O enunciado como título é o lema do Congresso Nacional da Índia,
que decorreu em Mumbai (ou Bombaim), de 12 a 15 de novembro. Na sua
importância, além do lema/tema e da sua índole eucarística, ressalta o facto de
constituir o jubileu de ouro do XXXVIII Congresso Eucarístico Internacional
celebrado na mesma cidade de Mumbai em 1964, o primeiro Congresso Eucarístico Internacional presidido
por um Papa, ao tempo, o beato Paulo VI.
O Papa Francisco enviou o cardeal Albert Malcolm Ranjith,
arcebispo de Colombo, no Sri Lanka, como seu representante ao Congresso, evento
em que marcaram presença como participantes quatro cardeais indianos, 71 bispos
e 665 delegados.
Por outro lado, o Papa dirigiu-se aos congressistas numa mensagem-vídeo apresentada no início dos trabalhos
e a cujo teor se fará referência mais adiante.
***
Foi a intuição pioneira
de uma mulher, a leiga francesa Emilie-Marie Tamisier, que promoveu a ideia dos
congressos eucarísticos para despertar a devoção à Eucaristia num contexto cada
vez mais secularizado. Esta mulher é uma das muitas mulheres leigas que
dedicaram a vida à defesa da Igreja Católica em tempos de aspérrimas polémicas
anticatólicas.
Tamisier era uma
jovem que ingressara na Congregação das Servas do Santíssimo Sacramento e lá
permanecera durante quatro anos sob o nome de Irmã Emiliana. Depois, com a
bênção do santo fundador, saiu do convento para ser no mundo uma missionária
itinerante da Eucaristia.
A sua
intuição vinha ao encontro do desígnio divino formulado pelo seu conselheiro
espiritual, o padre sacramentino Pedro Julião Eymard, e consequente missão sob
a batuta de Jesus Hóstia:
“É preciso fazer Jesus Eucarístico
sair de seu retiro para pôr-Se de novo à testa da sociedade cristã que há de
dirigir e salvar. É preciso construir- Lhe um palácio, um trono, rodeá-Lo de
uma corte de fiéis servidores, de uma família de amigos, de um povo de
adoradores.”.
Desde menina que
Tamisier era particularmente devota da Eucaristia e, segundo a colunista do L’Osservatore Romano,
Lucetta Scaraffia, teve a intuição de organizar atividades para o
despertar religioso num contexto de progressiva e rápida secularização,
centrando-as em torno do culto eucarístico.
A colunista italiana
recordou que o projeto surgiu quando Tamisier participava devotamente na missa
de consagração da França ao Sagrado Coração na capela da Visitação de Paray-le
Monial, o mesmo lugar onde Margarida Maria Alacoque fora obsequiada com as
visões de que brotou o culto moderno ao Sagrado Coração de Jesus.
A devoção
eucarística e a devoção ao Coração de Jesus têm entre si um elo forte e
evidente: ambas estão relacionadas com o Corpo de Cristo e propõem um centro
sagrado para o qual se pode e deve dirigir a própria fé num mundo que se
dispersa cada vez mais entre mil estímulos, propostas e ideologias, que ofuscam
direta ou indiretamente a busca sincera da verdade profunda. Depois, foi
possível entrecruzar as duas devoções na invocação ao Coração Eucarístico de Jesus.
Não obstante,
Tamisier teve, para realizar o seu projeto eucarístico, de se entregar durante
quase uma década a “organizar na França peregrinações a santuários que
conservavam rastos de milagres eucarísticos”. Só numa segunda fase, apoiada e
aconselhada por alguns eclesiásticos, nomeadamente o já mencionado São Pedro
Julião Eymard, a menina francesa logrou envolver o Papa Leão XIII e alguns
prelados no seu projeto congressual. Para o levar por diante, não se poupou a
fadigas, viagens, coletas de angariação de fundos e demais recursos, dedicando
toda a sua vida à promoção daquilo que intuíra como um método novo e eficaz de
trazer a Igreja ao centro da atenção pública.
Porém, o seu
nome ficou oculto e esquecido por trás deste hábil e tenaz trabalho apostólico,
como é frequente suceder com as mulheres virtuosas e ativas em Igreja. Mas os
congressos eucarísticos multiplicaram-se no mundo e realizam-se a diversos
níveis: mundial, regional, nacional, arquidiocesano (ou estrutura equivalente), diocesano e, em Portugal,
concelhio.
O primeiro
congresso eucarístico da História foi celebrado em 1881, em Lille, em torno de
um tema emblemático: “A eucaristia salva
o mundo”. E, com ele, se abriu um modo moderno de envolvimento de muitas
pessoas, para devolver a atenção de um vasto público a uma cultura profunda da
fé pessoal e comunitária na Eucaristia, fonte e cume da vida cristã, com as
suas propostas de solução dos problemas contemporâneos.
Recordo que
João Paulo II não pôde participar no XLII Congresso Eucarístico Internacional (o do centenário dos congressos
eucarísticos) celebrado
em Lourdes, França, em julho de 1981, em virtude do atentado sofrido na Praça
de São Pedro, a 13 de maio do mesmo ano– pelo que enviou como seu representante
pessoal o cardeal Gantin e dirigiu aos congressistas uma mensagem televisiva.
Este género de
encontros-peregrinação apresenta um aspeto inédito em relação às outras assembleias
congressuais: o de concentrar a atenção dos participantes não só sobre os
discursos, conferências e exposições, mas também e sobretudo em torno do culto
eucarístico, celebrado com solenidade e intensidade, concitando a participação
pública e desassombrada das multidões.
