Em cerimónia que decorreu
no Campus de Justiça, em Lisboa, a 1 de março, Francisca Van Dunem, fez a
apresentação do “Plano de Ação Justiça + Próxima”, para a transformação da
Justiça potenciada pelo digital, que integra 120 medidas que visam tornar a
justiça “mais ágil, transparente e próxima dos cidadãos” através da execução de
um plano de desenvolvimento sustentado e continuado.
A Ministra da Justiça diz
que as suas medidas assentam em 4 pilares – eficiência, inovação, proximidade
e humanização –, estão alinhadas com os demais programas de
modernização administrativa, como o SIMPLEX, ora restabelecido, e constituem
uma iniciativa a abrir a todos os cidadãos e agentes da justiça, incentivando a
participação cívica e os debates públicos. Com a apresentação deste Plano,
marca-se, na sua ótica, o momento fundador das mudanças que o Governo quer
introduzir na área da Justiça e giza-se o “Programa de Modernização do XXI
Governo Constitucional”.
Ao ser questionada pelos
jornalistas sobre os custos, a titular da pasta da Justiça esclareceu que o
plano não vai onerar o OE (Orçamento do Estado) e será integralmente suportado pelo FMJ (Fundo de Modernização
para a Justiça),
com recurso a fundos europeus. Assim, adiantou que, para 2016, está previsto o
investimento de 2,8 milhões de euros resultantes do FMJ. Mas o programa vai
também usufruir de outro tipo de financiamentos a partir de projetos
internacionais de inovação social e de parcerias com empresas no contexto de
responsabilidade social.
A aproximação da justiça aos
cidadãos, a modernização e melhor gestão do setor e a valorização dos seus recursos
humanos e materiais são as “metas” a atingir com este plano que
pretende ser “o motor de ideias e de soluções inovadoras” e promover a
colaboração entre o sistema de justiça e a sociedade civil. As medidas que o
integram são de dois tipos: as estruturais; e as pontuais. As primeiras
destinam-se a “reforçar os sistemas”; as outras prendem-se com questões de
tecnologia e integram-se num programa mais amplo.
Para a implementação das
medidas do Plano, impõe-se o desenvolvimento dos programas-piloto. Assim, o
tribunal de Sintra acolhe uma destas experiências para se perceber “os
métodos de trabalho, organização das secretarias, tipo de atendimento e
comunicação com o público”, bem como a forma como as notificações são efetuadas.
E vai receber uma experiência para testar modelos e soluções de atendimento
mais amigável, abrangente e célere, com recurso a instrumentos tecnológicos já
utilizados em Lojas do Cidadão. Por outro lado, a governante observou que em Penela
(no distrito
de Coimbra)
decorre uma experiência que obedece a uma “lógica diferente”, com vista à
introdução de um conjunto de serviços integrados (que não têm só a ver com
os tribunais)
que melhore a oferta da região.
No atinente ao calendário
para a execução das 120 medidas, Francisca Van Dunem referiu que a cada uma
será dado o seu momento de concretização, tendo as experiências-piloto uma
duração de seis meses, seguindo-se as “correções adequadas” e, se o modelo
funcionar será, replicado. Isto porque, segundo o que disse, “há pequenas coisas”
que todas juntas “podem mudar de facto a vida dos tribunais”.
Quanto à inovação,
a Ministra sustenta que “não termos medo de inovar”, acrescentando que
“convocaremos todos os agentes da Justiça para trabalharem em conjunto em modos
de fazer diferente, fazendo melhor”. Nalguns casos, bastará mudar a forma como
os agentes da justiça interagem entre si e com os cidadãos, mas será sempre
importante simplificar, falar mais claro.
Relativamente à humanização
da justiça, o plano prevê, entre outras ações, a comunicação entre reclusos e
familiares por videoconferência, bem como consultas médicas por videoconferência
nos Estabelecimentos Prisionais.
