Alguns órgãos de comunicação deram relevo, a meu ver,
desmedido ao facto de Nuno Crato ter sido o único dos ministros que deixaram o
XIX Governo Constitucional “que regressa à área que tutelou”.
Se nos ativermos ao aforismo de que “não é notícia o
cão que morde o homem, mas o homem que morde o cão”, não será notícia o facto
de o ex-Ministro da Educação e Ciência regressar ao seu lugar de professor
catedrático no ISEG (Instituto
Superior de Economia e Gestão) – uma das escolas que integram a Universidade de Lisboa, que resultou
das anteriores Universidade Clássica e Universidade Técnica – e de onde saiu
para assumir funções de Ministro da Educação e Ciência, no decurso do último
quadriénio.
Chamo-lhe não notícia e mesmo não facto, uma vez que é
consensual no nosso sistema político-jurídico os eleitos deputados à Assembleia
da República e os selecionados para membros do Governo não serem prejudicados
em relação aos direitos e deveres inerentes aos seus lugares de origem no caso
de serem trabalhadores da Administração Pública, pelo que também os do setor
privado habitualmente regressam, sem problemas, aos seus lugares de origem.
É certo que muitos, depois de passarem pelo Parlamento
ou pelo Governo, conseguem um lugar melhor nas instâncias internacionais ou
nalguma empresa sediada em Portugal. Alguns regressaram ao Banco de Portugal ou
nele entraram.
Tão normal é um ex-governante voltar ao serviço de
origem, tenha ele ou não a ver com a pasta que sobraçava, como ingressar noutro
serviço ou ainda ir para a reforma/aposentação.
Quanto a Ministros da Educação, Crato voltou à
Universidade, Maria de Lurdes Rodrigues voltou ao IUL (embora temporariamente requisitada
para a presidência da FLAD), Isabel Alçada regressou à sua escola, Diamantino Durão, Júlio Pedrosa
e Diamantino Durão voltaram às suas Universidades.
Mas também Paula Teixeira da Cruz voltou à advocacia,
em certa medida, relacionada com a pasta que sobraçou. Não teve ela
divergências fortes com a ordem dos Advogados e com os magistrados?
Poiares Maduro foi reatar a sua carreira académica.
Paulo Macedo, Pires de Lima e Anabela Rodrigues voltam ao seu lugar de origem,
a menos que sejam deputados. E o lugar de origem de Anabela Rodrigues é a
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (tutelada pelo MEC). Os regressados só não terão direito a lugares de
dirigentes ou de chefias se já estiverem ocupados. Mas estes não são, por
norma, propriamente um direito inerente à carreira.
***
Não me parece, pois, que o facto de Nuno Crato ser
recebido normalmente no ISEG seja notícia. Sê-lo-ia, sim, se infelizmente o seu
regresso viesse a causar turbulência, o que seria de lamentar no quadro de uma
democracia consolidada, a salvo de qualquer processo revolucionário. E não
estamos num PREC II, com alvitrou Paulo Portas e outros.
Dizem que Nuno Crato tem que deixar para trás as
guerras que desencadeou com o ensino superior, sobretudo no atinente aos cortes
no financiamento às Universidades e aos Institutos Politécnicos. Ora, essa é
uma postura que incumbe a todos. Era o que faltava a comunidade académica e/ou
científica vir a não receber com tranquilidade um seu professor catedrático!
Parafraseando o que dizem alguns de outras matérias, cumpre clamar “o que é do
governo ao governo, o que é da academia à academia”. Quem poderia ficar
ressentida com ele era a SPM (Sociedade Portuguesa de Matemática) pela suposta aplicação de uma errada fórmula matemática à
colocação de docentes, bem como os próprios docentes atingidos
Porque seria de estranhar o regresso do ex-Ministro da
Educação e Ciência ao Instituto Superior de Economia e Gestão se este sempre
foi “a casa do antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática”, se ali
se licenciou, fez o mestrado e de lá saiu apenas “para o doutoramento nos
Estados Unidos da América”? Pode não continuar a exercer os cargos que detinha
antes da tomada de posse como ministro: pró-reitor da Universidade Técnica para
a Cultura Científica; e presidente do conselho de administração – destacado
também pela universidade – do Taguspark.
Ironicamente até salientaram os jornais que tem a vida
facilitada, pois, o seu regresso às aulas só acontecerá em fevereiro, dado que
as turmas deste primeiro semestre já foram distribuídas pelos outros
professores. Esta, sim, pode ser notícia: o facto de o professor catedrático
estar seis meses a “descansar”, ou melhor, a ganhar sem trabalhar e, é claro,
sem culpa sua.
