A página web da Presidência tem esta informação lacónica referente ao dia 3 de março:
“O Presidente da República presidiu, no Forte de S. Julião da Barra, em Oeiras, a uma reunião do Conselho de Ministros dedicada ao Mar, a convite do Primeiro-Ministro. No final da reunião, o Presidente Aníbal Cavaco Silva proferiu uma intervenção perante os jornalistas.”
Por seu turno, o Portal do Governo insere duas notas sobre este Conselho de Ministros extraordinário, uma subordinada ao título, “É altura de transformar o desígnio do mar em realidade”; e a segunda, sob o título, “Governo pretende que o valor da economia do mar duplique até 2020”.
Com efeito, a alínea i) do artigo 133.º da CRP (Constituição da República Portuguesa) define como uma das competências do Presidente da República, quanto a outros órgãos: “Presidir ao Conselho de Ministros, quando o Primeiro-Ministro lho solicitar”. Ora, para que o Presidente da República presida ao Conselho de Ministros é necessário que o Primeiro-Ministro lho solicite, ao contrário do artigo 110.º da Constituição Política de 1933, que estabelecia que o Conselho reunisse quando o Chefe de Estado ou o Presidente do Conselho o julgassem indispensável e que o Presidente da República presidisse ao Conselho de Ministros quando o Chefe do Estado ou do Governo o entendessem, estipulando ainda matérias em que tal presidência seria obrigatória.
Na vigência da CRP é muito raro suceder que que o Presidente venha presidir ao Conselho de Ministros. Neste caso, o Primeiro-Ministro declarou ter convidado o Presidente da República para este Conselho de Ministros por se tratar do primeiro sobre a temática do mar, pelo facto de o mar se revestir de enorme importância para ao futuro do país, por se tratar de um tema pelo qual, “ao longo dos seus dois mandatos”, o Presidente “procurou mobilizar os portugueses” para irem “ao encontro com o mar, para o identificar como um novo grande desígnio nacional”, e para homenagear o Presidente reconhecendo o seu papel na abordagem do tema e dando testemunho da boa relação e mútua cooperação existentes entre os órgãos de soberania.
A este respeito Costa, referiu:
“O Governo assumiu o mar como prioridade política traduzida na restauração do lugar de Ministra do Mar com competência transversal sobre o conjunto do Governo, de forma a mobilizar todo o Governo para os assuntos do mar”.
E, se, ao longo das últimas legislaturas, foi possível aprovar uma estratégia nacional para o mar e a lei de bases do mar”, agora “é altura de transformar desígnios em realidade” e “de passar das palavras aos atos,” o que implica definir os três vértices da política do mar: “soberania, conhecimento e economia”.
A estratégia da economia do mar passa: por procurar saber como “aproveitar a nossa posição geográfica para valorizar o papel de Portugal na cadeia logística, portuária ou náutica”, seja na marinha de recreio seja na marinha mercante; por aproveitar os recursos, sobretudo do ponto de vista alimentar, referindo o muito elevado consumo de peixe e a necessidade de desenvolver a aquacultura e sublinhando que a nossa zona marítima tem “uma das maiores diversidades biológicas”, o que abre portas ao desenvolvimento da bioengenharia; e por explorar e conhecer os recursos energéticos no nosso mar, bem como “as energias renováveis, designadamente a eólica, como projetos inovadores”.
Por outro lado, o Primeiro-Ministro afirmou que o Conselho aprovou diplomas que “vão responder e dar corpo à estratégia” em termos de financiamento, de “eficiência na atividade portuária e de novas atividades, da marinha mercante, e do aproveitamento dos recursos em matéria energética”.
Agradecendo ao Presidente da República por ter presidido ao Conselho de Ministros, Costa acentuou: “mantivemos viva a tradição iniciada há 30 anos pelo então Primeiro-Ministro Cavaco Silva, no tempo do mandato do Presidente da República Ramalho Eanes”; e “tudo faremos para dar continuidade a este desígnio que nos legou”.
Aqui, devo recordar que também Eanes presidira a um Conselho de Ministros a convite de Maria de Lourdes Pintasilgo e Sócrates não chegou a convidar Jorge Sampaio.
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Que pretende fazer o Governo até 2020?
A Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, apresentou as medidas adequadas juntamente com a Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques – medidas que gravitam em torno dos três eixos fundamentais da política do mar: “soberania, conhecimento e economia”. A este respeito a Ministra do Mar, referiu que “a economia do mar representa 2,5% do Produto Interno Bruto, o que é demasiado pouco para tanto mar”, pelo que o Governo tem como objetivo duplicar este valor em 2020.
No respeitante ao financiamento deste setor da economia: é criado o Fundo Azul, mecanismo de incentivo financeiro ao arranque de novas atividades ligadas à economia do mar; é concretizada a implementação do Programa Operacional Mar 2020, estabelecendo prazos para publicação dos regulamentos específicos das medidas de apoio previstas; e é determinada a abertura de concursos para os projetos de desenvolvimento local de base comunitária nas Regiões Autónomas.
No atinente à simplificação administrativa, o Conselho definiu a criação da Fatura Única Portuária por Escala de Navio (FUP) como o sistema agregador da faturação das entidades públicas competentes, nos atos de despacho de largada, para cada escala de navio, medida integrada no Simplex 2016.
