Passou,
a 11 de novembro, o 40.º aniversário da independência de Angola. A efeméride dá
azo à reflexão sobre o significado do facto político ocorrido em novembro de
1975 e sobre a situação que hoje o país vive.
Com
efeito, o 11 de novembro de 1975, no crepúsculo do PREC português (era já a
vigência do VI Governo Provisório), significa o termo da nossa presença
colonial em África (mais de 550 anos).
Com
a expressão presença colonial, não
quero alinhar com aqueles que pura e simplesmente condenam a História da
expansão portuguesa, mas, não alinhando também com a subtil nomenclatura das
províncias ultramarinas, sintonizo com a frescura do nascimento de novos países
independentes, filhos de uma pátria que tentou estabelecer a plataforma do
encontro de culturas em África como em muitas paragens do Orbe, embora sem o
pleno sucesso – com altos e baixos, luzes e sombras, promoção e subjugação,
respeito e força, miscigenação e separação.
Enfim,
com a constituição dos chamados movimentos de libertação, os novos países
forçaram, através da guerra e, depois, pela negociação, a autonomização em
relação ao regime português.
A
independência de Angola, por caminho mais complexo que nas outras colónias, por
nela existirem três movimentos de libertação, que disputavam entre si o
estatuto de hegemonia, pôs fim ao império português dito multirracial e
multicontinental. Os governos provisórios de Portugal, estribados no programa
do MFA (Movimento
das Forças Armadas),
lido de forma dinâmica e progressiva, davam cumprimento a um dos três D (democratização,
descolonização e desenvolvimento)
do ideário da revolução abrilina, ainda que, sem a consulta aos portugueses e
aos habitantes das colónias, como algumas vozes do Movimento chegaram a
alvitrar. Parece que era demasiado tarde para enveredar pela via referendária,
uma vez que os movimentos de libertação estavam sem paciência para esperar por muito
mais tempo e as forças armadas portuguesas estavam desmotivadas, embora alguns
garantissem que a guerra estava ganha em Angola pelas tropas coloniais. Seja
como for aqueles territórios perderam em definitivo o estatuto de estados
independentes cuja independência tinham adquirido com a independência da mãe
pátria, segundo a nomenclatura salazarista.
A
tarefa da democratização formal ficou pronta em 1976 com as eleições para o
Parlamento, as eleições regionais (Madeira e Açores), as eleições presidenciais e as
eleições autárquicas. E a tarefa do desenvolvimento é a batalha de todos os
dias, de todos os governos e de todos os agentes económicos, sociais e
culturais.
***
Entretanto,
não podemos olvidar um facto marcante que decorreu do processo de independência
das colónias africanas, sobretudo Angola e Moçambique: o retorno de nacionais ao
Continente europeu – entre 500 mil e o milhão – que foram integrados política, social
e economicamente, embora com as inevitáveis compreensíveis dificuldades de
várias ordens. É certo que nem todos regressaram, sobretudo os que transpuseram
a fronteira de Moçambique para a África do Sul. Porém, foi possível estabelecer
uma quase contínua ponte aérea entre Luanda e Lisboa e entre Maputo (Lourenço
Marques) e Lisboa,
graças à estreita cooperação entre a Força Aérea Portuguesa e a TAP – o que
permite a dúvida sobre se isso hoje seria possível, dada a atual situação da
companhia aérea, a depauperação numérica das forças armadas e as imposições
europeias.
A
seguir às independências, em dois dos novos países, designadamente Angola e
Moçambique, desenvolveram-se as guerras civis, que se prolongaram por tempo
quase igual ao da guerra colonial. Todavia, foi possível estabelecer acordos de
cooperação em diversas áreas com os regimes de Angola e de Moçambique, até que
se chegou à normalização das relações económicas e ao sistema de investimento
recíproco, que, de vez em quando, passa por preocupantes sobressaltos.
Com
São Tomé e Príncipe e com Cabo Verde o relacionamento e a cooperação foram
normais. E São Tomé e Príncipe teve durante bastante tempo como seu Presidente
da República o português Fradique de Menezes, natural de Fataunços, do concelho
de Vouzela.
