segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Espero na Tua Misericórdia


Este clamor do crente é o subtítulo duma brochura que as Edições Salesianas, pela mão de Rui Alberto, colocaram à disposição dos cristãos sob o título “Rezar no Advento”, com o intuito de proporcionar um pequeno manual de oração pessoal em todos e cada um dos dias do tempo litúrgico de preparação para o Natal. E, como o Advento compreende a preparação para a vinda – e a própria vinda – do Messias Senhor, o livrinho, que recebi, a 22 de novembro na igreja dos Padres Passionistas, em Santa Maria da Feira, prevê o mesmo exercício orante para: 25 de dezembro, dia de Natal (sem Natal, não tem sentido o Advento); para o dia 27, dia da Sagrada Família; 1 de janeiro, dia da Circuncisão do Senhor, imposição do nome de Jesus, dia de Santa Maria Mãe de Deus e Dia Mundial da Paz; e 3 de janeiro, dia da Epifania (sem a Epifania, o Natal ficaria prisioneiro do povo hebreu).
É um opúsculo de 64 páginas que, além da oração pessoal, pode ser utilizado, na oração comunitária sobretudo em apoio à recitação do rosário.
Para cada um dos dias do tempo do Advento (28 de novembro a 24 de dezembro) e nos demais acima referidos, é proposto o seguinte esquema: uma citação bíblico-litúrgica e a perícopa da Bíblia que a enquadra; um ponto de reflexão, com base nessa perícopa e num texto adrede elaborado; e uma oração de súplica e/ou de louvor dirigida ao Senhor. Além disso, cada um dos dias fica ilustrado por belas imagens do mundo atual ou, pelo menos dois casos, da iconografia sacra já conhecida, que ajudam a interiorizar a referência bíblico-litúrgico-reflexiva que inspira cada meditação/oração.
A Bíblia inspira e enforma a Liturgia e a Liturgia torna-se lex credendi. Depois, a meditação leva à interiorização da Palavra venerada e proclamada, a imagem, pelo seu poder ilustrador e mediatizante, convida à reflexão e a oração coloca-nos em diálogo com Deus.
É importante dar relevo aos alvores do ano litúrgico, iniciado com o I Domingo do Advento, e aceitar que, ao longo deste caminho reflexivo e celebrativo, se torna visível e esplendente o rosto misericordioso de Deus no cumprimento da sua promessa salvífica, ou seja, na sua iniciativa generosa de vir ao nosso encontro através do seu Cristo, o Filho encarnado em Jesus de Nazaré.
Discretamente, o opúsculo fica assinalado com letra a C, que marca o ciclo do ano litúrgico que se iniciará a 29 de novembro e que mobilizará para os domingos deste ano litúrgico o Evangelho de São Lucas em ordem à leitura, proclamação e meditação no contexto da Liturgia.
Pretende-se que, passo a passo ou dia a dia, os cristãos descubram e assumam o dinamismo da economia da Salvação gratuitamente oferecida ao homem e ao povo em que eles se movimentam, envolvidos pela imensa misericórdia divina, mas, ao mesmo tempo sujeitos às solicitações do império do mal, em que o mistério da iniquidade tenta sobrepor-se ao mistério da bondade. E o cristão que se disponibiliza para rezar e meditar em sintonia com a Bíblia e a Liturgia, com a preocupação sincera com o estado e o destino do mundo, fica embarcado na edificação da Igreja no seu ser e missão como testemunho da misericórdia com que Deus abraça todo o homem que vem a este mundo.
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A série das citações bíblico-litúrgicas para cada um dos dias mencionados e as perícopas que as enquadram são como segue: 
1 – Erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. – Ler Lucas 21,25-28.34-36. – I Domingo do Advento.
2 – Eu irei curá-lo. – Ler Mateus 8,5-11.
3 – Terá compaixão dos fracos e dos pobres. – Ler Salmo 72 (71).
4 – Tenho pena desta multidão… Não têm que comer. – Ler Mateus 15,29-37.
5 – O Senhor é Deus e fez brilhar sobre nós a sua luz. – Ler Salmo 118 (117).
6 – Libertos da escuridão e das trevas, os olhos dos cegos tornarão a ver. – Ler Isaías 29,17-24.
7 – Ide às ovelhas perdidas da casa de Israel. – Ler Mateus 9,35 – 10,1.6-8.
8 – … E toda a criatura verá a salvação de Deus. – Ler Lucas 3,1-6. – II Domingo do Advento.
