Muitas
coisas se poderiam dizer de um Governo liderado por Passos de que Portas é ou
era o arcediago. No entanto, nesta fase de despedida, tem de se pôr a nu o
embuste construído pela governança – amargamente denominada socialdemocrata e democrata-cristã
– em torno de três temas cujo denominador comum era a alegada preservação dos interesses
contribuintes.
***
O
primeiro tema suficientemente modulado pela cantoria pré-eleitoral foi o da reposição
da sobretaxa cobrada aos contribuintes em sede de IRS. Antes das eleições de 4
de outubro, a liquidação e cobrança de receitas fiscais e o crescimento da
economia puseram os canais informativos do Estado, nomeadamente os respeitantes
à política fiscal, a prometer, no momento do acerto de contas, uma devolução de
35% da sobretaxa que no exercício de 2015 vem sendo cobrada aos contribuintes.
Entretanto,
passado o ato eleitoral, cujos resultados não agradaram aos cantores do
festival nacional do quadriénio, que decorreu sob a batuta dos eurocratas qual
virga amaciadora dos cabelos das unidades governativas da lusa nação, as coisas
mudaram.
Quando
o adversário n.º 1 do Governo de legislatura (com mais uns
meses) e do Governo
derrotado no Parlamento evidenciou o fosso em que estavam a cair as contas
públicas, recebeu o título honorífico de alarmista. E confesso que fiquei
preocupado quando ouvi o Presidente da República a clamar que a situação
financeira do país era muito diferente da do ano de 2011, já que dispomos de
uma boa almofada financeira – os cofres estão cheios (de
títulos de dívida?!).
É que a experiência recente mostra que, se o Presidente fala de conforto financeiro,
deve ser entendido ao contrário. Quem não se lembra da boa situação do BES, tão
boa que era seguro investir em ações do banco, que agora é bom ou mau (nem sei…).
Entretanto,
as contas pós-eleitorais tardaram, mas vieram destapar o embuste: a percentagem
da sobretaxa a devolver é 0%. Gostei da sinceridade e da verdade pré-eleitoral
da dupla Passos-Portas, de tão boa qualidade em 2015 como em 2011. Só tenho
pena da Senhora Assunção Cristas, que se terá inspirado em Jesus Cristo para
lidar com gente tão pouco recomendável.
***
Em
segundo lugar, temos o caso do Novo Banco. Foi constituído, na segunda metade do
festival quadrienal, pelo Fundo de Resolução, que evitou a nacionalização do
BES, sem que o Governo fosse tido e achado, unicamente sob a égide do Banco de
Portugal, que se limitou a cumprir a lei (que o Governo fez em
fim de semana…).
Foi
dito e redito que os contribuintes não seriam penalizados. Depois, admitiu-se a
possibilidade de haver algum prejuízo por via indireta, já que o Fundo era constituído
por dinheiro de bancos, incluindo a grande fatia do banco público, a CGD, e do empréstimo
concedido pelo Estado a partir do bolo que a troica reservou para a banca.
Ora,
o Banco não foi vendido. Está a ser sujeito a reestruturação, com encerramento
de balcões e despedimento de funcionários, com as ditas indemnizações. Agora, depois
das eleições, caiu o pano da comédia e o banco, que, em virtude dos testes de
stresse (em que alegadamente passou), precisa de uma capitalização
calculada em mil e quatrocentos milhões de euros. Os bancos não querem (ou
não podem) pagar. Quem
paga? O Zé contribuinte, que – Abrenuntio!
– estava seguro ao abrigo de qualquer invasão das carteiras.
Permitia-me
concluir com as rezas com que rematei o item anterior. Boa gente! No entanto,
espero pela organização do peditório alvitrado por Passos no Estádio Municipal
de Braga a favor dos lesados do BES/GES, de que prometeu ser o primeiro
subscritor. Quem promete deve!
***
Por
fim, só mais um tema para a sossega: a venda da TAP. O Estado não podia continuar
com a TAP: estava em crise e a Comissão Europeia não deixava o Estado injetar
dinheiro na empresa. A privatização era a única forma de salvar a TAP e
defender os interesses estratégicos do país.
Como
todos sabem, a primeira tentativa de venda de 61% do capital abortou,
alegadamente porque o único concorrente não apresentou as garantias então consideradas
necessárias.
O
segundo processo de privatização logrou chegar ao fim, apesar da contestação
geral. Entretanto, a Comissão Europeia, que tinha feito saber que a questão da
impossibilidade de injeção de capital na empresa não era um dado absoluto, ao
ser questionada sobre as exigências europeias quanto ao controlo da TAP,
respondeu que o problema não era de considerar em virtude de o volume de
faturação não atingir os mínimos europeus. Assim, o governo, cuja ilegitimidade
para o caso não resulta de ser governo de gestão, mas governo liminarmente
rejeitado no Parlamento, decidiu aprovar a minuta do acordo. E o acordo foi
assinado.
Porém,
o Estado, que se queria ver livre dos encargos com a empresa, assegurou a
garantia do financiamento contraído junto da banca pelo consórcio comprador. Ou
seja, os contribuintes, a quem foi prometido ficarem a salvo de encargos
pagarão, se o não fizer o Barraqueiro e companheiro. Não é muito. São apenas
646,7 milhões de euros de uma dívida bancária, a que acrescem 120 milhões de
euros solicitados pelo consórcio adquirente da empresa para financiamento
corrente (ao todo, cerca de 770 milhões). Mas tinham-nos garantido que
os milhões que aí vinham eram encaixe para o Estado e para capitalização da
empresa. Até passaram nos canais de publicidade os irrecusáveis apelos a que se
examinassem as novas dezenas de aeronaves por fora e por dentro, para se aferir
do design e do conforto!
Este
foi um embuste que resultou do conluio arquitetado entre o Governo e os privados.
E o anedótico é que o Primeiro-Ministro clamava que a TAP passou de um dono que
não cuidava dela para um novo dono que vai tratar dela em condições. É caso
para nos interrogarmos por onde tem andado o Primeiro-Ministro e os seus sucessivos
ministros da economia e dos transportes, ou o que tem andado a fazer o
engenheiro Fernando Pinto, administrador-delegado.
Com
razão António Costa acusou o Governo de “fingir” a privatização da TAP e de
favorecer os privados, ao garantir que o Estado assume o risco da dívida da
empresa, ficando toda a oportunidade do lado de lá.
Também o Expresso, do dia 21, referia que o risco
de a dívida da TAP não ser paga aos bancos ficou do lado do Estado, com as
instituições bancárias a ficarem com o poder de renacionalizar a transportadora aérea. Aduzindo o teor do documento
que originou o acordo entre os bancos e a Parpública (holding do
Estado detentora da totalidade do capital da TAP) e, sob despacho do Governo, que dá garantias às instituições
bancárias, o Expresso considera que, “em
caso de incumprimento ou desequilíbrio financeiro, os bancos têm o direito de
obrigar a Parpública” à recompra da TAP.
Para quê mais
palavras? Caiu a máscara. Não é preciso muito para ser melhor.
2015.11.22 – Louro de Carvalho
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