No
âmbito do Mês da Ciência e, em especial, na Semana Nacional da Ciência e Tecnologia de 2015, a Fundação
Francisco Manuel dos Santos promoveu V Encontro Nacional da fundação, que
decorreu no passado dia 19 de novembro, no
Theatro Circo, em Braga, sob a égide da Universidade do Minho. O título do
evento – “A Ciência em 3 atos: Sociedade,
Prosperidade e Política” – levou a Braga nomes como Jorge Calado, Geoff
Mulgan, Carlos Fiolhais, Francisco Veloso, Lars Montellius, Pedro Pita Barros, Martin
Bauer e Aurora Teixeira
Sob as luzes deste encontro científico, esteve desta vez, a
sociedade do conhecimento, em especial do conhecimento científico. E
destacou-se a importância do conhecimento científico para a sociedade e para a
política.
O evento foi organizado em três painéis, cujos títulos
temáticos foram formulados em modo problematizador através da forma
interrogativa. O primeiro, “A ciência é
para todos?”, discutiu o significado de “literacia científica” e maneiras
de a promover, quer através da educação formal, quer de outros meios formativos
disponíveis. O segundo, “Mais ciência,
mais prosperidade?”, pôs em evidência algumas das pertinentes questões
conexas com a relação entre a investigação científica e a prosperidade social e
económica. E o terceiro, “A ciência é uma
boa política?” analisou a relação entre a investigação e as políticas
públicas, quer do ponto de vista do benefício em apoiar as políticas em
investigação empírica quer do ponto de vista dos riscos associados à “tecnocratização
da política” ou à “politização da ciência”.
O encontro
nacional “Ciência em 3 atos” acabou
efetivamente a 19, mas o Mês da Ciência
continua, segundo os especialistas, a todo o vapor. No próximo dia 23, no Museu
Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, surgirá mais
uma iniciativa: o lançamento do estudo “Cultura
Científica em Portugal: ferramentas para perceber o mundo e para aprender a mudá-lo”,
de António Granado e José Vítor Malheiros.
Trata-se de
um estudo que abrange mais de 20 anos de divulgação científica em Portugal,
tentando mapear as principais iniciativas tomadas neste âmbito. Um passo
essencial para definir com maior clareza o que a sociedade pode esperar e
exigir da ciência e o que a comunidade científica considera possível e
desejável.
Resta ainda
esclarecer que os eventos relacionados com o Mês da Ciência conheceram um outro momento alto no passado dia 11, em Coimbra, com a conferência “Matemática, Cultura e Criação”, onde
marcou presença o francês Cédric Villani, um dos cérebros mundiais desta área.
***
Uma das conclusões do Encontro foi
avançada por Carlos Fiolhais e tenta responder à questão: “Como tornar a ciência acessível todos? O físico defende que a
tarefa passa por levar a ciência às crianças, ou seja, a educação científica
deve começar pelos mais pequenos, “porque o cérebro molda-se desde aí”, onde os
professores têm um papel importante.
Por seu turno, Francisco Veloso, diretor
da Católica-Lisbon School of Business &
Economics, e Lars Montellius, diretor do Instituto de Nanotecnologia,
partilharam a verificação da dificuldade em transformar os resultados
científicos em resultados económicos. E Veloso atribuiu às próprias empresas a
responsabilidade pela falta de impacto da ciência na sociedade, sustentado no facto de haver
apenas três empresas em Portugal com mais de dez doutorados, sendo de apenas
640 o número de doutorados a trabalhar em empresas.
Também
Pedro
Pita Barros, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, referiu que
habitualmente um político quer uma decisão para já ou, de preferência, a
confirmação daquilo que já pensou. Ao invés, o académico defende que “a
importância da ciência na política é maior quando não se vê”, ou seja, “quando
a ciência impede asneiras”.
Permito-me
relevar que, às vezes, a ciência serve de pretexto para a prática de
enormidades pretensamente dela derivadas. O ataque cerrado aos professores do
ensino não superior perpetrado por uma série de governos vinha alegadamente
apoiado em pressupostos científicos.
Não
esqueço que os ditadores têm, além do estado-maior político, o estado-maior
científico. E veem-se escolas superiores bem dependentes das encomendas de
municípios e empresas.
***
Porém, uma das asserções bombásticas
do encontro de Braga foi a proferida pelo químico e crítico cultural Jorge
Calado logo na sessão de abertura:
“Em Portugal a fraude científica é completamente ignorada e desculpada.
Não se fala, nem se discute. É tolerada como a fraude económica ou a fraude
política”.
Calado, que falou
dos desafios que a ciência portuguesa enfrenta, defendeu a ciência pela
ciência, contra a obsessão pelo
empreendedorismo ou pela aplicação imediata.
