Em conformidade com a informação de Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU (Organização
das Nações Unidas), à Assembleia
Geral em fevereiro passado, vai realizar-se, em Istambul, na Turquia, nos dias
23 e 24 de maio próximos, a Cúpula
Mundial Humanitária.
Trata-se da convocação da comunidade internacional, por parte do Secretário-Geral
da ONU, para que “nenhuma pessoa que esteja em um conflito armado, nenhuma com
pobreza crónica, nenhuma que viva com o risco de perigos naturais e do aumento
do nível do mar fique esquecida”. Ou seja, a cúpula tem por objetivo reunir a
comunidade internacional (sociedade civil, governantes, setor privado,
representantes das missões de paz) para
conceber novas políticas e estratégias de assistência humanitária nos países
afetados.
Ao apresentar o informe ou relatório “Uma Humanidade: A
Responsabilidade Compartilhada”
perante os delegados, Ban afirmou que a primeira Cúpula Mundial Humanitária “será o momento para nos unirmos na
renovação de nosso compromisso com a humanidade”. No seu prefácio, o Secretário-Geral
das Nações Unidas escreve:
“Peço aos líderes do mundo que venham à Cúpula Mundial
Humanitária preparados para assumir as suas responsabilidades por uma nova era
nas relações internacionais. Uma era na qual a salvaguarda da humanidade e a
promoção do progresso humano impulsione a nossa tomada de decisões e medidas
coletivas.”
Segundo o predito documento, a ONU precisará de mais de US$ 20 biliões para
alimentar e cuidar de mais de 60 milhões de pessoas deslocadas dentro dos seus
países ou que fugiram para outras terras convertendo-se em refugiados. Cerca de
40 dos 193 Estados membros das Nações Unidas (quase 21%) experimentam “crises e violência de nível, alto,
médio ou baixo”.
De acordo com o texto do documento, em 2014, os conflitos armados e a
violência obrigaram cerca de 42.500 pessoas a fugirem de suas casas a cada dia,
o que resultou em mais de 60 milhões de pessoas deslocadas, refugiadas e
solicitantes de asilo no primeiro semestre de 2015. Cerca de metade das meninas
e dos meninos refugiados do mundo não estão a receber a educação primária e 75%
não têm acesso à educação secundária. Atualmente, quase 1,4 biliões de pessoas
vivem em situações de fragilidade, e estima-se que serão 1,9 biliões até 2030. Portanto,
é fundamental que sejam adotadas medidas coordenadas para antecipar as crises,
reforçar as instituições e os governos locais, aumentar a resiliência da
comunidade e investir na análise de dados e riscos.
***
Em certa medida, pode dizer-se, do meu ponto de vista, que as finalidades
da ONU se vêm frustrando, uma vez que o seu principal objetivo é a construção
da paz mediante a estratégia do desenvolvimento sustentável e no respeito dos
direitos de cada pessoa. Isto não quer dizer que, se não fossem os esforços das
Nações Unidas, a situação não seria pior ou que o esforço feito pela comunidade
internacional, a diversos níveis e em diversos setores, não tenha sido positivo.
Porém, a guerra de interesses económicos e o império do dinheiro e do negócio das
armas, bem como diversas modalidades de fundamentalismos sobrepõem-se aos direitos,
aos deveres e às demais vertentes da “humanitariedade” e todos se reclamam de humanistas
e de cooperantes em ações de paz ou em ações humanitárias. É a hipocrisia
reinante que leva os decisores ao excessivo calculismo para determinarem quando
e aonde lhes dá jeito ir, sem se denunciarem quanto a iniciativas escusas de
imposição larvada dos seus ditames políticos, militares e económicos à custa
dos mais pobres.
Enquanto, se multiplicam os conflitos, as situações de pobreza e as ações
de exploração organizada e/ou informal, os muros levantam-se e crescem; pululam
as organizações políticas extremistas, xenófobas e racistas; muitos decisores
políticos eternizam-se no poder, aduzindo as mais diversas formas de
legitimação de tal postura; uns centros de poder trabalham na ambivalência; e outros,
como a União Europeia, são inermes, inertes e sem voz.
***
Ban Ki-moon, no entanto, não deixa de denunciar, com a autoridade moral e
política que ainda se lhe reconhece, que “as atuais crises na nossa economia
política mundial, junto com a mudança climática”, a violência extremista, o
terrorismo, a criminalidade transnacional e a persistência de brutais conflitos
armados vêm devastando as vidas de milhões de pessoas e provocando a
desestabilização de regiões inteiras. Por isso, os desafios que hoje se colocam
aos Estados são transversais, galgam as fronteiras dos povos, das etnias e dos continentes;
e superam a capacidade de um país ou de uma instituição. Como receita, o homem
forte da ONU urge a restauração da confiança na ordem mundial internacional e
na capacidade das diversas instituições nacionais e regionais em enfrentar com
eficácia esses graves desafios.
Um alto funcionário da ONU, que preferiu não se identificar, advertiu para
o facto de o mencionado relatório conter “uma petição pessoal do
secretário-geral” para “restaurar a humanidade” e assim se “garantir a
dignidade e a segurança de todas as pessoas”, segundo a DUDH (Declaração
Universal dos Direitos Humanos) e os ODS (Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável) da Agenda
2030. Segundo o mesmo funcionário, a Cúpula
Mundial Humanitária, de Istambul, visa mobilizar a comunidade internacional
para a redescoberta da unidade e solidariedade mundiais e para conseguir o fim
do sofrimento humano e da desigualdade.
