A confirmar-se o enunciado vertido em
epígrafe a justiça angolana não fica nada fotogénica, muito menos telegénica.
No entanto, Luaty Beirão, músico e ativista, que integra um grupo de 17
ativistas acusados de prepararem uma rebelião contra o Estado de Angola, vaticinou,
no primeiro dia do julgamento, que “vai acontecer o que o José Eduardo quiser”.
Note-se que a acusação de rebelião
contra o Estado inclui uma discussão desencadeada no Facebook (através de texto lançado inicialmente
pelo advogado e professor de Direito Albano Pedro) relativa a um futuro governo de salvação nacional, à
titulação da Presidência da República por Julino Kulepeteka, líder de uma seita
angolana (detido desde o
mês de abril) e à
designação de Luaty Beirão como Procurador-Geral da República.
O julgamento arrancou, no dia 16, com
muito atraso e “arrastou-se sem ninguém entender porquê”. Nito Alves, o único
arguido interrogado no primeiro dia e a quem o juiz-presidente do tribunal coletivo
fez perguntas como “quem é o ditador”,
classificou o interrogatório como “caricato”.
Refira-se que, enquanto Luaty Beirão impressionou
o mundo com uma greve de fome de 36 dias, Nito Alves, de 19 anos, o mais novo
dos arguidos, já estivera preso, em 2013, durante dois meses, acusado de
“ultraje ao Presidente”, por ter imprimido T-shirts com palavras contra José
Eduardo dos Santos.
Por seu turno, Luís do Nascimento,
membro da equipa de advogados de defesa de 12 dos 15 que estão presos desde 20
de Junho (Rosa Conde e
Laurinda Gouveia, duas outras ativistas, aguardaram o início do julgamento em
liberdade), opina que “o
juiz está mais interessado em obter declarações de intenções” e, porque “nem o
juiz nem os oficiais do tribunal sabem responder a nada, a polícia tomou conta
do tribunal” do Benfica, em Luanda para onde o julgamento foi transferido há
uma semana, pois estava inicialmente previsto para o Tribunal Provincial do
Cacuaco, também em Luanda. E, se Luaty assume que “estamos mentalizados para a
condenação”, o causídico, que afirma tratar-se de um “totoloto”, acredita na
decretação de penas, mas com suspensão do seu cumprimento – uma forma de salvar
a face por parte do regime de Luanda.
Com efeito, este caso, que a Amnistia
Internacional descreveu como “teste crucial à independência do sistema judicial
em Angola”, provocou muitas críticas ao regime de José Eduardo dos Santos, no
poder há 36 anos. É, por isso, “por uma questão de capricho, depois das
acusações de ingerências externas”, que Luís do Nascimento tem dificuldade em
acreditar na absolvição.
Acresce referir o incidente suscitado
pelos advogados – Luís do Nascimento, Michel Francisco, Walter Tondela e David
Mendes – no início da audiência de julgamento por não lhes ter sido facultado o
acesso ao processo com o tempo suficiente para poderem preparar devidamente a
defesa. O juiz-presidente, em resposta, referiu que o processo estivera
disponível pelo menos durante 16 dias e que os advogados se esqueceram das
armas de que dispunham. Porém, os advogados reagiram: “O problema é que, sempre que tentámos, o processo estava com a
procuradora ou com o advogado do lado da acusação”.
***
O primeiro dia do julgamento ficou
assinalado pela manifestação de familiares e apoiantes dos arguidos e do que
pareceu ser uma contramanifestação.
Segundo a agência Lusa, a polícia a cavalo carregou sobre
manifestantes que se concentraram à porta do tribunal para defender a
libertação dos ativistas. Nessa ação de dispersão, pelo menos um manifestante ficou
ferido. O Dr. Nascimento diz ter ouvido “gritos” quando já se encontrava no
interior do edifício do tribunal. E, do outro lado da barricada, constituída
por jovens que envergavam camisolas onde se lia “justiça sem pressão”, ouviu-se clara a palavra de ordem “Portugal tira o pé de Angola!”, alusão
ao que alguns denominam de interferência externa.
