Parece
que nenhuma circunstância trava o ímpeto incontinente machista. Não basta que
homens e mulheres, idosos e crianças tenham que fugir da guerra, da destruição,
da fome e da morte, grassantes ou iminentes nas suas casas e terras. Não basta
que guerrilheiros ou combatentes esfaimados saqueiem, pilhem e violem corpos
femininos (e outros) e
matem inocentes.
Depois,
os europeus e outros não se contentam com rarefazer ou recusar o apoio aos
trânsfugas, prófugos e refugiados. Não os satisfaz a exploração do tráfico de
pessoas a troco de quantias exorbitantes para os magros bolsos dos migrantes da
peste, fome e guerra e sob a emergência do desastre e da morte. Não, os
benevolentes e acolhedores europeus espreitam a maré da ativa violência sexual
sobre mulheres refugiadas.
Com efeito, segundo informação publicada em
Genebra, a 26 de janeiro passado, mulheres e meninas migrantes e refugiadas que se deslocam pela Europa enfrentam
graves riscos de violência sexual e de género. A verificação consta dum relatório
conjunto divulgado pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), o UNFPA (Fundo de Populações das Nações Unidas) e a WRC (Comissão para Mulheres Refugiadas). Estes organismos procederam a uma avaliação de campo sobre os
riscos envolvidos na trajetória das migrantes e refugiadas em referência na
Grécia e na Macedónia, em novembro de 2015, e concluíram que as mulheres
constituem o grupo mais vulnerável e que necessitam de medidas adicionais de
proteção.
Diversas
mulheres e meninas migrantes e refugiadas já foram expostas a diferentes formas
de violência sexual e de género tanto no país de origem como no seu primeiro
país de refúgio, assim como ao longo da viagem de chegada à Europa.
Algumas das
entrevistadas declararam terem sido forçadas a manter relações sexuais como
moeda de troca para pagamento de documentações necessárias para viajar e/ou
mesmo da viagem. Nalguns casos, mulheres e meninas foram tão relutantes em
adiar a sua partida e a de suas famílias que se recusaram a denunciar crimes de
violência sexual e de género e mesmo a procurar atendimento médico.
Vincent
Cochetel, diretor do escritório do ACNUR para a Europa, refere que “muitas
mulheres e meninas que viajam por conta própria estão totalmente expostas”, sem
poderem contar com a proteção da sua família ou comunidade. E muitas das que
viajam com a família “são vulneráveis a abusos” e não relatam os crimes, não
recebendo, por consequência, “o atendimento de que necessitam”. Algumas
chegaram a casar-se “por desespero”.
O predito
relatório conjunto foi o primeiro produto duma série de projetos e estudos que
agências de ajuda e assistência vêm realizando para se poder avaliar com
precisão os problemas existentes e recomendar ações adequadas para os solucionar.
O relatório
assegura que estão particularmente em situação de risco e exigem uma resposta
coordenada e eficaz de proteção raparigas solteiras “viajando sozinhas e/ou com
crianças, mulheres grávidas e lactantes, meninas adolescentes, crianças não acompanhadas,
crianças que se casam precocemente (que, em alguns casos, estão com seus bebés recém-nascidos), pessoas portadoras de necessidades
especiais e pessoas idosas”.
Apesar do
decréscimo das viagens marítimas devido às severas condições deste inverno,
chega por dia à Europa uma média de 2.000 pessoas e as estatísticas mostram que
uma percentagem crescente delas são mulheres e crianças. Até ao dia 15 de
janeiro de 2016, 55% das pessoas que chegaram eram mulheres e crianças. Em
junho de 2015, eram apenas 27%.
As restrições
impostas pelos governos e o aumento do controlo das fronteiras, a sobrelotação
e tensão das instalações de receção e de trânsito elevam a exponencialidade dos
riscos para as mulheres e meninas. E, para lá disso, migrantes e refugiadas desesperadas
frequentemente recorrem a rotas ainda mais perigosas nas mãos caprichosas de
contrabandistas virulentos.
Sobre esta problemática,
o Dr. Babatunde Osotimehin, diretor executivo do UNFPA, preconiza:
“A saúde e os direitos das vítimas de guerras e
perseguições – especialmente mulheres, adolescentes e jovens – não deveriam ser
tratados como uma reflexão posterior na resposta humanitária. O UNFPA está
trabalhando com parceiros para garantir que as mulheres refugiadas e migrantes
tenham acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva e que se possam prevenir
e combater a violência de género”.
Em resposta,
nas rotas do Mediterrâneo oriental e pelos Balcãs ocidental, tem-se priorizado
a prevenção da violência sexual e de género em todas as atividades
implementadas. Porém, a prevenção, identificação e resposta adequada dependem
sobretudo dos Estados e Agências da UE (União Europeia) em assumir as condizentes responsabilidades e adotar
medidas apropriadas.
Sarah Costa,
diretora executiva da Comissão de
Mulheres Refugiadas sustentou a este respeito:
“Pelo facto de as instalações de receção na Europa não
terem sido feitas para prevenir ou responder à violência de género, mulheres e
crianças não estão a receber a proteção de que necessitam e merecem. Deveríamos
comprometer-nos com as intervenções que sabemos que irão ajudar, incluindo a
contratação de especialistas de violência sexual e de género ao longo da rota”.