No que respeita à competitividade, integração do território e descentralização: coordenação estratégica entre os portos de Lisboa e de Setúbal através de um só Conselho de Administração para o Porto de Lisboa e os Portos de Setúbal e Sesimbra; funcionamento da Comissão Interministerial dos Assuntos do Mar (CIAM) enquanto estrutura de reflexão, coordenação e decisão estratégica sobre o Mar; criação de um grupo de trabalho interministerial, sob coordenação da Ministra do Mar, para avaliar e preparar um plano de ação de promoção do transporte marítimo e de apoio ao desenvolvimento da marinha mercante nacional; e criação do Grupo de Trabalho interministerial Energia no Mar, com a missão de apresentação e discussão pública de um modelo de desenvolvimento que assegure a racionalização dos meios afetos ao desenvolvimento da Energia Elétrica Offshore, que tem o potencial de assegurar o desenvolvimento de indústrias exportadoras de produtos e serviços de alto valor acrescentado.
Relativamente ao conhecimento sobre o mar e à literacia para os oceanos: criação do Prémio Nacional Mário Ruivo - Gerações Oceânicas, para galardoar anualmente um projeto original no tema Conhecer e Interagir com o Oceano, celebrado entre os Ministros da Cultura, da Educação e do Mar; cooperação entre o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a Ministra do Mar, para promover sinergias entre os departamentos governamentais e a sociedade civil, em particular com a comunidade académica e científica em ciências e tecnologias do mar para desenvolvimento do conceito do Centro de Observação Oceânica.
Foi também decidida a introdução de medidas de segurança reforçada destinadas à prevenção e limitação de consequências decorrentes de acidentes graves em operações de petróleo e gás no offshore.
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Parece que foi o mar que uniu dois políticos que, à partida, andariam de candeias às avessas. Efetivamente, as declarações de Cavaco anteriores à indigitação de Costa como Primeiro-Ministro e o teor do discurso do Presidente na posse do XXI Governo dificilmente fariam adivinhar este desfecho, embora já então nas palavras de Costa se divisasse a ideia de não manter a tensão nas relações institucionais. Agora Costa pretende cumprir “desígnio nacional” de Cavaco, elogia-o por tal desígnio e agradece-lhe a presidência do Conselho de Ministros.
O Primeiro-Ministro garantiu explicitamente a “continuidade” do “desígnio nacional” que o Presidente iniciou e legou a esta geração governativa e ao abrigo do qual pediu um “reencontro de Portugal com o mar”.
Na declaração que fez aos jornalistas, Cavaco Silva agradeceu o convite, mas preferiu falar sobre a política do mar. Falou do “reencontro de Portugal com o mar” e de como este tema é “consensual no espectro político português” e pediu “continuidade dada ao trabalho feito no passado”. E, sobretudo, acentuou a ideia da necessidade de olhar para o mar como um mar de “oportunidades de negócio” sempre em “respeito da sustentabilidade ambiental”, precisando que, para tanto, é necessária a atração de “investidores nacionais e externos” e reconhecendo que “o grande desafio é convencer os investidores a investir na economia do mar”.
António Costa, que ouvia com os olhos postos no fundo da sala, depois tomou a palavra para garantir ao Presidente que, mesmo com a sua saída, o Governo não vai deixar cair o assunto do mar, declarando:
“O Governo quis com este Conselho de Ministros, o último que se realiza nos mandatos de Sua Excelência, sublinhar bem que as palavras, as mensagens e o desígnio nacional, através da sua ação, é um desígnio que encontrará continuidade para além dos dois mandatos”.
Os dois responsáveis do país encontraram-se depois deste Conselho de Ministros que aprovou, como se disse, medidas direcionadas para a política do mar desde a utilização de recursos para a produção energética, às energias renováveis, mas também “diplomas que visam responder a esta estratégia de criar condições de financiamento deste investimento”. Na despedida do Presidente da República, o Primeiro-Ministro ofereceu-lhe uma caravela em filigrana como presente, um presente a condizer para a despedida do chefe de Estado: a caravela em filigrana transporta a homenagem para a diáspora que também tem sido outro dos temas preferidos do ainda inquilino de Belém. Porém, a caravela, que simboliza a homenagem do Executivo a Cavaco Silva e ao tema que este sempre defendeu nos dois mandatos em Belém, não foi oferecida publicamente.
O mar tem sido tema caro a Cavaco Silva, que recorrentemente falou da importância estratégica do mar. E Costa fez-lhe um pouco a vontade ao criar o Ministério do Mar e ao agendar o tema para o último Conselho de Ministros, a ser presidido por Cavaco Silva. Por outro lado, Costa quis usar o Conselho de Ministros como exemplo de que, quando são necessários consensos em torno duma prioridade nacional, eles alcançam-se: “É uma boa tradução da normalidade institucional e do bom espírito de cooperação dos órgãos de soberania”, disse, lembrando que o Presidente fez sucessivas intervenções sobre o mar como desígnio nacional.
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Hipocrisia e oportunismo ou eficiência política em torno do superior interesse nacional?
2016.03.03 – Louro de Carvalho
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