9 – Hoje vimos maravilhas. – Ler Lucas 5,17-26.
10 – O Espírito Santo virá sobre ti … – Ler Lucas 1,26-38. – Solenidade da Imaculada Conceição.        
11 – Salva da morte a tua vida e corroa-te de graça e misericórdia. – Ler Salmo 103 (102).
12 – Não temas. Eu venho em teu auxílio. – Ler Isaías 41,13-20.
13 – O caminho dos pecadores leva à perdição. – Ler Salmo 1.
14 – Como um fogo veio Elias e as suas palavras queimavam como um facho ardente. – Ler Ben-Sirá (e não como vem no opúsculo) 48,1-4.9-11.
15 – Perguntavam a João Batista: “Que devemos fazer”? – Ler Lucas 3,10-18. – III Domingo do Advento.
16 – Com que autoridade fazes tudo isto? – Ler Mateus 21,23-27.
17 – Veio João Batista e não acreditastes… Mas os publicanos e as prostitutas acreditaram. – Ler Mateus 21,28-32.
18 – … Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados… – Ler Lucas 7,19-23.
19 – Ele fará justiça aos humildes e salvará os indigentes. – Ler Salmo 72 (71).
20 – José, não temas receber Maria como tua esposa. – Ler Mateus 1,18-25.
21 – Tu vais guardar silêncio, sem falar… por não teres acreditado… – Ler Lucas 1,5-25.
22 – Feliz aquela que acreditou... – Ler Lucas 1,39-45. – IV Domingo do Advento.
23 – Isabel ficou cheia do Espírito Santo… – Ler Lucas 1,39-45.
24 – Acolheu Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia… – Ler Lucas 1,46-56.
25 – Abriu-se a boca de Zacarias e ele começou a falar, bendizendo a Deus. – Ler Lucas 1,57-66.
26 – Graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que nos visita como Sol nascente. – Ler Lucas 1,67-79.
27 – Isto vos servirá de sinal: um Menino deitado numa manjedoura… – Ler Lucas 2,1-14. – NATAL.
28 – Voltaram para Nazaré e o Menino crescia, tornava-se robusto e enchia-se de sabedoria. – Ler Lucas 2,22-40. – Sagrada Família.
29 – Os pastores regressaram, louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto. – Ler Lucas 2,16-21. – Maternidade de Maria, Nome de Jesus, Dia Mundial da Paz.
30 – Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo. – Ler Mateus 2.1-12. – EPIFANIA.
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É de notar que o evangelista mais evidenciado é efetivamente São Lucas, o notário da infância de Jesus, o escritor da misericórdia e da salvação, o que exalta a fé das mulheres – a mãe de Jesus e a mãe do precursor – o que nos dá o sinal do nosso Deus descido à condição de Menino sem casa, sem cama: Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura (Lc 2,12).
Por outro lado, aparecem as figuras típicas do advento: o profeta Isaías, que anuncia os tempos messiânicos; João Batista, que prepara os caminhos do Senhor, como seu mensageiro que é e que se quer certificar de que Jesus é efetivamente o Messias, o qual lhe faz saber que se estão a verificar os sinais do Reino de Deus; a Virgem Maria, disponível na fé e no serviço ao Senhor e de toda a sua misericórdia que tão bem soube cantar no Magnificat; Isabel, a mãe do precursor e que, cheia do Espírito Santo, bendisse Aquela que acreditou em tudo quanto o Senhor disse; José, o esposo de Maria, o modelo do trabalho e da aceitação do mistério; e Zacarias, aquele que da postura de duvida passa à atitude de quem bendiz a Salvação que visita o povo da promessa (veja-se o cântico do Benedictus). 
Mateus fica em relevo no esclarecimento a José quanto ao mistério a que Maria deu colaboração total, de corpo e alma; na expressão do desígnio do Senhor de mandar os discípulos recuperar as ovelhas perdidas da casa de Israel ou de se compadecer pela multidão; no reconhecimento da autoridade de Jesus; e no evento salvífico da Epifania, na linha de Isaías e de Lucas.
Por outro lado, registe-se a coincidência de vir sugerida a mesma perícopa de Lc 1,39-45 para dois dias consecutivos 20 (cf Lc 1,41) e 21 de dezembro (cf. Lc 1,45) – no esquema supra, os números 22 e 23, respetivamente –, mas com as citações um pouco ao invés da ordem por que vêm em Lucas. Com efeito, releva-se a fé de Maria sublinhando que o acreditar a torna bem-aventurada. Porém, este enunciado é uma profecia de Isabel, só possível graças à inspiração do Espírito Santo.
