A
opinião pública ficou abalada e revoltada com a notícia de que a ex-Ministra de
Estado e das Finanças do XIX e do XX Governo Constitucional recebeu e aceitou o
convite para integrar o Conselho de Administração, em funções não executivas,
da Arrow Global, com sede em Manchester, mantendo o seu lugar de
deputada na Assembleia da República.
É
certo que a subcomissão de Ética avalia a compatibilidade ou não entre o
exercício do cargo não executivo na empresa em que trabalhará e a manutenção do
lugar como deputada – e só isso – o que depois será votado na 1.ª Comissão (Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, liberdades e Garantias). É o postulado da transparência
e da clara definição de interesses dos políticos.
Se
fosse apenas isso, a questão seria bastante simples: os deputados podem ser
autorizados a acumular a função parlamentar com outras atividades privadas,
desde que formalmente não haja incompatibilidade e o deputado aceite o regime
de não exclusividade, obviamente com efeitos remuneratórios. Fonte próxima da ex-Ministra explica:
“Na proposta que lhe fizeram está previsto que trabalhe uma média de dois a
quatro dias por mês, portanto é perfeitamente conciliável, não diminui o valor
acrescido que pode trazer ao Parlamento”.
Mais refere
que Maria Luís será o 5.º elemento não executivo no conselho de administração
da Arrow Global – que conta com 7
administradores, 3 dos quais executivos. Aconselhará a empresa na área de
auditoria e avaliação de risco, “não lhe cabendo a tomada de decisões
operacionais”. Não lhe compete, pois, fazer lóbi ou “sequer ter contacto, mesmo
indiretamente, com potenciais clientes”. E, como os restantes membros não
executivos, ao longo do ano terá de participar nas 10 reuniões em que a Arrow reúne todos os administradores e
de produzir relatórios, conforme lhe seja pedido, sobre o contexto
macroeconómico de atuais ou potenciais mercados da Arrow Global e políticas regulatórias da União Europeia.
Porém,
não é bem isso que está em causa. A Arrow
é uma financeira cuja atividade passa pela compra, gestão e cobrança de
dívidas, nomeadamente dívida pública e dívida da Banca. Diz-se que esta
financeira não teve quaisquer negócios com a banca portuguesa, em especial com
o Banif, que teve ajuda do Estado, aliás como aconteceu com outros bancos, que
recorreram ao fundo disponibilizado ao Estado Português pela troika para a
recapitalização do setor. Mas sabe-se que agências com objetivos semelhantes,
depois adquiridas pela Arrow, se
embrenharam na gestão da dívida da banca portuguesa, em especial do Banif, em
que o Estado teve de intervir direta e/ou indiretamente.
Assim,
é de questionar o que fará Maria Luís quando, no Parlamento, se discutir e
votar uma matéria que possa direta ou indiretamente contrariar os interesses da
sua empresa ou quando, na Arrow,
tiver de votar qualquer deliberação que possa prejudicar o Estado Português.
Não quero acreditar que fuja à questão negando como o fez a propósito dos
contratos swap, pois todos recordamos
o que se passou com a ex-Ministra, ora deputada: Em
junho de 2010, como técnica do IGCP (Instituto
ou Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) deu parecer
favorável a um swap da então EP (Estradas
de Portugal). No entanto, já como ministra, ao ser confrontada com a
situação, garantiu, numa primeira audição na Assembleia da República, a 25 de junho
de 2013, que esteve afastada deste tema enquanto trabalhou no IGCP (entre 2007 e 2011), declarando expressamente. “Enquanto estive no IGCP, não tive qualquer contacto com swaps, nem do
IGCP nem de natureza nenhuma”.
É certo que aos titulares de cargos não executivos basta que,
antes da discussão e eventual aprovação de uma determinada matéria, façam a
declaração de interesses, não lhes sendo vedada a participação na discussão e
votação como aos membros de órgãos colegiais em que detêm funções executivas,
que não podem participar em discussão e votação em que se considerem ou sejam
considerados impedidos por disposição legal. Contudo, há uma consciência que a pessoa
deve irrenunciável e livremente seguir à luz de uma ética que não se esgota na
lei. Contrario, a este respeito a tese de que a ética republicana consiste na
lei. A lei deve espelhar a ética republicana, mas tem de haver ética para lá da
lei, porque a lei é, de sua natureza, abstrata, geral e reguladora das ações
exteriores, que são passíveis de prova.
Entretanto, o
mais gravoso da situação parece-me ser o facto de a ex-Ministra, enquanto
Secretária de Estado e como Ministra de Estado e das Finanças ter acedido a
informação cujo conhecimento só lhe foi possível em virtude das suas funções
governativas (funções ligadas também ao setor da banca). Por isso, não é crível que a
novel administradora esqueça a informação a que teve acesso e que se mantém atualizada
e útil para qualquer financeira, mormente para uma gestora de dívidas públicas
ou afins e com apetência para lucrar com créditos mal parados.
Depois,
como é que elaborará pareceres e relatórios sobre a situação do mercado e as
políticas da UE, prescindindo da informação “privilegiada” de que dispõe? Um
convite destes seria inócuo para o Estado depois do decurso do tempo necessário
para a desatualização da referida informação. Assim, a distinta deputada-administradora
continua em atividade governativa provavelmente em sentido inverso ao do
período de ajustamento, já que não creio que seja, no século XXI, o Miguel de
Vasconcelos e Brito de saias ou a duquesa de Mântua, a troco de mais uns magros
euros ou libras salariais (Que são mais 5 mil euros mensais?).
