O
JN de ontem, dia 19 de março, dá
conta à opinião pública da polémica gerada em torno da realização de cerimónias
religiosas em escolas públicas por ocasião da Quaresma e aproximação da Páscoa,
nomeadamente celebração de missas e comunhões pascais, referenciando-se
sobretudo algumas escolas do Norte do país. O jornal ostenta mesmo uma imagem
com pessoas a escrever em painéis encimados com o crucifixo e com a legenda, “Várias escolas organizam atividades
religiosas dentro do horário letivo, no âmbito das celebrações da Páscoa”.
No
corpo da notícia, aduz que pais e professores entendem que missas em horário
letivo não deviam acontecer e que educação e celebrações religiosas “não devem
misturar-se, nem em nome da tradição”, sobretudo, “havendo pelo menos um aluno
que não participe”. E o professor secretário-geral da Fenprof sentencia que “é
irregular e não é aceitável”, que “escolas são escolas” e “igrejas são
igrejas”, devendo cada um “respeitar o espaço que é adequado para cada uma das
coisas”. Neste alinhamento também o BE (Bloco de Esquerda) quer saber o que pensa o ME (Ministério
da Educação) para
garantir a laicidade da escola pública.
Por
seu turno, Jorge Ascensão, da CONFAP, assegura que “a escola tem de responder
às necessidades de todas as crianças e com todas trabalhar de forma
equitativa”. Porém, o JN seleciona este segmento e coloca-o em subtítulo nos
seguintes termos: “Confap diz que a
escola deve trabalhar com todas as crianças de igual forma”. É diferente,
como se vê.
***
Outros órgãos de informação apontam o dedo ao suposto facto
de que “o ensino público exclui os alunos que optam por não participar em
cerimónias religiosas organizadas em horário letivo”, a crer no que alega a ARL
(Associação República e
Laicidade) e que “tanto
o Ministério da Educação como as escolas, em especial na região norte, invocam
a ‘tradição enraizada’ nas comunidades ‘esmagadoramente católicas’ onde se
inserem para justificar a realização das cerimónias católicas”. A este
respeito, Ricardo Alves, da ARL, ensina: “A
escola é para educar, não é para coagir os alunos que são, desta forma,
excluídos por não terem uma religião. O papel da escola devia ser integrar, não
excluir”. E acrescenta: “Se é uma
tradição, pode ser feita fora da escola. Misturar isso nas atividades letivas é
perfeitamente inaceitável”.
Também se aduz que a Constituição estabelece que “o Estado
não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes
filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, pelo que “o
ensino público não será confessional” (vd CRP, art.º 43.º/2 e 3).
Por seu turno, a AAP (A Associação Ateísta Portuguesa) protesta ao DN
que “os direitos fundamentais, como o de ter uma religião diferente ou não ter
sequer uma, existem para proteger as minorias”. E o seu presidente, Luís
Rodrigues, assegura que impor aos outros “uma posição por ser maioritária” é uma
postura “absolutamente nazi”. E enfatizando o discurso disserta: “Vivemos num
país que é constitucionalmente laico, que tem uma posição neutra sobre a
religião, ao contrário do antigo regime”.
Por outro lado, parece haver uma contradição entre o que o
Presidente da CONFAP diz umas vezes e o que diz outras vezes, já que, segundo
outras fontes noticiosas, “admite realização de missas
durante o horário letivo nas escolas públicas, se não prejudicarem as aulas e
desde que o ME investigue eventuais discriminações”. E adianta:
“Não há qualquer problema, desde que a comunidade esteja toda de
acordo na sua realização e desde que não prejudique a atividade educativa, a
principal função da escola”.
E, “a ser verdade que há alunos a serem discriminados”, sem qualquer
atividade, o ME deve averiguar e instar à correção:
“O Ministério deve averiguar e corrigir. Temos de ver o que se
está a passar ou não. Quanto ao facto de ser uma escola pública e a religião
católica, não vejo qualquer problema, sendo que não vejo para a católica nem
para outra religião, desde que a comunidade esteja de acordo”.
O ME, citado pelo JN,
explicou que, “para que os alunos possam participar na iniciativa, os
encarregados de educação têm de assinar uma declaração autorizando tal
participação. Os alunos que não participam ficam na escola, que lhes aloca o
acompanhamento regular”.
***
Começo por comentar o artigo 43.º da CRP (n.º 2 e n.º 3).
Com efeito, “o Estado não pode programar
a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas”
(n.º
2). Querem, por consequência, garantir-me que, pelo menos, os programas de
Português, Filosofia, História, Geografia, Sociologia e Economia estão despidos
de qualquer uma das diretrizes estabelecidas constitucionalmente? Dispensem-me
da hipocrisia, por gentileza, se não o querem fazer por convicção! E é o Estado
que estabelece os currículos e os programas; não é nenhuma ONG como, por
exemplo, a SEDES, a Academia Portuguesa das Ciências ou a Fundação Calouste
Gulbenkian! E, se calhar, há por lá muita matéria que com que eu e muitos
outros não concordaremos e somos obrigados a ensinar ao abrigo do n.º 2 do
art.º 35.º do ECD!