Mas,
quanto à Guiné-Bissau, temos de recordar quer a dizimação de fulas e bijagós,
refratários à causa da independência (Foi Otelo Saraiva de Carvalho
que o revelou quando se viu criticado ao dizer que se deviam meter os fascistas
no Campo Pequeno),
quer o ambiente de sucessivos golpes e contragolpes. O próprio político Mário
Soares, quando era Presidente da República, chegou a clamar publicamente que os
direitos humanos são para respeitar em todo o mundo e obviamente também na
Guiné.
No
entanto, apesar das dificuldades iniciais, Portugal e outros países, pelo lado
das ONG, continuam a investir nas causas da promoção social, da educação e
saúde e no apoio às populações que vivem em sítios mais recônditos. E as
Igrejas continuam a sua obra missionária (padres, religiosos e
leigos) – quer em
regime institucional e de permanência quer em regime de voluntariado e temporário
–, se bem que através do incremento cada vez maior à formação de clero indígena,
segundo a vontade expressa de Paulo VI.
***
Centrando-nos
no caso de Angola, devemos anotar que atualmente o investimento das empresas
portuguesas neste país, que era florescente até há pouco tempo, parece estar em
franco retrocesso, dada a crise do petróleo. Em contrapartida, um grupo
razoável de angolanos investe em Portugal e muitas divisas por cá ficam,
embora, para muitos, sob a suspeita de que o dinheiro que entra não é imune ao
lucro honesto pelo que deveria passar pelo conveniente escrutínio. E um país de
enormes recursos vive maioritariamente na pobreza enquanto uma elite político-económica
engorda e impa de riqueza.
E,
se é certo que as relações entre os dois Estados soberanos se pautam pelo
princípio de não ingerência, nem sempre as relações económicas são inocentes,
sobretudo quando tuteladas por figuras do estado-maior do Chefe de Estado
angolano, institucional ou familiar. Depois, vem o domínio sobre alguma
comunicação social portuguesa e a crispação quando personalidades gradas do
regime angolano são criticadas na comunicação social ou investigadas pelas entidades
policiais e pelo poder judiciário.
De
resto, há aspetos que sempre foram intrigantes: Cuba mandou para Angola
militares seus logo após a independência, que por muitos foi conotada com a
tutela soviética; porém, o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA foi o
Brasil, ao tempo sob o regime de ditadura militar de direita. Por outro lado,
os governos de centro direita portuguesa dão-se melhor com o regime angolano do
que os governos de centro esquerda. Será o jogo de interesses económicos que
está em causa – petróleo, diamantes…?
Ao
nível do regime político angolano, é de assinalar a elaboração e a vigência de
uma Constituição Política e a difícil, mas progressiva, panóplia pluralista no
parlamento. Todavia, é de questionar como é que durante quarenta anos não houve
uma simples mostra de alternativa de governo ao do MPLA, como se mantém in perpetuum como Presidente da
República o senhor José Eduardo dos Santos, isto por ter falecido o primeiro
presidente Agostinho Neto, e como qualquer voz discordante séria e consistente
que se levante a questionar o poder é objeto de perseguição e até de prisão sob
o pretexto de golpismo.
Finalmente,
como é que José Eduardo dos Santos, no quadro das cerimónias aniversárias da
independência, canta entre os heróis da libertação apenas Agostinho Neto,
esquecendo os líderes dos demais movimentos que persistiram na luta pela
independência até à sua consecução e dois se esforçaram, cada um a seu modo,
pela instauração da democracia até ao fim. Ou seja, porque não uma palavra de
apreço também por Jonas Savimbi, da UNITA, e por Holden Roberto, da FNLA. É que
foram três os líderes que assinaram o acordo de Alvor e foram dois os líderes
que assinaram os acordos de Bicesse sob o olhar de Durão Barroso (a
FNLA já não estava ativa).
Honrar
todos os heróis só fica bem à democracia e ao patriotismo e é sinal de lucidez
e de magnanimidade.
Afinal,
não é só em Portugal que há falta de memória!
2015.11.13 –
Louro de Carvalho
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