***
No entanto,
surge um outro caso menos badalado: Paulo Portas assume uma vice-presidência da
CCIP (Câmara de
Comércio e Indústria Portuguesa), com o pelouro da internacionalização, para o
triénio de 2016-2018, em representação da Pinto
Basto Gest. Emparceira com o outro vice-presidente, José Miguel Júdice, em
representação da A. M. Pereira, Sáragga
Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados – Sociedade de Advogados, RL.
Diz
o Vice-Primeiro-Ministro emérito e ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros que se
trata de “uma forma muito útil de continuar a
ajudar a internacionalização das empresas e o setor exportador, que são os
pilares do nosso crescimento”.
Parece ter
razão, já que, enquanto chefe da diplomacia portuguesa, agregou à sua pasta de
Estado e dos Negócios
Estrangeiros a denominada diplomacia económica, como se esta fosse uma vertente
autónoma da governação ou da diplomacia, e como Vice-Primeiro-Ministro assumiu
a coordenação da área da Economia – esta é que era a irrevogável – como se Pires de Lima fosse o tenente para o setor.
O convite para o desempenho deste cargo não remunerado foi endereçado pelo
presidente Bruno Bobone (em representação da Pinto Basto, SPS, SA), e o ex-líder do CDS foi eleito na recente sessão da
assembleia geral. Fazem também parte da administração da CCIP os emblemáticos Miguel
Horta e Costa, Nuno Fernandes Thomaz e Pedro Rocha e Mello.
Em comunicado divulgado pela própria CCIP, o generoso antigo
vice-primeiro-ministro não poupa elogios à instituição que agora integra:
“A Câmara de Comércio é muito respeitada e credível,
cujo trabalho prático, a favor das empresas portuguesas, pude testemunhar ao
longo da minha experiência governativa”.
Segundo o
ex-vice-primeiro-ministro, esta instituição privada é “muito respeitada e credível”
e o seu “trabalho prático, a favor das empresas portuguesas”, é centrado “na
diplomacia económica e na promoção externa de Portugal”. Por outro lado, afirma
destacar “em especial a qualidade do trabalho feito nesta casa junto das
Câmaras de Comércio portuguesas em todo o mundo” e, que, por isso, contam com o
seu “empenhamento”.
Será que o
ilustre, pretende continuar numa instituição privada o trabalho meritório que
fez no Governo durante quatro anos e meio? Ou acreditará que, através de uma
estrutura não estatal, fará o trabalho que não conseguiu fazer enquanto
governante? Certamente que não virão aí mais submarinos. Não é que eles não
fizessem falta, mas o dito episódio das contrapartidas descredibilizou todo o
negócio alto in mari. Mas não se compare
o seu caso com o anterior.
Também Bobone,
reeleito presidente da Câmara de Comércio, considera que a eleição significa a
intenção do antigo governante de “continuar a contribuir ativamente para o
desenvolvimento económico de Portugal e, muito especialmente, para o
crescimento da sua internacionalização”. E sustenta que a CCIP terá de “estar
preparada para justificar a colaboração de uma das pessoas que mais fez nos
últimos anos no que respeita ao apoio dado aos empresários portugueses, tanto
em Portugal como a nível internacional”.
À entrada
para o último dia do congresso do CDS-PP, em que deixou a liderança, Portas
disse já saber o que fará no futuro relativamente à sua vida profissional,
apesar de não o ter revelado, aduzindo que estava a preparar “uma vida
profissional que não dependia só de si” e garantindo que seriam “várias coisas”
a saber “no momento certo”. Ora, que é das outras “coisas”?
É também
esta uma forma de continuidade governativa fora do governo e do partido. Porém,
fazê-lo através de uma organização privada que visa o zelo dos interesses das
associadas, incluindo a internacionalização das suas associadas, não é
propriamente servir Portugal como Estado, mas colocar o conhecimento adquirido
enquanto governante ao serviço de privados. Já agora, é de perguntar de que vai
viver o ex-governante. Com certeza, não é de esmolas!
***
Outro
ex-governante que mantém a continuidade governativa fora do governo é Passos
Coelho. Porém, concorde-se ou não, mantém-se ao timão do partido e está à
procura de reaver a governação. É certo que tem percorrido o país e a ele
falado na postura de ainda Primeiro-Ministro, bem como dialogado com a UE com a
mesma vestimenta – que não lhe fica bem – mas é mais legítima tal postura do
que amuar face à alegada “geringonça” ou tentar corrê-la quase “à pedrada” sob
o argumento da pretensa ilegitimidade, a não ser quando alguns deputados da
maioria parlamentar fazem de conta que estão a governar através do Parlamento.
E escusava
de aconselhar a sua antiga professora e ex-subordinada a ir para a Arrow. Neste aspeto é cúmplice da
continuidade governativa fora do Governo e talvez contra o Estado.
***
É má a
promiscuidade entre política e negócios, o que deve ser evitado com apertada
regulação e melhor vencimento do detentor de cargo público; mas a profissionalização
e/ou exclusividade da ação política gera mediocridade e aparelhismo e desenfreia
o recurso à consultoria.
2016.03.18 – Louro de Carvalho
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