Por outro lado, a entrada dos
arguidos na sala de audiência, vestidos com a habitual farda dos serviços
prisionais, mas descalços ou em chinelos, foi encarada pelo juiz-presidente
como uma falta de respeito pelo tribunal. Os mesmos arguidos assumiram esta
atitude como forma de protesto, tendo Luaty Beirão esclarecido: “Estivemos 5 meses à espera de botas (em prisão preventiva). Chegaram às 4 horas, antes de
virmos para aqui. Já não precisamos”. E numa das camisolas,
a de Benedito Jeremias, podia ler-se: “Nenhuma
ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre”. São os jovens
‘revús’, como são conhecidos, que foram aplaudidos em plena sala de audiência.
Antes de entrarem no edifício do
tribunal, todos aguardaram várias horas no
autocarro dos serviços prisionais, no exterior do edifício. Perante uma sala
lotada de familiares, populares e jornalistas, foram distribuídos em dois
grupos e recebidos em palmas, retribuindo sempre com gestos de satisfação e
sorrisos rasgados.
“Esse poder é do povo” – atirou, para todos os que
estavam na sala ouvirem, Sedrick Domingos de Carvalho, outro dos arguidos.
“Estamos a falar do exercício do direito à liberdade
de expressão e à liberdade informação. Ou seja, o direito de exprimir e
compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões pela
palavra, pela imagem ou qualquer outro meio.” – sublinhou o advogado Luís do Nascimento,
que defende, em conjunto com o colega Walter Tondela, dez dos ativistas.
A própria leitura do despacho de pronúncia, com base
no já mencionado texto da acusação, suscitou o riso generalizado na sala.
***
Poucos lugares, observadores deixados
à porta, testemunhas impedidas de entrar – foram assim as primeiras horas da
manhã. Luaty Beirão, num dos intervalos da sessão, disse aos jornalistas:
“Vai acontecer o que o José Eduardo
quiser. Tudo aqui é teatro, a gente conhece bem como funciona. Por mais
argumentos que se esgrimam aqui e por mais que fique difícil de provar esta
fantochada, se assim se decidir, seremos condenados”.
Da parte da tarde, os jornalistas
souberam que não poderiam voltar a entrar e Luís do Nascimento acredita que só
poderão regressar para a leitura da sentença.
***
Entretanto, os diplomatas dos EUA e da UE, que, dada a projeção
internacional do caso, pretendiam assistir à sessão, foram impedidos de entrar
na sala de audiências do julgamento de Luaty Beirão e dos outros ativistas.
A agência Voz da
América relata que o tribunal permitiu apenas a presença de dois familiares
por cada arguido e os respetivos advogados. Cerca de 30 profissionais da
comunicação social, entre jornalistas, fotógrafos e repórteres de imagem, estiveram
presentes na sessão da manhã do dia 16, mas foram convidados a sair da sala
após o almoço, quando o juiz-presidente começou a ouvir os réus e ver as evidências.
De acordo com a referida agência, a imprensa deverá regressar ao tribunal
apenas durante as alegações finais e a leitura da sentença, previstas para
sexta-feira, dia 20. Por sua vez, o ativista Pedrowski Teca denunciou na sua
página no Facebook a mudança de horário da sessão e a diminuição no número de
assistentes ao julgamento.
O tribunal de Benfica retomou hoje, dia 17, sob forte
aparato policial, o julgamento dos 17 ativistas angolanos acusados de prepararem
uma rebelião no país. De acordo com fonte do próprio tribunal, depois do acesso
sem restrições no dia 16, segunda-feira, dia do arranque do julgamento, os
jornalistas só estão agora autorizados a acompanhar o caso na sala das audiências
na fase das alegações finais e na leitura do acórdão, ainda sem datas marcadas
(ao contrário
do que refere a Voz da América).