“O ensino público não será
confessional” (n.º 3). Esta asserção quer
dizer que o Estado não ensina uma religião, porque, como tal, não professa uma
religião: é neutral, não inimigo; dialogante, não excludente. E nada obsta a
que na linha do conhecimento e da História das Religiões, a liberdade de
aprender e de ensinar (vd n.º 1) possa ficar
coarctada. Até se aprende, por exemplo, a religião e a mitologia greco-romana
sem consequência confessional.
Por outro lado, o n.º 5 do art.º 41.º estabelece a garantia da “liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respetiva
confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social
próprios para o prosseguimento das suas atividades”. Ora, esse ensino deve ser
feito nos locais aonde as pessoas vão e onde elas vivem. E as crianças,
adolescentes e jovens passam muito do seu tempo na escola (E
com a escola a tempo inteiro…),
que nos dizem que
tem de ser plural, contextualizada, inclusiva – e não exclusivista e
negativista.
Além disso, o Estado – que não
quer, a partir da revolução abrilina, ter a questão religiosa e o isolamento da
I República – vincula-se aos tratados internacionais que livremente assume. E a
concordata com a Santa Sé prevê o ensino da religião nas escolas, sendo que
este ensino, como o de outras disciplinas deve ter, além da componente teórica,
a componente prática com visibilidade. O que, a legitimar-se a celebração
litúrgica numa escola, a autorização escrita para os alunos participarem é exigível,
do meu ponto de vista, para os alunos que não estão inscritos na disciplina (alguns
não estão inscritos não pela falta de convicção religiosa, mas por outros
motivos organizativos e familiares).
Ora, a vantagem da concordata, bem
como a experiência da sua aplicação, originou a lei das confissões religiosas,
segundo a qual, desde que haja em escola, hospital, aquartelamento militar um
número mínimo de membros de outras religiões, que não a católica, deve ser
garantida a assistência religiosa e, na escola, o ensino respetivo – a cargo de
ministro da respetiva religião ou de quem as suas vezes fizer legitimamente.
E os que não professam religião
nenhuma? Devem ter o acompanhamento adequado em biblioteca ou centro de
recursos e/ou estudos. E pergunto-me por que motivo não se deu seguimento à
disciplina de Desenvolvimento Pessoal e
Social, da reforma de Roberto Carneiro para quem a preferisse à Educação Moral e Religiosa.
A não ser assim, porque é que nos
hão de continuar a metralhar com as finalidades educacionais do desenvolvimento
integral do “eu” do aluno (Será apenas técnico, científico,
físico…?), da
resposta aos desafios da sociedade e da participação ativa na vida pública?
As celebrações litúrgicas deveriam ser preferencialmente num templo?
Talvez. Porém, não vejo inconveniente em que o sejam também em escola, como em
quartel ou em hospital – onde estão as pessoas. Além disso, é mais difícil
garantir a segurança das pessoas – crianças, adolescentes e jovens – se as
igrejas ou capelas estiverem fisicamente longe das escolas.
Em qualquer dos casos, alunos que não adiram devem ter o conveniente
acompanhamento. Mas devem respeitar-se as opções dos grupos sejam eles
maioritários (por
resposta à vontade maioritária), sejam minoritários
(por respeito pelas
minorias). Em tempo de aulas? Porque não, se o Plano
Anual de Atividades devidamente aprovado, admite outras atividades através das
quais também se aprende? Ou será que todas as demais atividades são da
necessidade ou do agrado ou da vontade de todos os alunos? E os outros ficam sempre devidamente acompanhados?
Quero dizer à AAP ou à ARL que laicidade e aconfessionalidade não podem
significar mais do que separação. Insisto em declarar que a laicidade da República configura
o reforço da componente popular do Estado, componente inclusiva de todos como
são ou querem ser. E tão grave é obrigar a uma atividade quem não a quer como
privar dela aqueles que a querem.
Por outro lado, a inclusão
implica o “não” ao negativismo. O negativismo é perigoso pelo vazio em que
deixa pessoas e sociedades. Será legítimo privar as crianças e adolescentes da
celebração do dia do Pai na escola porque há crianças crescidas em famílias
monoparentais e crianças crescidas entre cônjuges do mesmo sexo? Não será mais útil
fazer a pedagogia da diferença legítima? O mesmo se diga da proibição da celebração
do Natal para não ofender suscetibilidades de muçulmanos e alguns refugiados. Será
legítimo privar as sociedades da cristandade do presépio e intoxicá-las com o
Pai Natal e com os sinos, as árvores de bolas e luzes? Não será infâmia histórica
querer o Natal e a Páscoa só para usufruir dumas férias, duns feriados, dumas
jantaradas e mandar às malvas o sentido dos que se proclamam cristãos?
Também é de corrigir a asserção
de quem refere que obrigar alguns a uma iniciativa da maioria é nazismo. Que eu
saiba, o nazismo não configurava o pensamento e a opção da maioria, muito
embora o líder tenha subido ao poder por via eleitoral, mas sem abrir o jogo
todo.
***
A escola deve trabalhar com todos de forma equânime, isto é, colocando-os
nos patamares da igualdade possível e respondendo às necessidades e aos legítimos
anseios das pessoas e da comunidade. Quando não, lamentaremos para onde vai a
escola, para onde vai a sociedade.
2016.03.20 – Louro de Carvalho
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