Não
vivo no Brasil e confesso não acompanhar muito de perto a política brasileira,
a não ser naquilo que representa a generalidade das suas linhas. Admito, pois,
não ser de suficiente mérito a minha posição sobre estas matérias. Reconheço-me
em parte nas teses de Ângela Dutra de Menezes quando, em O português que nos pariu, fazendo História do ponto de vista do
brasileiro, explica muito da índole brasileira com a feição própria do português,
gerado na ponta ocidental da Europa na descendência de inúmeros povos e andante
pelo mundo, a ele chegou com toda a carga de virtude e defeitos que não pode
descartar, repartindo-se em pedaços humanos.
Compreendo
a complexidade da multiplicação das diversidades do povo brasileiro, boas, más
e indiferentes. Penso que os europeus, pelos erros, ambições e tentativas de
hegemonia, não gozam de grande autoridade moral para julgar a política brasileira,
a sua economia ou o seu status social,
até porque um crítico que tenha telhados de vidro não pode atirar pedras e um
observador prudente não cospe para o ar.
***
Não
obstante, entendo dever marcar posição sobre os últimos desenvolvimentos
noticiosos.
Lula
da Silva foi Presidente do Brasil e, como tal, o homem que, vindo do
sindicalismo, chegou ao topo do Estado, ganhou uma, até há pouco inquestionável,
aura de reformista, pensando-se ter acionado, de forma consolidada e irreversível,
o comboio da moralização do regime. Recordo que a Universidade de Coimbra fê-lo
seu doutor honoris causa. Já o critiquei,
não há muito tempo, pela tentativa de em Espanha, numa conferência, atribuir
aos portugueses a culpa pela instauração alegadamente tardia do ensino
superior.
Entretanto,
o impoluto ex-Presidente foi apanhado na teia da Justiça do seu país. Não possuo
elementos para o considerar culpado ou inocente. No entanto, como em Portugal,
no Brasil e em qualquer dos países decentes, qualquer cidadão se presume
inocente até sentença contrária transitada em julgado, também eu o devo considerar inocente até provas em contrário.
Por
isso, esperava que Lula se ocupasse em declarar inequivocamente a sua inocência
e a preparar com todos os meios disponíveis a sua defesa. Admito que não o
criticaria acerbamente se ele tentasse fugir à Justiça pela via do autoexílio. Mas
nunca esperava do cidadão – o político que eu nunca pensaria que viesse a ficar
manchado por qualquer modalidade de impudência grave – usasse a via da
governação para se escapar à administração comum da Justiça.
Eis
que as últimas horas forneceram a informação de que Lula iria integrar o governo
de Dilma Roussef, que – todos o sabem – está a braços com um processo que bem a
poderá levar à destituição. Dilma acaba de o convidar para chefiar um
superministério da Economia e da Articulação política.
Ora
esta medida tentaria resolver duas situações: a Dilma serviria para mascarar toda
a matéria que tem sido objeto de contestação e reivindicação e para gerir os
conflitos ente a parte dos que lutam pela destituição da Presidenta e a parte
dos que tentam defender a sua permanência na chefatura do Estado; e a Lula
serviria para lhe conferir a imunidade governamental que o subtrairá à ação da Justiça
comum – uma despudorada forma de ganhar tempo!
***
Porém,
os jornais on line têm dado
indicações de que o anúncio da entrada de Lula para o governo fora adiado, já que
o Palácio do Planalto marcou para amanhã, dia 16, uma tomada de posição sobre o
caso, ou seja, decidir se o ex-Presidente vai mesmo sobraçar uma superpasta
ministerial, como previsto, ou se o processo será suspenso.
Na
génese desta alteração de planos estará a decisão do Supremo Tribunal Federal,
que validou as denúncias de Delcídio do Amaral, senador do PT (Partido dos
Trabalhadores),
que no quadro de um acordo com a Justiça (em prisão domiciliária, cedeu informações em
troca de redução de pena) declarou que Dilma e Lula tentaram interferir nas
investigações, no âmbito da operação Lava
Jato, designação como ficou a ser conhecida a investigação à rede de
corrupção na Petrobrás.