No entanto, não podemos deixar no olvido o contributo dado à economia da misericórdia adventícia e natalina pelos livros sapienciais, nomeadamente os salmos referenciados, que devem ser lidos e meditados na íntegra, e o livro de Ben-Sirá (e não o de Qohelet, que o opúsculo refere, mas que não tem o capítulo mencionado).
É ainda de anotar que a numeração dos salmos citados na brochura, com exceção do 102, é a usual nos tempos atuais e não a da Vulgata Latina, ainda referenciada nos livros litúrgicos.
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Porém, mais do que a atenção dada a alguns pormenores, o importante é rezar as palavras como Palavra de Deus a enformar a vida do crente, que pretende ser piedoso na relação com o Deus da misericórdia e Pai de toda a consolação e comprometido com a missão de anunciar o Natal aos irmãos, sobretudo aos que estão marcados pelo sofrimento e pelo abandono, na esperança certa de que a alimentação da fé e da alegria com o mistério da encarnação é o melhor tónico para o testemunho do Ressuscitado. Pode contar, neste seu percurso exigente e entusiasta, com a disponibilidade da Virgem Mãe e o seu cântico de louvor e misericórdia, a austeridade de João, a cooperação discreta e eficaz de José, a oração e intuição de Isabel, o cântico de bênção de Zacarias e o rasgo visionário de Isaías.
É necessário que a Senhora Presépio, a Senhora do Egito, a Senhora do Cristo pregado na cruz e dela descido, a Senhora do Ressuscitado, seja também e quanto antes a Senhora do Cristo que, por entre os sofrimentos e alegrias, desilusões e esperanças, vive no corpo e alma do homem redimido no sangue do Filho de Deus.
Que à luz do Natal, os crentes ousem embarcar no dinamismo da missão eclesial para que as pessoas acorram ao ensino dos apóstolos, à fração do pão em memória do Senhor e à união fraterna na caridade enquanto coroa da justiça e razão de ser da dedicação ao próximo e ao bem comum. Para tanto, é preciso recuperar a Senhora de Belém, de Nazaré e do Templo, a Senhora do Natal, a Senhora da vida eficaz e discreta na família e na comunidade, a Senhora da Apresentação do Senhor, da Oração e da Procura e Encontro de Jesus.
São de saborear as meditações do livrinho para a celebração do Advento e Natal rezando-as de olhos na Bíblia, mãos nas ferramentas da paz e pés nos caminhos dos homens. Rezar no Advento, que não intenta uma ordem lógica ou cronológica das meditações, mas ministrá-las no sistema de drageias de espiritualidade para cada um dos dias, com vista ao robustecimento da fé e da intimidade com Deus e da relação de proximidade como próximo, termina com a oração do Papa Francisco para o Jubileu Extraordinário da Misericórdia:
Senhor Jesus Cristo,
Vós que nos ensinastes a ser misericordiosos como o Pai celeste, e nos dissestes que quem Vos vê, vê a Ele,
Mostrai-nos o Vosso rosto e seremos salvos.
O Vosso olhar amoroso libertou Zaqueu e Mateus da escravidão do dinheiro; a adúltera e Madalena de colocar a felicidade apenas numa criatura; fez Pedro chorar depois da traição; e assegurou o Paraíso ao ladrão arrependido,
Fazei que cada um de nós considere como dirigidas a si mesmo as palavras que dissestes à mulher samaritana: Se tu conhecesses o dom de Deus!

Vós sois o rosto visível do Pai invisível, do Deus que manifesta sua omnipotência sobretudo com o perdão e a misericórdia:
Fazei que a Igreja seja no mundo o rosto visível de Vós, seu Senhor, ressuscitado e na glória.
Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro:
Fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus.

Enviai o Vosso Espírito e consagrai-nos a todos com a sua unção para que o Jubileu da Misericórdia seja um ano de graça do Senhor e a Vossa Igreja possa, com renovado entusiasmo, levar aos pobres a alegre mensagem proclamar aos cativos e oprimidos a libertação e aos cegos restaurar a vista.

Nós Vo-lo pedimos por intercessão de Maria, Mãe de Misericórdia, a Vós que viveis e reinais com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Ámen


2015.11.23 – Louro de Carvalho

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