quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Juiz angolano “aguarda ordens” do regime

A confirmar-se o enunciado vertido em epígrafe a justiça angolana não fica nada fotogénica, muito menos telegénica. No entanto, Luaty Beirão, músico e ativista, que integra um grupo de 17 ativistas acusados de prepararem uma rebelião contra o Estado de Angola, vaticinou, no primeiro dia do julgamento, que “vai acontecer o que o José Eduardo quiser”.
Note-se que a acusação de rebelião contra o Estado inclui uma discussão desencadeada no Facebook (através de texto lançado inicialmente pelo advogado e professor de Direito Albano Pedro) relativa a um futuro governo de salvação nacional, à titulação da Presidência da República por Julino Kulepeteka, líder de uma seita angolana (detido desde o mês de abril) e à designação de Luaty Beirão como Procurador-Geral da República.
O julgamento arrancou, no dia 16, com muito atraso e “arrastou-se sem ninguém entender porquê”. Nito Alves, o único arguido interrogado no primeiro dia e a quem o juiz-presidente do tribunal coletivo fez perguntas como “quem é o ditador”, classificou o interrogatório como “caricato”.
Refira-se que, enquanto Luaty Beirão impressionou o mundo com uma greve de fome de 36 dias, Nito Alves, de 19 anos, o mais novo dos arguidos, já estivera preso, em 2013, durante dois meses, acusado de “ultraje ao Presidente”, por ter imprimido T-shirts com palavras contra José Eduardo dos Santos.
Por seu turno, Luís do Nascimento, membro da equipa de advogados de defesa de 12 dos 15 que estão presos desde 20 de Junho (Rosa Conde e Laurinda Gouveia, duas outras ativistas, aguardaram o início do julgamento em liberdade), opina que “o juiz está mais interessado em obter declarações de intenções” e, porque “nem o juiz nem os oficiais do tribunal sabem responder a nada, a polícia tomou conta do tribunal” do Benfica, em Luanda para onde o julgamento foi transferido há uma semana, pois estava inicialmente previsto para o Tribunal Provincial do Cacuaco, também em Luanda. E, se Luaty assume que “estamos mentalizados para a condenação”, o causídico, que afirma tratar-se de um “totoloto”, acredita na decretação de penas, mas com suspensão do seu cumprimento – uma forma de salvar a face por parte do regime de Luanda.
Com efeito, este caso, que a Amnistia Internacional descreveu como “teste crucial à independência do sistema judicial em Angola”, provocou muitas críticas ao regime de José Eduardo dos Santos, no poder há 36 anos. É, por isso, “por uma questão de capricho, depois das acusações de ingerências externas”, que Luís do Nascimento tem dificuldade em acreditar na absolvição.  
Acresce referir o incidente suscitado pelos advogados – Luís do Nascimento, Michel Francisco, Walter Tondela e David Mendes – no início da audiência de julgamento por não lhes ter sido facultado o acesso ao processo com o tempo suficiente para poderem preparar devidamente a defesa. O juiz-presidente, em resposta, referiu que o processo estivera disponível pelo menos durante 16 dias e que os advogados se esqueceram das armas de que dispunham. Porém, os advogados reagiram: “O problema é que, sempre que tentámos, o processo estava com a procuradora ou com o advogado do lado da acusação”.
***
O primeiro dia do julgamento ficou assinalado pela manifestação de familiares e apoiantes dos arguidos e do que pareceu ser uma contramanifestação.
Segundo a agência Lusa, a polícia a cavalo carregou sobre manifestantes que se concentraram à porta do tribunal para defender a libertação dos ativistas. Nessa ação de dispersão, pelo menos um manifestante ficou ferido. O Dr. Nascimento diz ter ouvido “gritos” quando já se encontrava no interior do edifício do tribunal. E, do outro lado da barricada, constituída por jovens que envergavam camisolas onde se lia “justiça sem pressão”, ouviu-se clara a palavra de ordem “Portugal tira o pé de Angola!”, alusão ao que alguns denominam de interferência externa.
Por outro lado, a entrada dos arguidos na sala de audiência, vestidos com a habitual farda dos serviços prisionais, mas descalços ou em chinelos, foi encarada pelo juiz-presidente como uma falta de respeito pelo tribunal. Os mesmos arguidos assumiram esta atitude como forma de protesto, tendo Luaty Beirão esclarecido: “Estivemos 5 meses à espera de botas (em prisão preventiva). Chegaram às 4 horas, antes de virmos para aqui. Já não precisamos”. E numa das camisolas, a de Benedito Jeremias, podia ler-se: “Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre”. São os jovens ‘revús’, como são conhecidos, que foram aplaudidos em plena sala de audiência.
Antes de entrarem no edifício do tribunal, todos aguardaram várias horas no autocarro dos serviços prisionais, no exterior do edifício. Perante uma sala lotada de familiares, populares e jornalistas, foram distribuídos em dois grupos e recebidos em palmas, retribuindo sempre com gestos de satisfação e sorrisos rasgados.
“Esse poder é do povo” – atirou, para todos os que estavam na sala ouvirem, Sedrick Domingos de Carvalho, outro dos arguidos.
“Estamos a falar do exercício do direito à liberdade de expressão e à liberdade informação. Ou seja, o direito de exprimir e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões pela palavra, pela imagem ou qualquer outro meio.” – sublinhou o advogado Luís do Nascimento, que defende, em conjunto com o colega Walter Tondela, dez dos ativistas.
A própria leitura do despacho de pronúncia, com base no já mencionado texto da acusação, suscitou o riso generalizado na sala.