Não quer dizer que o empreendedorismo ou a aplicação
imediata da ciência não sejam objetivos legítimos e necessários, mas que é
censurável a atenção exclusivamente focada no empreendedorismo, descurando
outras valências da atividade profissional, social e económica ou a
subvalorização e até a rejeição da ciência que não tenha aplicabilidade à
vista.
No entanto, tal como é assumido, o empreendedorismo é,
segundo ele, uma “palavra horrível, que significa desenrascanço nacional. Por outro lado, denuncia a tendência dos
políticos para a pressão da procura de “soluções técnicas rápidas e com ganhos
no negócio”.
O investigador citado afirmou ser “assustadora e
altamente perigosa, nos tempos que correm, a generalização da fraude, que,
segundo ele, começa na escola, com o chamado copianço”. A este propósito, Calado censurou o facto de não se
falar em Portugal da fabricação, falsificação e plágio na apresentação de
resultados científicos, relevando que este “mau comportamento” acarreta penas
de prisão nos Estados Unidos e na Europa avançada. Na opinião do ilustre
investigador, “aldrabar e desenrascar são erros proibidos” que subsistem: e, para
isso, encontra uma das justificações no “gigantismo dos projetos, que dilui a
responsabilidade e dificulta a autorregulação”. E apresentou, como exemplo, um
artigo, publicado em maio do ano corrente, de 33 páginas, com material de 5154
autores e em que apenas as primeiras nove páginas tratam do assunto científico.
Em boa parte Calado tem razão, quando em Portugal se
quer tudo em grande: uma obra faraónica; um projeto de candidatura a um
empreendimento subsidiável ou viabilizável com centenas de folhas, dezenas de
pareceres prévios, declaração de empregabilidade plasmada em termos percentuais;
um acórdão judicial de centenas ou milhares de páginas, sustentado num processo
de dezenas e dezenas de milhares de folhas e anexos; um artigo com dezenas de
citações e referências bibliográficas, negando ao escrevente iniciado qualquer capacidade
autoral; …
Quanto às consequências práticas da criminalização do
plágio, não estamos longe do que se passa quanto aos outros crimes,
designadamente corrupção, fuga ao fisco, branqueamento de capitais, tráfico de
influências, violência doméstica… Eles andam por aí. Quantos são julgados e
condenados?
É conhecido o caso de um secretário de Estado da área
da Educação que se demitiu alegadamente por plágio. Então, referi-me ao assunto
e penso que o ato de plágio me ofereceu muitas dúvidas e eu entendi que o seu
maior erro foi a asserção de que os professores não tinham uma tradição
deontológica, ignorando crassamente toda a matéria legislativa em termos dos
deveres e conteúdos profissionais dos docentes ao longo da História. Um homem
destes não pode ser governante nem deveria ser professor.
***
Entretanto, a escola tinha de ficar focada pela
negativa. Calado disse que a fraude “começa na escola, com o chamado copianço”.
Não sei se começa lá ou se lá desemboca. Tribunais e
polícia não são capazes de prevenir, travar e combater a fraude, que começa,
sim, nas campanhas eleitorais (com promessas do inexequível),
passa pelo compadrio governativo, pela cunha para a obtenção de emprego na
empresa ou lugar nas estruturas do Estado e pela compra de votos em eleições
locais e se estende a todo o tipo de negócios (desde
que os outorgantes não sejam sérios).
E é a escola – a das crianças e adolescentes – a responsável pela generalização
da fraude!
Efetivamente, as escolas falham. E porquê? Quem é que
direta ou indiretamente obriga professores a fazer constar nas matrizes de
testes e exames pistas de conteúdos a avaliar? Quem é que direta ou
indiretamente pressiona professores a dar boas notas a alunos que não o
merecem? Quem é que direta ou indiretamente leva a polvilhar as escolas de
planos, grelhas, fichas e relatórios?
Depois, professor que apanhe alunos a copiar, como
prova o facto, que pode fazer aos alunos? Não veem que a escola, mais do que
espaço educativo, passou a ser a bola de cristal escrutinada por todos,
nomeadamente os pais, para quem os filhos são uns inocentes que não fazem mal a
uma mosca, vítimas inadaptadas da assustadora voz dos docentes? Não veem que a
escola, para corrigir, tem de “provar” as incorreções dos alunos como se de um
tribunal se trate, sujeito aos mecanismos de reclamação e recurso?
Quem é que nunca ouviu dizer que os processos
disciplinares movidos a alunos estão cheios de erros processuais?
Já agora, solicita-se aso ilustres académicos que
poupem a escola e virem a má ciência para outros alvos.
2015.11.20 – Louro de Carvalho
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