quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Refeições desperdiçadas

As nossas escolas, no âmbito das suas obrigações gerais, pro motivos humanos e com vista à consecução do sucesso escolar e educativo, providenciam diariamente à refeição principal dos seus alunos a preço módico. Além disso, no quadro da associação escolar, classificam os alunos em três escalões conforme o rendimento do respetivo agregado familiar.
Assim, para os alunos do escalão A, que são contemplados com o máximo de subsídio escolar, a refeição é inteiramente grátis. Os alunos do escalão B, que dispõem de uma parte do subsídio, pagam pela refeição a quantia de 73 cêntimos. E, naturalmente, os alunos do escalão C pagam o estipulado como comparticipação total do aluno pela refeição, ficando a Ação Social Escolar com encargo da diferença entre o que o aluno paga e o convencionado como custo da refeição.
A comunicação Social de hoje, dia 12, dá-nos conta de uma Escola EB 2/3 que serve em média 300 refeições aos alunos e onde, desde 15 de setembro até ao fim de outubro, foram desperdiçadas 246 refeições.
Perante esta situação, a Direção do estabelecimento de ensino deixa o apelo à responsabilização cívica dos alunos e dos respetivos encarregados de educação de modo que este comportamento dos alunos não se repita. O apelo consta de uma informação escrita enviada aos pais em que se evocam os números e se pede a colaboração de todos para obviar à diminuição da comida inutilizada.
De salientar no fenómeno é o facto de serem os alunos com o escalão A os que mais falham por reservarem a refeição através da requisição da respetiva senha e depois não irem à cantina tomar a refeição. Mas os dos outros escalões também falham o suficiente para a ocorrência suscitar preocupação.
O diretor do agrupamento de escolas a que pertence a dita escola disse – e bem – que nem que fosse só uma refeição desperdiçada já era preocupante, o que agrava a situação por se tratar de centenas de refeições desperdiçadas.
Por seu turno, o vereador da educação do município a que pertence o referido agrupamentos e a escola em causa diz que se trata de uma questão “geral”. Reconhecendo que o assunto nunca fora discutido no respetivo conselho geral nem em reuniões com os diretores dos agrupamentos, pediu um levantamento de todos os almoços desperdiçados e prometeu promover a discussão das estratégias conjuntas para obviar a estas situações, muito embora a gestão destas refeições não seja da responsabilidade da autarquia.
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Sei que não posso garantir, através de provas, a frequência destas situações, mas nada me espanta se me disserem que estes comportamentos são recorrentes em todo o território. Conheci, em tempos, bastantes casos. Sei de alunos que foram contemplados com a inclusão no escalão A e outros no escalão B, sem que o agregado familiar sofresse das condições económicas que o justificassem. Em contrapartida, alguns alunos cujo agregado familiar sofre de constrições económicas e, por vezes, graves ficam no escalão C – sem direito a subsídios – porque não se preencheu o respetivo boletim ou porque os encarregados de educação não foram informados a tempo.
Ora isto acontece por várias razões, de que se destacam as mais recorrentes.
À cabeça, vem a “blindada” declaração de rendimentos para efeitos de IRS. E quem pode não declarar não declara e os seus educandos têm direito à ação social escolar, à bolsa de estudo no ensino superior e os membros do agregado familiar têm isenção das taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde. Deviam as competentes entidades dispor de outros meios de escrutínio da situação dos agregados familiares.
Vem, depois, a normal leveza dos alunos nesta idade, o que exige uma especial vigilância e acompanhamento por parte dos respetivos encarregados de educação. Por outro lado, os professores hoje têm dificuldade de intervir, já que muitos encarregados de educação não aceitam que chamem à atenção os seus educandos, porque alegadamente este nunca falham.
Depois, instalou-se a febre da transição de ano, a conclusão de ciclo e a nota classificativa, a todo o custo. E a educação pelos valores e para atitudes e comportamentos que espelham a assunção de valores axiológicos fica em lista de espera ou é remetida para as calendas gregas.
Ora, quem falseia a declaração de rendimentos fica a sofrer de um défice de ética e de autoridade moral para educar pelos valores da seriedade e da honestidade.
Mais: quem reclama por tudo e por nada sobre a qualidade e a quantidade da refeição, ou sobre o funcionamento da escola, os conteúdos ministrados, os métodos dos professores, as classificações, as chamadas de atenção sobre comportamentos perturbadores e/ou desviantes certamente que não está a educar para a exigência e para a sociedade civil justa e fraterna.
Assim, torna-se natural que não tenham dinheiro para manuais, material escolar e refeições, mas o tenham para todo o tipo de equipamentos e materiais supérfluos; e que legalmente tenham direito à refeição e a reservem, mas vão almoçar fora, sem dar qualquer explicação aos responsáveis do refeitório, e alguns vendam a senha de refeição que lhes foi dada.
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E, depois, carpimo-nos sobre a crise e lamentamos hipocritamente a situação dos que passam fome!

2015.11.12 – Louro de Carvalho 

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