***
Poucos lugares, observadores deixados à porta, testemunhas impedidas de entrar – foram assim as primeiras horas da manhã. Luaty Beirão, num dos intervalos da sessão, disse aos jornalistas:
“Vai acontecer o que o José Eduardo quiser. Tudo aqui é teatro, a gente conhece bem como funciona. Por mais argumentos que se esgrimam aqui e por mais que fique difícil de provar esta fantochada, se assim se decidir, seremos condenados”.
Da parte da tarde, os jornalistas souberam que não poderiam voltar a entrar e Luís do Nascimento acredita que só poderão regressar para a leitura da sentença.
***
Entretanto, os diplomatas dos EUA e da UE, que, dada a projeção internacional do caso, pretendiam assistir à sessão, foram impedidos de entrar na sala de audiências do julgamento de Luaty Beirão e dos outros ativistas.
A agência Voz da América relata que o tribunal permitiu apenas a presença de dois familiares por cada arguido e os respetivos advogados. Cerca de 30 profissionais da comunicação social, entre jornalistas, fotógrafos e repórteres de imagem, estiveram presentes na sessão da manhã do dia 16, mas foram convidados a sair da sala após o almoço, quando o juiz-presidente começou a ouvir os réus e ver as evidências. De acordo com a referida agência, a imprensa deverá regressar ao tribunal apenas durante as alegações finais e a leitura da sentença, previstas para sexta-feira, dia 20. Por sua vez, o ativista Pedrowski Teca denunciou na sua página no Facebook a mudança de horário da sessão e a diminuição no número de assistentes ao julgamento.
O tribunal de Benfica retomou hoje, dia 17, sob forte aparato policial, o julgamento dos 17 ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião no país. De acordo com fonte do próprio tribunal, depois do acesso sem restrições no dia 16, segunda-feira, dia do arranque do julgamento, os jornalistas só estão agora autorizados a acompanhar o caso na sala das audiências na fase das alegações finais e na leitura do acórdão, ainda sem datas marcadas (ao contrário do que refere a Voz da América).
Foram invocadas razões logísticas para esta decisão, tendo em conta a reduzida dimensão da sala de audiências do tribunal. Porém, o advogado Michel Francisco declarou à Lusa, a que não foi permitido aceder ao interior do edifício do tribunal, fortemente vigiado pela polícia nacional:
“O julgamento é público e para o dever da informação os jornalistas deviam estar presentes. Tem sido assim em todas a audiências, em todos os tribunais. Não vejo razões que justifiquem impedir o acesso dos jornalistas porque não há casos chocantes, obscenas, nada disso”.
***
Os arguidos, 15 dos quais em prisão preventiva desde junho, estão acusados pelo Ministério Público da coautoria de um crime de atos preparatórios para rebelião e um atentado contra o Presidente angolano.
Depois da leitura dos despachos de acusação, de pronúncia e das primeiras alegações dos advogados, que pediram a libertação dos arguidos e apontaram ilegalidades processuais, o julgamento passou a decorrer, ainda durante a tarde do dia 16 à porta fechada, apenas para os jornalistas, tendo-se iniciando o interrogatório do mais novo dos ativistas acusados, Manuel “Nito Alves”, de 19 anos.
O julgamento decorre na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, em Benfica, e tem sessões diárias agendadas nesta fase apenas até ao dia 20. Ao fim de cerca de três horas, o julgamento foi interrompido para ser retomado no dia 17, ainda com a inquirição do mesmo arguido, seguindo-se os restantes 16, por entre dúvidas sobre a morosidade das audiências. 
Na leitura da contestação, ainda no dia 16, o Dr. Luís Nascimento, que pediu a absolvição dos arguidos, referiu que a acusação sobre a formação de um alegado complô do jovens ativistas para o derrube do Presidente da República e realização de atos de rebelião “enferma de um grande embuste”. Mais disse que a acusação “parte do pressuposto precipitado e errado que foram os arguidos que criaram o Governo de salvação nacional”, justificando que a mesma foi lançada nas redes sociais e o seu autor – que não está acusado nem indiciado – confirmou a ter criado o referido documento.
***
Em 40 anos de independência, os políticos de Angola bem poderiam ter aprendido a viver com divisão dos poderes no sistema de contrapesos, promover a ministração de uma justiça independente, ponderar a pertinência das medidas prévias de coação das liberdades e julgar, depois de culpa retamente formada pela acusação, sujeita ao contraditório e com a abertura ao escrutínio nacional e, nos casos justificados, ao escrutínio internacional. Nada de fabricar filmes que engrossem desnecessariamente as manifestações de rebelião, sobretudo se ficarem circunscritas à legítima e proporcional liberdade de expressão e de associação e reunião.
Todavia, não sei se o sistema judicial português terá assim tantas lições a dar a Angola.
Por outro lado, porque é que o regime angolano há de clamar tanto contra a interferência externa? Ofende-o o escrutínio internacional ao respeito e exercício dos direitos humanos? Não acha legítima a suspeita lançada sobre a permanência de Eduardo dos Santos na Chefia do Estado durante três dúzias de anos? Ora quem não deve não teme; e a aprendizagem do respeito pelos direitos humanos, do exercício das liberdades e da promoção das garantias pessoais e sociais é a batalha quotidiana de cada povo. De resto, proibir a presença de jornalistas e entidades internacionais na sala de audiência alegando a exiguidade da sala não convence ninguém – podiam arranjar outra…
E essa exigência de Portugal tirar o pé de Angola deveria obrigar a diplomacia angolana à conveniente apresentação do pedido público de desculpas ao Estado Português, que tudo permite aos VIP angolanos a nível político, diplomático, económico, comercial, empresarial.
Ou somos países irmãos ou não somos. Independentemente de ser constante a luta pela hegemonia das pessoas, das famílias, dos grupos e das nações, afinal quem é que tem mais traumas da “colonização/descolonização”?!

2015.11.17 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário