o “discurso dos deveres das famílias”, muitos núcleos familiares não possuem a capacidade de compromisso para com a escola e, consequentemente, a possibilidade do cumprimento dessas mesmas obrigações.
Sobre os objetivos do ensino, preconizou não valer a pena a disputa em saber se a educação e a escola devem ser instrumentos do desenvolvimento económico ou instrumentos da cidadania, afirmando que é fundamental serem as duas coisas. E sobre as avaliações disse:
“Os exames geram metástases complicadas que se chamam testes. […] Francamente, testes de diagnóstico no primeiro dia de aulas? Isto não é inconstitucional? E diagnóstico para quê? Que a escola diagnostique, tudo bem, mas que diagnostique as crianças a partir das suas competências positivas e não pelas negativas. Por isso é que a norma tem que ser diversificada e não pode ser a mesma para todos, no mesmo momento e à mesma hora.”
Laborinho Lúcio assegurou que na base da escola para o pensamento só podem existir valores simultâneos como a autonomia e a solidariedade. O Papa Francisco ensina-no-lo ao dizer que “solidariedade significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade”. E aduz:
“Supõe que se pense em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação de bens por parte de alguns. Só no outro é que cada um transmite o máximo de si, é essa a ideia que é necessário transmitir ao máximo na escola. A escola só ensina solidariedade se for um espaço solidário. A criança percebe este tipo de valores através do exemplo dado.”
O Conselheiro ainda apontou um problema nas escolas: “haver pais a mais e pais a menos”. Com efeito, há crianças que “não têm pais”, ainda que os tenham e tenham família, mas não têm pais na escola. São crianças sem representação, não ouvidas, não participantes, não atingindo o máximo da plenitude. Defende que as Associações de Pais deviam ter “pais sociais”, que representassem crianças que não têm quem as represente”.
Finalmente, deixou à plateia a sugestão da “educação para os direitos”, avisando não querer dizer “que não se eduque para os deveres”. Porem, “educar para os direitos é educar para os direitos do outro, não é educar para os próprios direitos”. E, na medida em que educarmos para esses, “podemos ter nos direitos um instrumento de convivência social”.
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O ex-Primeiro-Ministro começou por asseverar:
“Num país como Portugal a educação tem de ser prioridade absoluta de qualquer projeto político e de qualquer estratégia de desenvolvimento. A educação, a formação, a ciência e a cultura são uma condição indispensável para que Portugal possa vencer o seu atraso estrutural e os desafios que lhe são expostos de uma forma particularmente dramática. Mas não estou convencido que esta convicção seja partilhada pela maioria dos portugueses e pela generalidade da nossa sociedade.”
Depois, em viagem pelo tempo, revelou dados dum estudo de há 21 anos que o surpreenderam pelo facto de a educação ocupar o 3.º ou 4.º lugar nas prioridades dos portugueses em relação às políticas sociais, atrás da saúde, da segurança social e até da habitação.  Apesar de muita coisa ter mudado, pensa que os portugueses não dão “suficiente prioridade” e exigência em relação aos poderes públicos, às instituições, em matéria de educação. E contrapõe:
“Os casos, no mundo, de países que foram capazes de vencer o atraso, de dar um salto qualitativo de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, como a Coreia do Sul, Singapura ou Irlanda, foram casos de países que fizeram, décadas antes, um investimento maciço em educação. Aqueles que não o fizeram, não conseguiram recuperar do atraso.”
O candidato a secretário-geral da ONU garantiu que a única forma de ter êxito na sociedade de conhecimento como aquela em que Portugal vive, é o país constituir-se em sociedade educativa, o que passa pelas escolas, famílias e instituições.
Sobre educação e desigualdade, Guterres falou da sua experiência ao longo destes 10 anos e admitiu que é muito diferente pensar na educação em Portugal e outros países. Apresentando dados alarmantes que indicaram que, dos refugiados que o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) apoia, só dois terços das crianças têm acesso ao ensino básico, um terço ao ensino secundário e 1% ao ensino superior, lamentou:
“Visitei muitas escolas em campos de refugiados com 200 alunos por sala de aula. Há ainda zonas do mundo que têm sistemas educativos que são apenas virtuais, com baixo acesso ao ensino e com uma qualidade absolutamente deplorável […] A globalização levou a um acréscimo das desigualdades. Porventura menos entre países e mais dentro dos próprios países. Serão os sistemas educativos que temos um fator de superação dessas desigualdades ou um fator de reprodução das mesmas de geração em geração?” – Questionou.
