Alinho
com todo o gosto e prazer no comum desejo de boas festas de Páscoa para todas
as amigas e amigos. E confesso que, a par deste gosto e prazer, está o dever
que me incumbe de desejar o bem, a felicidade e a virtude a toda a gente. É a Páscoa
que rebenta na primavera da floração para, a seu tempo, se robustecer em frutos
estivais e na colheita outonal, seguida da sementeira das espécies resistentes
aos rigores hiemais.
Mas
o crente tem o dever e a alegria de propor que a Páscoa, além de boa e feliz,
seja santa para todos os demais crentes e portadora da mensagem de paz e de
justiça para todas as pessoas de boa vontade. E isso acontecerá se alicerçarmos
a nossa vivência na respiração do Evangelho da vida, da dignidade, da liberdade
e da atenção ao próximo – o de perto e o de mais longe.
Neste
primeiro dia do tríduo pascal, não posso deixar de me recordar da exigência de fraternidade
que o discipulado de Jesus Cristo nos incute oportuna e importunamente. Se estamos
mesmo persuadidos da filiação comum do mesmo Paterfamilias, temos de estabelecer, manter e reforçar todas as
pontes de fraternidade solidária entre todos, sem excluir ninguém.
Esta
estruturação da vida no sistema de pontes de solidariedade implica a renúncia a
qualquer tipo de inveja e, ao invés, partilharmos com os demais as alegrias e
as tristezas e aproximarmo-nos dos outros nas suas diversas situações de
angústias e tristezas, alegrias e exultações.
A
mensagem de quinta-feira desta Semana Maior é múltipla. Desde logo, a fortaleza
que o Céu garante aos que peregrinam neste mundo em busca do mais e do melhor para
os outros e para si, materializada na bênção dos óleos dos catecúmenos e dos
enfermos e na consagração do crisma. A vida cristã é estrada de luta contra as
adversidades, temperada pela fortaleza e pela prudência, de que se revestiam os
participantes na luta greco-romana, ungidos para não aderirem ao contendor ou
ao solo e prosseguirem o espetáculo da luta para gáudio do imperador e do
público. Os cristãos, por sua vez – não sendo do mundo, mas nele permanecendo
em busca do Além – não estão para gáudio do profanum
vulgus nem de qualquer imperador do século,
mas para garantia do gáudio do seu Deus, da preservação e salvação das suas próprias
pessoas e do bem-estar de todos estribado na justiça social, que se tornará
mais real, intensa e abrangente se emoldurada pelo mandamento novo do Mestre, Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.
***
E
estamos já mergulhados na segunda mensagem do primeiro dia do tríduo pascal: a
do amor fraterno, que se quer afetivo e efetivo. Para tanto, há que ter em boa
conta, meditar e assumir:
“Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que
tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os
seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo” (Jo 13,1).
No gesto simbólico do lava-pés aos discípulos, o
Mestre dá a lição do serviço a prestar e a aceitar, como sinal e fruto do amor
fraterno:
“Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’
e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre,
vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos
exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Em verdade vos
digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele
que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em
prática.” (Jo 13, 13-17).
Depois, enunciou o mandamento novo, que é a marca
do discípulo de Cristo:
“Dou-vos um novo
mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros como Eu
vos amei. Por isto é que todos
conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” (Jo 13,34-35).
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É
ao serviço deste mandamento do amor fraterno que advém o sacerdócio ministerial,
ora instituído, bem como a militância decorrente do sacramento do batismo, que
nos inicia na economia eclesial de povo de Deus, e da confirmação, que nos
confere a adultez da militância no apostolado. Para a robustez que esta militância
postula, bem como para o desempenho do múnus do sacerdócio ministerial, advém a
consagração do óleo do crisma. Os cristãos são investidos nas significativas funções
proféticas, sacerdotais e reais aquando da incorporação em Cristo morto (mistério
de sexta-feira santa),
sepultado e descido à mansão dos mortos (mistério de sábado
santo) e ressuscitado
(mistério
do domingo de Páscoa).
E cumpre-se a Escritura: “Farás um unguento
de óleo e aos filhos de Israel dirás: Unção sagrada será este óleo de geração em geração” (cf Ex 30,25.31). E seremos: Povo de reis, Assembleia santa, Povo sacerdotal, Povo
de Deus.
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Quanto ao sacerdócio
ministerial, que gravita em torno da Eucaristia, da responsabilidade pela
Palavra e da superorientação da caminhada, Jesus diz aos apóstolos, “Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10,16); e, “Em
verdade, em verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que
recebe, e quem me recebe a mim recebe aquele que me enviou” (Jo 13,20).
No contexto da instituição da Eucaristia, a referência
ao sacerdócio ministerial costuma entender-se nos segmentos, “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19; 1Cor 11,24), e,
falando do cálice, “Fazei isto, sempre
que o beberdes, em memória de mim” (1Cor 11,25).
***
Outra mensagem
deste dia de sacerdócio, unção e fraternidade, é exatamente a Eucaristia, hoje
instituída na última Ceia. Um dos relatos mais sintéticos é o de Paulo na 1.ª
carta aos Coríntios:
“Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor
Jesus, na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o
e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo, depois da ceia,
tomou o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto
sempre que o beberdes, em memória de mim’. Porque, todas as vezes que comerdes
deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele
venha.” (1Cor 11, 23-26; cf Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc
22,14-20).
Como se vê, a Eucaristia é instituída como banquete – reunião e festa: é
no contexto da ceia, a ceia pascal, festa familiar que evoca a libertação do povo
da escravidão do Egito por força da aliança de Deus com o Seu povo selada pelo
sangue do cordeiro (agora,
o cordeiro é Cristo; e o sangue da aliança é o sangue de Cristo). E é o sacrifício de Cristo, o mesmo da Cruz: “na
noite em que era entregue”;
“anunciais a morte do Senhor”. E Marcos
refere: “Após o canto dos salmos, saíram
para o Monte das Oliveiras” (Mc 14,26).
Aí, Jesus foi manietado para ir ao tribunal do sinédrio e ao tribunal dos
romanos, de cujo julgamento intempestivo resultou a sua morte de cruz.
Mas é Eucaristia, que antecipa os tempos
escatológicos (“anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”), é Paixão,
Morte, Ressurreição e banquete dos filhos – sacramento da caridade de Cristo e
da fraternidade dos discípulos. A melhor síntese continua na antífona litúrgica:
Ó sagrado banquete, em que se recebe Cristo e se
comemora a sua Paixão, em que a alma se
enche de graça e nos é dado o penhor da futura glória.
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Pela grandeza deste mistério e com a sua alegre
exigência, Santa Páscoa para todos!
2016.03.24 – Louro de Carvalho
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