No respeitante à eficiência,
criar-se-á o programa “Meu Tribunal”, que permitirá aos tribunais reportar
pequenos problemas informáticos e de instalações para identificação rápida e ativo
acompanhamento deste tipo de ocorrências e, em geral, retirar o mais possível o
papel e melhorar circuitos, sem perder de vista o fundamental: a garantia da
segurança jurídica.
***
O Plano decorre do Programa do XXI
Governo Constitucional, que visa, sob o lema “Agilizar a Justiça”: melhorar
a gestão do sistema judicial; promover
o descongestionamento dos tribunais; simplificar
e desmaterializar os processos judiciais; aproximar a Justiça dos cidadãos; e melhorar a qualidade do serviço público de Justiça.
A este respeito, constitui uma
peça programática a intervenção da Ministra na discussão na especialidade do OE
para 2016, em 26 de fevereiro de 2016. Dela se respigam alguns pontos:
Um sistema de justiça do século
XXI postula efetividade, clareza, transparência e equidade no relacionamento
com os cidadãos e as empresas. A efetividade consiste na “agilidade sem perda
da qualidade decisória”, ou seja, “decidir em tempo útil, através de
procedimentos totalmente escrutináveis, produzindo decisões que traduzam uma
ideia de justiça e cujo conteúdo seja apreensível para os seus destinatários e
para os cidadãos em geral”. Mas a efetividade implica “proximidade e
acessibilidade”, que levem à remoção de constrangimentos no acesso dos cidadãos
e das empresas aos tribunais.
Dado que a justiça das pessoas
singulares reclama proximidade, celeridade e clareza, o Governo intervirá no
mapa judiciário, mantendo o desenho atual, mas assegurando, “através da criação
de novas secções de proximidade e do mecanismo de agregação de secções, que
voltarão a ser praticados atos judiciais nas 27 comarcas extintas”. Prevê-se
ainda o reforço de competências de secções de proximidade existentes e
conversão de algumas secções de proximidade em secções de competência genérica
(Miranda
do Douro e Castro Daire).
As linhas estratégicas dos reajustamentos
em causa, além de favorecerem a proximidade, garantem a presença simbólica do
Estado no exercício desta função de soberania numa parcela mais vasta do
território. Em algumas comarcas serão feitos ajustamentos pontuais para melhor responder
às condições e tendências demográficas, à estrutura das economias locais e aos seus
movimentos pendulares – trabalho a efetuar com os Municípios, os Conselhos
Superiores, a Ordem dos Advogados e associações representativas das profissões
envolvidas. Na perspetiva orçamental estas opções implicarão intervenções em
instalações de Tribunais (prevê-se uma verba de 21 milhões) com o apoio e comparticipação
de autarquias autodisponibilizadas a reabilitar os espaços de tribunais
desativados, alguns instalados em edifícios relativamente recentes, cuja
construção envolveu relevantes custos para o Estado. Por sua vez, o Governo
investirá na disponibilização de instrumentos de comunicação à distância que
aumentem e qualifiquem a rede de aparelhos de teleconferência e videoconferência.
A reforma de 2014 partiu da
lógica de especialização e criou Tribunais especializados, mas não magistrados
especializados. Especializando, aumentou as necessidades do sistema no atinente
à dotação de magistrados. Este fator, associado ao ritmo de aposentações e
jubilações sentido nos últimos 4 anos, justificou a abertura de novo curso de
formação para magistrados judiciais, dos TAF e do Ministério Público, a iniciar
no último quadrimestre deste ano.
***
É também de capital importância a
melhoria da gestão, através da formação dos membros dos órgãos de gestão, para
o que está em desenvolvimento um novo curso para Presidentes de Tribunais,
Coordenadores e Administradores judiciários. No concernente aos oficiais de
justiça, prossegue o trabalho da identificação de soluções para melhorar as condições
de desempenho.