A
Presidenta, que hoje, dia 15, deveria receber Lula da Silva para fechar a definição
do “formato” do seu trabalho no Governo, convocou uma reunião de emergência do Executivo
para avaliar o impacto da validação das denúncias do super-referido senador do
PT, denúncias que aumentaram a altíssima tensão que já se bem vivendo na capital.
Mais:
segundo as novéis informações, Dilma Roussef – que sempre veio a terreiro
defender a não interferência do Governo nas investigações da Lava Jato – terá ficado
“atónita”, quando soube da tentativa de compra do silêncio de Delcídio por Aloizio
Mercadante, um dos seus ministros. Pelos vistos, há uma gravação de uma das
suas assessorias a oferecer dinheiro a um homem de confiança do senador para
obstar a que este firmasse o acordo de delação. Por consequência, a Presidenta,
desmentida pela gravação, pretende avaliar o efeito dessa tentativa da compra
de silêncio no seu Governo.
Um
dos efeitos poderá ser a saída do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) do Executivo, que
precipitaria a queda do elenco governativo. Ora, o PMDB fizera saber que, se
Lula entrasse na equipa governativa, manteria o apoio ao Governo e a Dilma, que
tem pendente no Parlamento o processo de destituição.
***
Apesar
de a Presidenta, que aposta na vitória nas diversas frentes, não querer
contaminar o ex-Presidente com o facto acima referenciado, a nomeação de Lula
como superministro parece garantida. O próprio Lula terá confessado aos seus
mais próximos não ter como declinar o convite de Dilma.
Com
o seu ingresso no Executivo, o ex-Presidente ganha imunidade ministerial em
relação ao Ministério Público paulista, que propusera a sua prisão preventiva
por lavagem de dinheiro, no âmbito duma investigação sobre a posse de um apartamento
de luxo. Por outro lado, a partir do ingresso de Lula no Governo sobraçando uma
superpasta ministerial, Rousseff manterá o cargo presidencial, mas delegará no
ex-Presidente, ora superministro, o grosso das decisões.
Além
disso, Lula terá duas prioridades no Executivo: a recuperação da economia do
país e a articulação política com o Congresso, a fim de impedir o processo de
destituição de Dilma.
Há
quem refira, no Palácio do Planalto, a probabilidade de o ex-Presidente assumir
a Secretaria de Governo, sucedendo a Ricardo Berzoini.
Ademais,
informação de fontes próximas de Dilma assegura que Lula terá sugerido uma
viragem no rumo da política económica para o Governo recuperar a confiança dos
sindicatos e dos movimentos sociais, contrariando os ajustamentos fiscais em
marcha nos últimos tempos.
Não
obstante, é de ter em conta a intenção pessoal de Lula, segundo O
Globo: “convencer a opinião pública de que não está a fugir do Juiz Sérgio
Moro, na Operação Lava Jato, para que
o seu processo corra no Supremo Tribunal Federal”.
Como
consequência da divulgação da notícia da integração do Governo por Lula da
Silva, a bolsa brasileira, segundo a Reuters, caiu 4% e a moeda brasileira
desvalorizou-se 2%.
***
Por
mim, penso que Dilma e Lula se irmanam cumplicemente na asneira. Que Dilma envide
todos os esforços por evitar a destituição, compreendo. Que Lula se declare
inocente e se empenhe em organizar a sua defesa, percebo. Que tudo isto se faça
pela via da consecução da imunidade para evitar um processo judicial num
tribunal comum de instância, vindo a ocupar uma pasta ministerial ou mais, acho
infame.
Estou
mais habituado a que ministros peçam a demissão quando são apanhados em
situação de transgressão ou em contextos de graves catástrofes acidentais, ou
deputados a pedirem o levantamento da imunidade parlamentar – embora haja más exceções.
Depois,
pergunto-me sobre a credibilidade do exercício do suspeito Lula à testa duma
superpasta e/ou da Secretaria do Governo.
Francamente,
esperaria tudo, mas isto não!
2016.03.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário