sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Acerca da independência de Angola

Passou, a 11 de novembro, o 40.º aniversário da independência de Angola. A efeméride dá azo à reflexão sobre o significado do facto político ocorrido em novembro de 1975 e sobre a situação que hoje o país vive.
Com efeito, o 11 de novembro de 1975, no crepúsculo do PREC português (era já a vigência do VI Governo Provisório), significa o termo da nossa presença colonial em África (mais de 550 anos).  
Com a expressão presença colonial, não quero alinhar com aqueles que pura e simplesmente condenam a História da expansão portuguesa, mas, não alinhando também com a subtil nomenclatura das províncias ultramarinas, sintonizo com a frescura do nascimento de novos países independentes, filhos de uma pátria que tentou estabelecer a plataforma do encontro de culturas em África como em muitas paragens do Orbe, embora sem o pleno sucesso – com altos e baixos, luzes e sombras, promoção e subjugação, respeito e força, miscigenação e separação.
Enfim, com a constituição dos chamados movimentos de libertação, os novos países forçaram, através da guerra e, depois, pela negociação, a autonomização em relação ao regime português.
A independência de Angola, por caminho mais complexo que nas outras colónias, por nela existirem três movimentos de libertação, que disputavam entre si o estatuto de hegemonia, pôs fim ao império português dito multirracial e multicontinental. Os governos provisórios de Portugal, estribados no programa do MFA (Movimento das Forças Armadas), lido de forma dinâmica e progressiva, davam cumprimento a um dos três D (democratização, descolonização e desenvolvimento) do ideário da revolução abrilina, ainda que, sem a consulta aos portugueses e aos habitantes das colónias, como algumas vozes do Movimento chegaram a alvitrar. Parece que era demasiado tarde para enveredar pela via referendária, uma vez que os movimentos de libertação estavam sem paciência para esperar por muito mais tempo e as forças armadas portuguesas estavam desmotivadas, embora alguns garantissem que a guerra estava ganha em Angola pelas tropas coloniais. Seja como for aqueles territórios perderam em definitivo o estatuto de estados independentes cuja independência tinham adquirido com a independência da mãe pátria, segundo a nomenclatura salazarista.
A tarefa da democratização formal ficou pronta em 1976 com as eleições para o Parlamento, as eleições regionais (Madeira e Açores), as eleições presidenciais e as eleições autárquicas. E a tarefa do desenvolvimento é a batalha de todos os dias, de todos os governos e de todos os agentes económicos, sociais e culturais.
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Entretanto, não podemos olvidar um facto marcante que decorreu do processo de independência das colónias africanas, sobretudo Angola e Moçambique: o retorno de nacionais ao Continente europeu – entre 500 mil e o milhão – que foram integrados política, social e economicamente, embora com as inevitáveis compreensíveis dificuldades de várias ordens. É certo que nem todos regressaram, sobretudo os que transpuseram a fronteira de Moçambique para a África do Sul. Porém, foi possível estabelecer uma quase contínua ponte aérea entre Luanda e Lisboa e entre Maputo (Lourenço Marques) e Lisboa, graças à estreita cooperação entre a Força Aérea Portuguesa e a TAP – o que permite a dúvida sobre se isso hoje seria possível, dada a atual situação da companhia aérea, a depauperação numérica das forças armadas e as imposições europeias.
A seguir às independências, em dois dos novos países, designadamente Angola e Moçambique, desenvolveram-se as guerras civis, que se prolongaram por tempo quase igual ao da guerra colonial. Todavia, foi possível estabelecer acordos de cooperação em diversas áreas com os regimes de Angola e de Moçambique, até que se chegou à normalização das relações económicas e ao sistema de investimento recíproco, que, de vez em quando, passa por preocupantes sobressaltos.
Com São Tomé e Príncipe e com Cabo Verde o relacionamento e a cooperação foram normais. E São Tomé e Príncipe teve durante bastante tempo como seu Presidente da República o português Fradique de Menezes, natural de Fataunços, do concelho de Vouzela.
Mas, quanto à Guiné-Bissau, temos de recordar quer a dizimação de fulas e bijagós, refratários à causa da independência (Foi Otelo Saraiva de Carvalho que o revelou quando se viu criticado ao dizer que se deviam meter os fascistas no Campo Pequeno), quer o ambiente de sucessivos golpes e contragolpes. O próprio político Mário Soares, quando era Presidente da República, chegou a clamar publicamente que os direitos humanos são para respeitar em todo o mundo e obviamente também na Guiné.
No entanto, apesar das dificuldades iniciais, Portugal e outros países, pelo lado das ONG, continuam a investir nas causas da promoção social, da educação e saúde e no apoio às populações que vivem em sítios mais recônditos. E as Igrejas continuam a sua obra missionária (padres, religiosos e leigos) – quer em regime institucional e de permanência quer em regime de voluntariado e temporário –, se bem que através do incremento cada vez maior à formação de clero indígena, segundo a vontade expressa de Paulo VI.
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Centrando-nos no caso de Angola, devemos anotar que atualmente o investimento das empresas portuguesas neste país, que era florescente até há pouco tempo, parece estar em franco retrocesso, dada a crise do petróleo. Em contrapartida, um grupo razoável de angolanos investe em Portugal e muitas divisas por cá ficam, embora, para muitos, sob a suspeita de que o dinheiro que entra não é imune ao lucro honesto pelo que deveria passar pelo conveniente escrutínio. E um país de enormes recursos vive maioritariamente na pobreza enquanto uma elite político-económica engorda e impa de riqueza.  
E, se é certo que as relações entre os dois Estados soberanos se pautam pelo princípio de não ingerência, nem sempre as relações económicas são inocentes, sobretudo quando tuteladas por figuras do estado-maior do Chefe de Estado angolano, institucional ou familiar. Depois, vem o domínio sobre alguma comunicação social portuguesa e a crispação quando personalidades gradas do regime angolano são criticadas na comunicação social ou investigadas pelas entidades policiais e pelo poder judiciário.
De resto, há aspetos que sempre foram intrigantes: Cuba mandou para Angola militares seus logo após a independência, que por muitos foi conotada com a tutela soviética; porém, o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA foi o Brasil, ao tempo sob o regime de ditadura militar de direita. Por outro lado, os governos de centro direita portuguesa dão-se melhor com o regime angolano do que os governos de centro esquerda. Será o jogo de interesses económicos que está em causa – petróleo, diamantes…?
Ao nível do regime político angolano, é de assinalar a elaboração e a vigência de uma Constituição Política e a difícil, mas progressiva, panóplia pluralista no parlamento. Todavia, é de questionar como é que durante quarenta anos não houve uma simples mostra de alternativa de governo ao do MPLA, como se mantém in perpetuum como Presidente da República o senhor José Eduardo dos Santos, isto por ter falecido o primeiro presidente Agostinho Neto, e como qualquer voz discordante séria e consistente que se levante a questionar o poder é objeto de perseguição e até de prisão sob o pretexto de golpismo.
Finalmente, como é que José Eduardo dos Santos, no quadro das cerimónias aniversárias da independência, canta entre os heróis da libertação apenas Agostinho Neto, esquecendo os líderes dos demais movimentos que persistiram na luta pela independência até à sua consecução e dois se esforçaram, cada um a seu modo, pela instauração da democracia até ao fim. Ou seja, porque não uma palavra de apreço também por Jonas Savimbi, da UNITA, e por Holden Roberto, da FNLA. É que foram três os líderes que assinaram o acordo de Alvor e foram dois os líderes que assinaram os acordos de Bicesse sob o olhar de Durão Barroso (a FNLA já não estava ativa).
Honrar todos os heróis só fica bem à democracia e ao patriotismo e é sinal de lucidez e de magnanimidade.
Afinal, não é só em Portugal que há falta de memória!

2015.11.13 – Louro de Carvalho

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