Sublinhando o facto de a questão passar a ser importante nas sociedades europeias, que se têm transformado progressivamente em sociedades multiétnicas, culturais e religiosas, disse:
“Sou daqueles que acreditam que a diversidade é uma riqueza, que esse caráter ‘multi’ é algo que enriquece as nossas sociedades. Mas para que haja coesão social assim, é indispensável um enorme investimento político, económico, social, cultural e educativo. Se o investimento não ocorrer, há um enorme risco de a diversidade conduzir à confrontação, à oposição e a situações que hoje encontramos por essa Europa fora. É aí que a questão decisiva dos valores se põe.”
Verificando que na Europa há muitas comunidades periféricas ou minoritárias com condições desiguais, com muitos mais problemas de desemprego, alertou:
“O facto de as pessoas pertencerem a minorias étnicas ou religiosas causa-lhes uma maior segregação. É indispensável ultrapassar isto e que os valores da tolerância ou da solidariedade sejam reafirmados nas nossas sociedades europeias e que a escola seja um fator decisivo de integração e de afirmação desses mesmos valores. […] E vemos, mesmo nos países europeus mais desenvolvidos, o avanço das forças políticas que fazem da xenofobia, do racismo e do ódio ao estrangeiro uma bandeira eleitoral fundamental.”
Aludindo às responsabilidades políticas e às consequências advenientes das declarações de personalidades públicas que referem não acolher refugiados muçulmanos nos seus países, disse:
“Quando líderes políticos dizem que não querem refugiados muçulmanos num país em que há uma minoria muçulmana importante, quando manifestamente hostilizam partes da sua própria comunidade, em particular se essa é muçulmana, estão a dar a maior ajuda que se pode imaginar aos grupos terroristas do Estado Islâmico e outros que hoje têm uma capacidade de recrutamento dentro das fronteiras da própria Europa e que facilmente utilizam estas formas de segregação, de ódio, de marginalização para recrutar”.
E terminou a sua intervenção com uma mensagem de esperança e um desafio aos presentes. Apontando a indispensabilidade da capacidade de afirmar os valores da tolerância e da solidariedade, acentuou o papel decisivo da escola nela. E aqui radica o seu otimismo:
“Se formos capazes de a transmitir esta maneira de ser tão portuguesa, de profunda tolerância e ainda com valores de solidariedade muito significativos, a um sistema educativo e de investir maciçamente nele, de mobilizar toda a sociedade para que ela seja uma sociedade educativa, penso que estaremos em condições de garantir um futuro melhor do que aquele que, olhando para as dificuldades do presente, por vezes nos atrevemos a antever.”
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Como é habitual, o Arcebispo Primaz, dirigindo a palavra à assistência, disse:
“Somos unânimes em reconhecer que, na sociedade contemporânea, nada condiciona tanto o futuro quanto esta problemática. A educação é […] a via que prepara as pessoas para guiarem o mundo com suas mãos. As crianças e os jovens de hoje ocuparão os lugares de responsabilidade e de construção da sociedade de amanhã.”
Advertindo que nem sempre as “reformas do sistema” geram a estabilidade desejada, afirmou que as crianças e os jovens, “alicerces do amanhã”, merecem um plano estruturado e aglutinador das “sensibilidades mais adequadas para o nosso tempo e seus desafios”. E frisou que a educação começa em casa e a sua garantia deve ter a envolvência de todos: povo, agentes educativos e religião, tendo esta “um papel a desempenhar no importante âmbito da educação”.
D. Jorge Ortiga marcou ainda encontro para o próximo dia 11, em que novos olhares se debruçam sobre a “paixão pelo belo”, a Arte.
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Perante as necessidades educativas em tantas parcelas do território mundial, o país não pode dar-se ao luxar de brincar à educação e ao ensino. Deve, antes, assumir a cultura da exigência, da educação para os direitos dos outros, da massificação democratizante e inclusiva e provavelmente assumir um pacto de regime na área da educação, pela tolerância, respeito, cidadania desenvolvimento integral. É preciso criar leitores e construtores de pontes e de conteúdos; é urgente criar famílias educadoras e escolas que possam ensinar.

2016.03.06 – Louro de Carvalho     

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