Foram invocadas razões logísticas para esta decisão,
tendo em conta a reduzida dimensão da sala de audiências do tribunal. Porém, o
advogado Michel Francisco declarou à Lusa,
a que não foi permitido aceder ao interior do edifício do tribunal, fortemente
vigiado pela polícia nacional:
“O
julgamento é público e para o dever da informação os jornalistas deviam estar
presentes. Tem sido assim em todas a audiências, em todos os tribunais. Não
vejo razões que justifiquem impedir o acesso dos jornalistas porque não há
casos chocantes, obscenas, nada disso”.
***
Os arguidos, 15 dos quais em prisão preventiva desde
junho, estão acusados pelo Ministério Público da coautoria de um crime de atos
preparatórios para rebelião e um atentado contra o Presidente angolano.
Depois da leitura dos despachos de acusação, de
pronúncia e das primeiras alegações dos advogados, que pediram a libertação dos
arguidos e apontaram ilegalidades processuais, o julgamento passou a decorrer,
ainda durante a tarde do dia 16 à porta fechada, apenas para os jornalistas,
tendo-se iniciando o interrogatório do mais novo dos ativistas acusados, Manuel
“Nito Alves”, de 19 anos.
O julgamento decorre na 14.ª Secção do Tribunal
Provincial de Luanda, em Benfica, e tem sessões diárias agendadas nesta fase
apenas até ao dia 20. Ao fim de cerca de três horas, o julgamento foi interrompido
para ser retomado no dia 17, ainda com a inquirição do mesmo arguido, seguindo-se
os restantes 16, por entre dúvidas sobre a morosidade das audiências.
Na leitura da contestação, ainda no dia 16, o Dr. Luís
Nascimento, que pediu a absolvição dos arguidos, referiu que a acusação sobre a
formação de um alegado complô do jovens ativistas para o derrube do Presidente
da República e realização de atos de rebelião “enferma de um grande embuste”.
Mais disse que a acusação “parte do pressuposto precipitado e errado que foram
os arguidos que criaram o Governo de salvação nacional”, justificando que a
mesma foi lançada nas redes sociais e o seu autor – que não está acusado nem
indiciado – confirmou a ter criado o referido documento.
***
Em 40 anos de independência, os políticos de Angola
bem poderiam ter aprendido a viver com divisão dos poderes no sistema de
contrapesos, promover a ministração de uma justiça independente, ponderar a
pertinência das medidas prévias de coação das liberdades e julgar, depois de
culpa retamente formada pela acusação, sujeita ao contraditório e com a
abertura ao escrutínio nacional e, nos casos justificados, ao escrutínio
internacional. Nada de fabricar filmes que engrossem desnecessariamente as
manifestações de rebelião, sobretudo se ficarem circunscritas à legítima e
proporcional liberdade de expressão e de associação e reunião.
Todavia, não sei se o sistema judicial português terá
assim tantas lições a dar a Angola.
Por outro lado, porque é que o regime angolano há de
clamar tanto contra a interferência externa? Ofende-o o escrutínio
internacional ao respeito e exercício dos direitos humanos? Não acha legítima a
suspeita lançada sobre a permanência de Eduardo dos Santos na Chefia do Estado
durante três dúzias de anos? Ora quem não deve não teme; e a aprendizagem do
respeito pelos direitos humanos, do exercício das liberdades e da promoção das
garantias pessoais e sociais é a batalha quotidiana de cada povo. De resto,
proibir a presença de jornalistas e entidades internacionais na sala de audiência
alegando a exiguidade da sala não convence ninguém – podiam arranjar outra…
E essa exigência de Portugal tirar o pé de Angola
deveria obrigar a diplomacia angolana à conveniente apresentação do pedido
público de desculpas ao Estado Português, que tudo permite aos VIP angolanos a
nível político, diplomático, económico, comercial, empresarial.
Ou somos países irmãos ou não somos. Independentemente
de ser constante a luta pela hegemonia das pessoas, das famílias, dos grupos e
das nações, afinal quem é que tem mais traumas da “colonização/descolonização”?!
2015.11.17 –
Louro de Carvalho
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