A Cúpula Mundial Humanitária
segue-se a muitos esforços que já vêm sendo feitos no sentido de preocupações que
são objeto de muitas organizações não-governamentais.
Entre estas,
destaca-se a oxfam (Oxford Commitee for Famine Relief, em português, Comité de Oxford de Combate
contra a Fome). Esta ONG
foi criada em Oxford, na Inglaterra, em 1942, por um grupo de intelectuais (religiosos, sociais e académicos), liderado pelo cónego Theodore
Richard Milford (1942). O seu objetivo inicial era
convencer o governo britânico a permitir a remessa de alimentos às populações
famintas da Grécia, ocupada então pelas forças nazistas e submetida ao bloqueio
naval dos aliados. Atualmente, porém, a organização opera em vários países e,
além do combate à fome, atua nas seguintes frentes nevrálgicas: comércio justo; educação; saúde; SIDA/VIH; inclusão social; democracia e
direitos humanos; guerras e desastres
naturais.
No passado mês de janeiro, publicou um relatório de
cujas conclusões se destacam as seguintes:
- A riqueza acumulada pelo grupo dos mais ricos, que
representa 1% da população mundial, equivale à riqueza (aos
bens) dos restantes
11% da população mundial;
- As 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo em
riqueza que toda a metade mais pobre da população global.
Por conseguinte, o documento contém: um pedido aos líderes
do mundo dos negócios e da política, então reunidos no Fórum Económico Mundial
de Davos, para que tomem as medidas necessárias para enfrentar a desigualdade no
mundo; e uma crítica da ação de lobistas – que influenciam decisões políticas que
interessam a grandes empresas – e da quantidade de dinheiro em paraísos fiscais.
Por outro lado, de acordo com a informação de fonte não identificada da ONU,
os fundos com fins “humanitários multiplicaram-se por completo até mais de 600%
do que era preciso há dez anos e quase 80% mais de pessoal humanitário, bem
como de forças de manutenção da paz e pessoas em missões políticas especiais
estão envolvidos nessas situações prolongadas”. Assim se compreende que países
e organizações da sociedade civil de todo o mundo tenham recebido bem a
iniciativa de Ban Ki-moon.
Por seu turno, Charlotte Stemmer, representante da Oxfam, declarou:
“O sistema humanitário está esmagado pela magnitude de
necessidades crescentes num mundo sacudido pelas crises e (os governantes) não se
devem limitar às palavras; são necessárias medidas concretas com urgência. O
maior legado da Cúpula Mundial
Humanitária seria o compromisso real para mudar essa situação.”
O documento apresentado pelo Secretário-Geral da ONU preconiza que a
humanidade compartilhe a responsabilidade da liderança política para evitar e
terminar os conflitos armados. E, em vez de investir na assistência
humanitária, a comunidade internacional deverá dar prioridade às soluções
políticas, à unidade e à construção de sociedades pacíficas. Também deve
aplicar e cumprir as leis internacionais de proteção da população civil, de
respeito dos direitos humanos, de restrição do uso e da transferência de certas
armas e munições, de cessação dos bombardeios e de fortalecimento do sistema de
justiça internacional. E, ainda, recomenda que não se esqueça ninguém (este também é
o tema central da Agenda 2030 de Desenvolvimento da ONU), que seja ajudada a população mais pobre e
vulnerável nas zonas afetadas pela guerra ou por desastres naturais e que seja assegurada
a proteção das mulheres e meninas e o exercício do direito de todos à educação.
O relatório da ONU também recomenda o investimento na humanidade. Ban
Ki-moon exortou os doadores e as autoridades nacionais a mudarem a mentalidade
para a “doação de fundos para financiamento” dos atores e instituições locais,
uma vez que melhoram a rentabilidade e a transparência; e explicou que a cúpula
de Istambul, que será organizada pelo Escritório de Coordenação de Assuntos
Humanitários da ONU, oferecerá pela primeira vez a oportunidade de refletir
sobre um novo contexto de ajuda humanitária.
***
E há tanto que fazer, tanto caminho por desbravar. Não seria de ter mais em
boa linha de conta a seguinte verificação papal Urbi et Orbi da Páscoa deste ano?
“O Cristo ressuscitado,
anúncio de vida para toda a humanidade, reverbera através dos séculos e convida-nos
a não esquecer dos homens e mulheres na sua jornada em busca de um futuro
melhor; grupos cada vez mais números de migrantes e refugiados – entre os quais
muitas crianças – que fogem da guerra, da fome, da pobreza e da injustiça
social. Esses são nossos irmãos e irmãs, que nos seus caminhos encontram, com
demasiada frequência, a morte ou, ao menos, a recusa dos que poderiam
oferecer-lhes hospitalidade e ajuda.”
E bem oportuno é o seu voto pelo
futuro próximo:
“Que a próxima rodada
da Cúpula Mundial Humanitária não deixe de colocar no centro a pessoa humana
com a sua dignidade e possa desenvolver políticas capazes de ajudar e proteger
as vítimas de conflitos e de outras situações de emergência, especialmente os mais
vulneráveis e os que sofrem perseguição por motivos étnicos e religiosos”.
2016.03.28
– Louro de Carvalho
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