sábado, 21 de novembro de 2015

Onde começa a fraude científica?

No âmbito do Mês da Ciência e, em especial, na Semana Nacional da Ciência e Tecnologia de 2015, a Fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu V Encontro Nacional da fundação, que decorreu no passado dia 19 de novembro, no Theatro Circo, em Braga, sob a égide da Universidade do Minho. O título do evento – “A Ciência em 3 atos: Sociedade, Prosperidade e Política” – levou a Braga nomes como Jorge Calado, Geoff Mulgan, Carlos Fiolhais, Francisco Veloso, Lars Montellius, Pedro Pita Barros, Martin Bauer e Aurora Teixeira
Sob as luzes deste encontro científico, esteve desta vez, a sociedade do conhecimento, em especial do conhecimento científico. E destacou-se a importância do conhecimento científico para a sociedade e para a política.
O evento foi organizado em três painéis, cujos títulos temáticos foram formulados em modo problematizador através da forma interrogativa. O primeiro, “A ciência é para todos?”, discutiu o significado de “literacia científica” e maneiras de a promover, quer através da educação formal, quer de outros meios formativos disponíveis. O segundo, “Mais ciência, mais prosperidade?”, pôs em evidência algumas das pertinentes questões conexas com a relação entre a investigação científica e a prosperidade social e económica. E o terceiro, “A ciência é uma boa política?” analisou a relação entre a investigação e as políticas públicas, quer do ponto de vista do benefício em apoiar as políticas em investigação empírica quer do ponto de vista dos riscos associados à “tecnocratização da política” ou à “politização da ciência”.
O encontro nacional “Ciência em 3 atos” acabou efetivamente a 19, mas o Mês da Ciência continua, segundo os especialistas, a todo o vapor. No próximo dia 23, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, surgirá mais uma iniciativa: o lançamento do estudo “Cultura Científica em Portugal: ferramentas para perceber o mundo e para aprender a mudá-lo, de António Granado e José Vítor Malheiros.
Trata-se de um estudo que abrange mais de 20 anos de divulgação científica em Portugal, tentando mapear as principais iniciativas tomadas neste âmbito. Um passo essencial para definir com maior clareza o que a sociedade pode esperar e exigir da ciência e o que a comunidade científica considera possível e desejável.
Resta ainda esclarecer que os eventos relacionados com o Mês da Ciência conheceram um outro momento alto no passado dia 11, em Coimbra, com a conferência “Matemática, Cultura e Criação”, onde marcou presença o francês Cédric Villani, um dos cérebros mundiais desta área.
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Uma das conclusões do Encontro foi avançada por Carlos Fiolhais e tenta responder à questão: “Como tornar a ciência acessível todos? O físico defende que a tarefa passa por levar a ciência às crianças, ou seja, a educação científica deve começar pelos mais pequenos, “porque o cérebro molda-se desde aí”, onde os professores têm um papel importante.
Por seu turno, Francisco Veloso, diretor da Católica-Lisbon School of Business & Economics, e Lars Montellius, diretor do Instituto de Nanotecnologia, partilharam a verificação da dificuldade em transformar os resultados científicos em resultados económicos. E Veloso atribuiu às próprias empresas a responsabilidade pela falta de impacto da ciência na sociedade, sustentado no facto de haver apenas três empresas em Portugal com mais de dez doutorados, sendo de apenas 640 o número de doutorados a trabalhar em empresas.
Também Pedro Pita Barros, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, referiu que habitualmente um político quer uma decisão para já ou, de preferência, a confirmação daquilo que já pensou. Ao invés, o académico defende que “a importância da ciência na política é maior quando não se vê”, ou seja, “quando a ciência impede asneiras”.
Permito-me relevar que, às vezes, a ciência serve de pretexto para a prática de enormidades pretensamente dela derivadas. O ataque cerrado aos professores do ensino não superior perpetrado por uma série de governos vinha alegadamente apoiado em pressupostos científicos.
Não esqueço que os ditadores têm, além do estado-maior político, o estado-maior científico. E veem-se escolas superiores bem dependentes das encomendas de municípios e empresas.
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Porém, uma das asserções bombásticas do encontro de Braga foi a proferida pelo químico e crítico cultural Jorge Calado logo na sessão de abertura:
“Em Portugal a fraude científica é completamente ignorada e desculpada. Não se fala, nem se discute. É tolerada como a fraude económica ou a fraude política”.