A missão
conjunta descobriu que a resposta atual dos governos, organizações
humanitárias, instituições e agências da UE e organizações da sociedade civil ainda
são inadequadas e não conseguem evitar o perigo, exploração e múltiplas formas
de violência de género que mulheres e meninas estão enfrentando por toda a
Europa – e responder-lhes com eficácia. Como exemplo, o relatório refere que, apesar
das tentativas do ACNUR e de seus parceiros em garantir o bem-estar por meio de
abrigos segmentados por género, em muitos há carência de privacidade, acesso
seguro à água, saneamento adequado, unidades de saúde e áreas para descanso
para mulheres e crianças, expondo-as a um potencial risco de violência sexual e
de género.
O relatório
destaca algumas recomendações-chave para os governos e agências da UE:
- O estabelecimento dum sistema de resposta coordenada para a
proteção de mulheres e meninas dentro e fora das fronteiras;
- O reconhecimento dos riscos de proteção, a capacitação de
funcionários e a criação procedimentos específicos para prevenir e identificar a
violência sexual e de género e dar-lhes resposta adequada;
- A garantia de que as respostas à violência sexual e de género
não façam com que as mulheres parem de denunciar os acontecimentos ou deixem de
aceder esses serviços; e
- O fornecimento de vias legais para a proteção,
especialmente para mulheres, crianças e sobreviventes de violência sexual e de
género, incluindo o reagrupamento familiar e a priorização do realojamento e
reinstalação para refugiados com necessidades específicas.
***
Como nota positiva, refira-se que o Dia Internacional da Mulher de 2016 fica
marcado por uma resolução importante do PE (Parlamento Europeu), já que hoje, dia 8 de março, em Estrasburgo, aprovou uma resolução a pedir uma “perspetiva de género”
para a crise dos refugiados, ou seja, passou a considerar, neste contexto, as mulheres
e minorias sexuais como “grupos vulneráveis”.
O relatório
que serve de base à resolução – aprovada com 388 os votos a favor, 150 contra e
159 abstenções – refere, em consonância com o que vem exposto a cima, que as
mulheres refugiadas que tentam entrar na Europa são “frequentemente mais
vulneráveis à violência sexual nos seus países de origem, de trânsito e de
destino” e enfrentam “violência sexual” nos “centros de acolhimento sobrelotados
na UE”.
Durante o debate,
a direita acusou a proponente da resolução, a eurodeputada britânica Mary
Honeyball, de querer confundir migrantes económicos com refugiados.
O documento,
simbolicamente apresentado no Dia Internacional da Mulher, explica que muitas
das refugiadas não estão a fugir necessariamente de cenários de guerra, como é
o caso da Síria. Procuram asilo para não serem sujeitas, nos seus países, a
“violação, mutilação genital feminina, casamento forçado, violência doméstica e
os chamados crimes de honra”. Os três países citados são Afeganistão, Iraque e
Somália, dos quais entraram na Europa 145 mil, 103 mil e 22 mil pessoas desde
2014, respetivamente, segundo o Eurostat, a Frontex e a Amnistia Internacional.
A resolução
alarga, embora de forma implícita, o conceito de exilado político, nele
incluindo mulheres e pessoas homossexuais, bissexuais, transgénero e
intersexuais que são “alvo de formas específicas de perseguição”. Tais
situações “demasiadas vezes não são reconhecidas nos procedimentos de asilo”,
mas constituem “motivos válidos”.
A relatora, do
grupo dos Socialistas e Democratas no PE,
chegou a duvidar da aprovação da resolução por as negociações com os grupos
parlamentares terem criado “alguns obstáculos”.
O grande
obstáculo decorre do princípio da subsidiariedade, estabelecido no Tratado de
Maastricht, em 1992, pelo qual a intervenção da UE em assuntos nacionais só tem
lugar quando os países não são capazes de os resolver por si. Assim, o alcance
da resolução é limitado.
A predita
eurodeputada reconhece que “a questão da subsidiariedade não terá rápida resolução”,
sendo “um assunto muito presente” que “torna difícil qualquer intervenção nesta
crise que implica competências de cada Estado, mas precisa de soluções a um
nível europeu alargado”.
Com origem
na Comissão dos Direitos da Mulher e da
Igualdade dos Géneros, o documento foi muito criticado durante o debate: a
eurodeputada alemã Beatrix von Storch, dos Conservadores
e Reformistas, acusou a relatora de “ultrapassar a vontade dos
estados-membros” e a húngara Ildikó Gáll-Pelcz, do Partido Popular Europeu, disse que a Comissão dos Direitos da Mulher “excedeu o seu mandato”. Porém, a
crítica mais viva veio da francesa Mireille d’Ornano, da Frente Nacional, dizendo que as questões de género e minorias
sexuais atinentes aos refugiados “são frouxas e impertinentes” e têm origem na
“ditadura moral” da esquerda europeia.
O texto
sustenta que a violência contra os “grupos vulneráveis” é “prática corrente nos
centros de acolhimento” de refugiados. Sublinha abertamente a existência de
“violações dos direitos humanos cometidas pela Frontex”, assim como por forças
de segurança ou defesa dos países europeus e de países terceiros que têm
cooperado com a Frontex, a agência europeia de controlo de fronteiras, que a
Comissão Europeia quer reformar. E, apesar de ser “difícil coligir
estatísticas”, sabe-se que 55% dos refugiados que chegaram à Grécia em janeiro
último eram mulheres e crianças, e 20 mil mulheres e raparigas que todos os
anos pedem asilo nasceram em países que praticam a excisão genital.
***
Não há
dúvida de que a resolução ora aprovada constitui um passo decisivo. Não obstante,
dada a sua limitação e tendo em conta que a realidade está em contínua mudança,
muitas vezes para pior, há ainda muito caminho por fazer e andar. Que os
europeístas ponham mãos à obra!
2016.03.08 – Louro de Carvalho
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