A justiça das empresas (abrangendo
trabalhadores e empresários)
reclama, a par do combate à corrupção e à fraude – fatores de distorção da
concorrência e de redução da competitividade – rapidez na decisão nas áreas
cível (englobando
o comércio e as execuções),
laboral e tributária. O processo executivo, espaço em que se
enquadra o grosso da litigância cível, impõe um esforço adicional de redução
dos “processos parasitas” – à cabeça dos quais estão ações para obtenção de
declaração de incobrabilidade do IVA – e de redução das formas declarativas
transitadas para as execuções em decorrência da extensão dos títulos
executivos. No Comércio, são de concluir os meios tecnológicos para a melhor
interação tribunais / solicitadores de insolvência; e importa reavaliar o funcionamento
das secretarias e redimensionar as unidades com maior pressão processual. Na área
laboral, vê-se como necessária a adaptação do Código de Processo de
Trabalho face às alterações introduzidas na legislação processual civil,
harmonizando-as e melhorando a fluidez de procedimentos. A jurisdição administrativa e
fiscal exige uma intervenção integrada, envolvendo o planeamento, a
avaliação de procedimentos, meios, métodos de trabalho e o modo de organização
das secretarias e o apoio técnico aos magistrados, que permita desbloquear a
situação de grave dificuldade que atravessa. Para tanto será constituído um
grupo de análise e acompanhamento se encarregará da enunciação de propostas de
progresso e da monitorização.
A premência da conjuntura
nacional e internacional reclama da justiça um papel firme de afirmação de
valores que lhe são caros, constituindo aquisições dum património civilizacional
comum. Assim, o combate ao crime adquire uma dimensão crítica, porque o espaço
da justiça também depende da perceção da efetividade da sua ação. E, como a
capacidade de ação da Polícia Judiciária no Plano nacional
e a sua credibilidade como interlocutor externo dependem também do
reconhecimento da sua capacidade operacional, o OE prevê o reforço possível da sua
dotação orçamental, na lógica de renovação de equipamentos e de melhoria da
capacitação tecnológica, sobretudo no atinente à criminalidade económico-financeira,
à criminalidade informática, à criminalidade praticada através de meios
informáticos e ao terrorismo.
Em resposta aos problemas de
sobrelotação do sistema prisional e insuficiência de efetivos, iniciar-se-á a
conceção do Plano de Requalificação da rede de estabelecimentos prisionais. Por
outro lado, será reforçada a autonomia metodológica e finalística das estruturas
de reinserção, bem como a melhoria dos seus meios de ação.
Ainda em 2016, será criado um
Laboratório de Inovação da Justiça que será um espaço de incubação e diálogo,
aberto aos operadores judiciários, às universidades, a centros de investigação,
a comunidades de strat up
tecnológicas, possibilitando a experimentação de novas soluções tecnológicas de
valor acrescentado para a justiça. Ao longo dos últimos 4 anos foi editada mais
de meia centena de diplomas com origem no Ministério da Justiça. Ora, a
produção legislativa, para operar na dimensão reformista precisa de espaço e de
tempo e os aplicadores do direito precisam de alguma paz legiferante que lhes
permita conhecer e construir a interpretação das novas regras. Por isso,
considera-se que, “na área da justiça, se deve acalmar a pulsão para a sucessão
de intervenções legislativas”. Não obstante, alguns domínios não poderão ficar
intocados e, nesses, perspetiva-se, para lá da prossecução do trabalho iniciado
em matéria de estatutos das magistraturas, a mencionada alteração ao Código de
Processo de Trabalho e o início de intervenção no Código Civil, em alguns dos
seus segmentos mais desatualizados, por ocasião do 50.º aniversário da sua
vigência.
***
O Plano, consonante com o
Programa do Governo, é altamente ambicioso e parece responder a às necessidades
sistémicas no âmbito da Justiça. Será desta vez que o comboio seguirá sem
percalços ou seremos apanhados por alguma interrupção (in)voluntária da
geringonça (IVG)?
2016.03.02
– Louro de Carvalho
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