Calado, que falou dos desafios que a ciência portuguesa enfrenta, defendeu a ciência pela ciência, contra a obsessão pelo empreendedorismo ou pela aplicação imediata.
Não quer dizer que o empreendedorismo ou a aplicação imediata da ciência não sejam objetivos legítimos e necessários, mas que é censurável a atenção exclusivamente focada no empreendedorismo, descurando outras valências da atividade profissional, social e económica ou a subvalorização e até a rejeição da ciência que não tenha aplicabilidade à vista.
No entanto, tal como é assumido, o empreendedorismo é, segundo ele, uma “palavra horrível, que significa desenrascanço nacional. Por outro lado, denuncia a tendência dos políticos para a pressão da procura de “soluções técnicas rápidas e com ganhos no negócio”.
O investigador citado afirmou ser “assustadora e altamente perigosa, nos tempos que correm, a generalização da fraude, que, segundo ele, começa na escola, com o chamado copianço”. A este propósito, Calado censurou o facto de não se falar em Portugal da fabricação, falsificação e plágio na apresentação de resultados científicos, relevando que este “mau comportamento” acarreta penas de prisão nos Estados Unidos e na Europa avançada. Na opinião do ilustre investigador, “aldrabar e desenrascar são erros proibidos” que subsistem: e, para isso, encontra uma das justificações no “gigantismo dos projetos, que dilui a responsabilidade e dificulta a autorregulação”. E apresentou, como exemplo, um artigo, publicado em maio do ano corrente, de 33 páginas, com material de 5154 autores e em que apenas as primeiras nove páginas tratam do assunto científico.
Em boa parte Calado tem razão, quando em Portugal se quer tudo em grande: uma obra faraónica; um projeto de candidatura a um empreendimento subsidiável ou viabilizável com centenas de folhas, dezenas de pareceres prévios, declaração de empregabilidade plasmada em termos percentuais; um acórdão judicial de centenas ou milhares de páginas, sustentado num processo de dezenas e dezenas de milhares de folhas e anexos; um artigo com dezenas de citações e referências bibliográficas, negando ao escrevente iniciado qualquer capacidade autoral; …
Quanto às consequências práticas da criminalização do plágio, não estamos longe do que se passa quanto aos outros crimes, designadamente corrupção, fuga ao fisco, branqueamento de capitais, tráfico de influências, violência doméstica… Eles andam por aí. Quantos são julgados e condenados?
É conhecido o caso de um secretário de Estado da área da Educação que se demitiu alegadamente por plágio. Então, referi-me ao assunto e penso que o ato de plágio me ofereceu muitas dúvidas e eu entendi que o seu maior erro foi a asserção de que os professores não tinham uma tradição deontológica, ignorando crassamente toda a matéria legislativa em termos dos deveres e conteúdos profissionais dos docentes ao longo da História. Um homem destes não pode ser governante nem deveria ser professor.
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Entretanto, a escola tinha de ficar focada pela negativa. Calado disse que a fraude “começa na escola, com o chamado copianço”.
Não sei se começa lá ou se lá desemboca. Tribunais e polícia não são capazes de prevenir, travar e combater a fraude, que começa, sim, nas campanhas eleitorais (com promessas do inexequível), passa pelo compadrio governativo, pela cunha para a obtenção de emprego na empresa ou lugar nas estruturas do Estado e pela compra de votos em eleições locais e se estende a todo o tipo de negócios (desde que os outorgantes não sejam sérios). E é a escola – a das crianças e adolescentes – a responsável pela generalização da fraude!
Efetivamente, as escolas falham. E porquê? Quem é que direta ou indiretamente obriga professores a fazer constar nas matrizes de testes e exames pistas de conteúdos a avaliar? Quem é que direta ou indiretamente pressiona professores a dar boas notas a alunos que não o merecem? Quem é que direta ou indiretamente leva a polvilhar as escolas de planos, grelhas, fichas e relatórios?
Depois, professor que apanhe alunos a copiar, como prova o facto, que pode fazer aos alunos? Não veem que a escola, mais do que espaço educativo, passou a ser a bola de cristal escrutinada por todos, nomeadamente os pais, para quem os filhos são uns inocentes que não fazem mal a uma mosca, vítimas inadaptadas da assustadora voz dos docentes? Não veem que a escola, para corrigir, tem de “provar” as incorreções dos alunos como se de um tribunal se trate, sujeito aos mecanismos de reclamação e recurso?
Quem é que nunca ouviu dizer que os processos disciplinares movidos a alunos estão cheios de erros processuais?
Já agora, solicita-se aso ilustres académicos que poupem a escola e virem a má ciência para outros alvos.

2015.11.20 – Louro de Carvalho 

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