***
Na sua já referida mensagem ao Congresso Eucarístico Nacional de
Bombaim – endereçada ao cardeal Thottunkal Baselios Cleemis, Presidente da
Conferência Episcopal, ao cardeal Oswald Gracias, Presidente da Comissão
organizadora do Congresso Eucarístico Nacional, aos prelados da Conferência Episcopal da
Índia, aos sacerdotes,
religiosos, religiosas, crentes em Jesus Cristo e todas as pessoas de boa
vontade na Índia – o Papa declara que este evento eucarístico adquire um sabor especial “porque se
realiza na iminência da inauguração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia”.
Além disso, sublinha que o tema escolhido para o Congresso se reveste de enorme
importância e se revela verdadeiramente inspirador de vida cristã autêntica.
Assumindo que
o Congresso “é um dom de Deus” para “os cristãos da Índia” e para “toda a
população de um país tão diferente culturalmente e, no entanto, muito rico sob
o ponto de vista espiritual”, sublinha o facto de a Índia ter vivido, “durante
milhares de anos” permeada pelo “desejo da verdade, da busca do divino, do
compromisso a favor da bondade e da amabilidade”.
Depois,
relembra as palavras de Paulo VI, proferidas na sua alocução aos membros das
religiões não cristãs a 3 de dezembro de 1964:
“A Eucaristia
é a comemoração de Jesus Cristo e do seu amor a Deus Pai dos Céus e a todos os
homens, um amor até à morte. Este amor de Jesus não é uma questão do passado;
está destinado a permanecer presente e a viver em cada coração humano. Cristo é
amado também neste país, não só por quantos são cristãos – estes representam
uma minoria – mas também por milhões de pessoas que aprenderam a conhecê-Lo e a
amá-Lo com uma inspiração de amor e de sacrifício pessoal.”
Passou, em
seguida, à referência ao tema escolhido. Com efeito, a Eucaristia, alimenta-nos. E, a este respeito,
reescreve algumas das palavras proferidas na homilia do Corpus Christi do corrente ano, em que salienta a ação
nutrícia, purificadora e santificadora da Eucaristia, bem como a sua
finalidade:
“A Eucaristia atualiza a Aliança que
nos santifica, que nos purifica e que nos põe em comunhão admirável com Deus.
Assim, aprendemos que a Eucaristia não é uma recompensa para os bons, mas
constitui uma força para os mais frágeis, para os pecadores. É o perdão, é o
viático que nos ajuda a ir em frente, a caminhar.”.
E não deixa o
Pontífice de chamar a atenção de todos para as consequências da profunda
vivência eucarística na ida ao encontro das diversas fomes do mundo:
“No mundo inteiro, os seres humanos
têm necessidade de alimentação. E esta alimentação não é útil unicamente para
satisfazer a sua fome física. Existem outros tipos de fome: de amor, de
imortalidade, de vida, de carinho, de cuidados, de perdão e de misericórdia.
Esta fome só pode ser saciada com o pão que vem do Alto. O próprio Jesus é o Pão vivo que vivifica o mundo (cf Jo
6,51). O seu Corpo, oferecido por nós na cruz, e o seu Sangue, derramado
pelo perdão dos pecados da humanidade, tornam-se disponíveis para nós no pão e
no sangue da Eucaristia, transformado mediante a consagração.”.
E em que
consiste a vivência da Eucaristia? O Papa salienta que “a Eucaristia não se
esgota com a participação no Corpo e Sangue do Senhor”. Ela implica mais: “impele-nos
à solidariedade para com o próximo”, pois, “a comunhão com o Senhor é
necessariamente uma comunhão com os nossos irmãos e com as nossas irmãs”. Por
consequência, diz à Índia e ao mundo o Bispo de Roma:
“Quantos são alimentados e nutridos
pelo Corpo e pelo Sangue do próprio Cristo não podem permanecer indiferentes
quando se deparam com os seus irmãos e irmãs que padecem necessidades e fome.
Aqueles que recebem o alimento da Eucaristia são chamados a anunciar a alegria
do Evangelho a quantos ainda não a receberam. Fortalecidos pelo Pão vivo, somos
chamados a transmitir esperança àqueles que vivem nas trevas e no desespero.”.
É a missão de
quem participa na celebração eucarística, alimentando-se do Corpo e Sangue do
Senhor, em consonância com a palavras de despedida ritual, “Ite, missa est” (ide, é a missa, a missão) e com as palavras de Francisco na
homilia da solenidade do Corpus Christi do ano de 2013, no alvor do seu pontificado:
“Na Eucaristia, o Senhor faz-nos
percorrer o seu caminho, que é de serviço, de partilha e de dom, e aquele pouco
que temos, o pouco que somos, se for compartilhado, torna-se riqueza porque o
poder de Deus, que é de amor, desce até à nossa pobreza para a transformar”.
Finalmente,
desejando o “manancial de luz” do Congresso “para toda a população da Índia” e
esperando que o Congresso constitua “uma oportunidade para os irmãos e irmãs,
indianos, se congregarem na unidade e no amor”, entrega-os a Maria, nossa Mãe, para
que caminhem a seu lado “entoando o Magnificat” (o
cântico do louvor e da misericórdia) por tudo quanto “o Senhor fez por nós”.
2015.11.21 – Louro de Carvalho
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