Depois, vêm os elogios. João Duque, economista e
ex-presidente do ISEG, assegura que este professor catedrático é “uma espécie
de general oficial no exército” (não sei o que seja isto: só conheço a designação de “oficiais
generais”: aqui não se aplica a propriedade comutativa da adição ou a da
multiplicação) – isto
para justificar que o seu regresso ao departamento de Matemática e à área da
Matemática e Estatística no instituto que integra a nova Universidade de Lisboa
será um regresso tranquilo.
Depois, o ex-presidente do Instituto, tendo em conta
que a presença do ex-Ministro independente no corpo docente do ISEG é uma
grande mais-valia, valoriza o seu regresso, explicando que se trata de “um
regresso normal” (se é
normal não tem de ser valorizado), justificando que, quando as pessoas deixam os cargos
públicos regressam ao local de origem”. E, além disso, no pressuposto de que
ele é um professor catedrático, João Duque profetiza que deverá ter serviço
letivo no segundo semestre.
Também o reitor da Universidade do Minho, professor
António Cunha – presidente do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) – para garantir que o ex-Ministro
que tutelou as Universidades não terá um complicado o regresso às salas de aula,
como poderia acontecer, aduz que “somos uma comunidade em que felizmente há
muita diferença de pensamento e respeito por essa diferença”. Por isso, “apesar
dos problemas que atravessou durante o seu mandato, Nuno Crato não deve
enfrentar oposição no meio.
O presidente do CRUP acredita, ainda, que a integração
do ex-Ministro “vai ser normal” junto dos colegas de faculdade e admite que o
facto de Nuno Crato não ter já turmas atribuídas pode facilitar o regresso,
porque “já terá passado algum tempo entre as decisões que tomou e o regresso à
vida de professor” e porque as diferenças “não condicionam o regresso de um
professor à vida ativa”.
E não sei a que propósito João Duque vem agora
comparar com o caso de Nuno Crato o de Francisco Louçã. Com efeito, o
ex-dirigente do ISEG recorda, a título de exemplo, o regresso de Francisco
Louçã ao Instituto depois de deixar o Parlamento e a liderança do Bloco de
Esquerda.
Os casos não são comparáveis: Louçã era deputado e não
ministro, ou se quisermos, Louçã nunca teve problemas com as determinações
sobre o ensino superior. Pelo contrário, como destacado elemento de um partido
“sempre” de oposição, sempre se mostrou contrário a medidas restritivas sobre
educação e ensino.
Candidamente João Duque vem contar-nos:
“Eu era presidente do ISEG, recebi uma carta dele a comunicar que estava
de regresso, chamei-o para uma conversa e para lhe desejar boa sorte no
regresso. Ele era também catedrático e a sua reintegração foi normal.”.
E pergunto-me
como é que sendo a Academia um espaço de divergências respeitadas e a
respeitar, como é que João Duque vem dizer que Nuno Crato é um “bom professor e
um ativo importante”. E Louçã não o será? A esse bastou chamá-lo ao gabinete e
desejar-lhe boa sorte?
***
É certo que, do seu mandato de quatro anos, Nuno Crato ficará
ligado às polémicas que originou, sustentou e aumentou com as escolas, com os
professores e com as Universidades, de que até resultou a demissão do ex-presidente
do Conselho de Reitores António Rendas. Mas também é certo que deixou marcas
positivas, como defendem fontes da área, de que se destaca “a aprovação do
estatuto do estudante internacional, que permite cobrar propinas mais altas a
alunos fora da União Europeia”.
No entanto, a postura governativa tem de ser entendida pela
Academia. O regresso de Crato teria de ser normal e sem sobressaltos. Crato não
devia ter sido notícia, pelo menos mais do que os seus ex-colegas de Governo.
E, se o foi, há de ser porque a Universidade não é assim tanto um espaço de
liberdade e diferença a respeitar como se apregoa.
Se a Universidade apostasse mesmo na produção de
conhecimento, com todas as condições de liberdade, e com a sua exposição e
divulgação, também saberia encontrar pistas de resolução mais autónoma dos seus
problemas e não se deixaria subjugar por um Governo da República, a ponto de
deixar desistir alunos por falta de dinheiro ou não se empenhar a sério na
prestação de serviços.
A Universidade não se pode vergar à política ou à economia.
E, porque todos e cada um dos seus membros são livres, a Universidade não tem
cor partidária própria, ou, dada a diversidade, terá de ser um verdadeiro
arco-íris político.
2015.11.06 –
Louro de Carvalho
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