O Papa Francisco, na sua catequese semanal do dia 18
de novembro, colocou a Igreja e as famílias na rota do acolhimento da
misericórdia. Começando por verificar que chegámos ao limiar do Jubileu da
Misericórdia, apresenta-nos, não a “porta santa” física do jubileu, mas “a
grande porta da misericórdia de Deus”. É aquela porta que “acolhe o nosso
arrependimento dando-nos a graça do perdão divino”.
Porém, para atinarmos com esta grande porta
“generosamente aberta”, devemos reconhecer todos que somos pecadores, uma vez
que “tem cada um de nós coisas que nos pesam”. Depois, é a própria misericórdia
que nos encoraja a cruzar o limiar da sua porta. E é a misericórdia de Deus que
O leva a nunca se cansar de perdoar e de esperar por nós. “Ele guarda-nos e
está sempre próximo de nós”.
Francisco, por outro lado, não deixa de apontar o
papel do Sínodo dos Bispos, do passado mês de outubro, no encorajamento às
famílias e à Igreja a encontrarem-se na soleira da porta aberta do Deus
misericordioso. Ensina o Papa que a Igreja é encorajada a abrir as suas portas
para sair com o Senhor ao encontro dos filhos e filhas que estão no caminho, às
vezes inseguros e mesmo perdidos, nestes tempos difíceis. Por seu turno, as
famílias, particularmente as famílias cristãs, são encorajadas a abrir a sua
porta ao Senhor, que aguarda pacientemente o momento de entrar, trazendo a sua
bênção e amizade.
Este apontamento de Francisco às famílias faz-nos
lembrar a passagem do Apocalipse com palavras dirigidas à Igreja de Laodiceia: “Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e
ele comigo” (Ap 3.20). Fazer Deus participante da
nossa mesa e Ele fazer-nos participantes da sua mesa – a comum comensalidade – constitui o expoente
máximo da intimidade de Deus com o homem, a família humana e a Igreja. É o
sinal benevolente da misericórdia de Deus confiada à Igreja, família de
famílias e locus da comunhão de Deus
com os homens e dos homens uns com os outros em Deus Pai, em Cristo, pelo Espírito
Santo.
Vêm também à nossa memória as palavras do Mestre a propósito
do dinamismo do amor de Deus que, graças à sua misericórdia, nunca nos deixa na
orfandade ou em qualquer abandonado, gravadas pelo Evangelho de São João:
“Se alguém me tem amor, há
de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele
faremos morada. Quem não me tem
amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do
Pai, que me enviou.” (Jo 14,23-24).
E tanto faz dizer que Deus é misericórdia porque é amor como
dizer que Deus é amor porque é misericórdia. Ele até mostra o seu poder quando se
mostra misericordioso e perdoa (da Liturgia).
Entretanto, temos de perceber e aceitar, segundo o
Bispo de Roma, que, se a porta da misericórdia divina está sempre aberta,
“também as portas das nossas igrejas, as portas das nossas comunidades, as
portas das nossas paróquias, as portas das nossas instituições, as portas das
nossas dioceses “devem estar abertas”, para que “assim todos possamos sair a
levar aos outros esta misericórdia de Deus”. Do seu lado, o Jubileu patenteia
“a grande porta da misericórdia divina” e, ao mesmo tempo, postula a abertura
das “pequenas portas das nossas igrejas
para deixar entrar o Senhor”, para que se cumpra a Sua vontade plasmada nas
passagens o Apocalipse e do Evangelho de João acima transcritas, bem como para “deixar
sair o Senhor” sempre que O tenhamos “prisioneiro das nossas estruturas, do nosso
egoísmo e de tantos outros fatores limitadores”. De acordo com estas passagens
citadas e com a prerrogativa de liberdade com que o homem, criado à imagem e
semelhança de Deus, foi dotado, o Senhor, quando bate à porta, não a forçando,
mas pedindo autorização para entrar.
Entretanto, o Pontífice coloca-nos perante a
situação de o Senhor bater à porta do nosso coração. E que faremos? Estaremos
em consonância com a última visão do autor do Livro do Apocalipse que assim
profetiza o estado da Cidade de Deus: “As
suas portas não se fecharão de dia, pois nela não haverá noite!”? Com
efeito, Deus colocou-nos num mundo em que as portas não se fecham à chave.
Porém, a tendência vai no sentido de que a situação de portas blindadas se
torna normal. Por isso, o Papa faz o lancinante apelo a que não nos verguemos à
ideia de aplicar este mecanismo de portas blindadas à nossa vida e à vida da
família, da cidade, da sociedade – em especial à vida da Igreja. Na verdade,
“uma Igreja inóspita, tal como uma família fechada sobre si mesma, mata o
Evangelho e torna árido o mundo” – ensina o Pontífice.
***
A assunção da alegoria das “portas” – limiares,
passagens, fronteiras – torna-se crucial (e eloquente,
acrescente-se) nos dias de hoje. Com efeito, a porta é para
guardar, mas não para repelir. Depois, uma porta nunca deve ser forçada, muito menos
arrombada. Deve, antes, pedir-se licença dado que “a hospitalidade brilha na
liberdade do acolhimento e torna-se obscura na prepotência da invasão”. Mas, se
ninguém bate à porta? Deve abrir-se com frequência para ver se lá fora está
alguém à espera e talvez sem a coragem ou até sem a força para bater à porta. E
Francisco interroga-se sobre “quantas pessoas não haverá que perderam a
confiança e não têm a coragem de bater à porta do nosso coração cristão, às
portas das nossas igrejas”. Assim, é
urgente que nunca mais aconteça que estejam ali sem coragem, porque lhes
tirámos a confiança.
Porque a porta diz muito do que é a casa e também a
Igreja (e, quando se fala de igrejas aqui, tem-se em vista sobretudo as comunidades, de que
torna símbolo o templo e a sua gestão), “a gestão da porta
requer discernimento e deve inspirar grande confiança”.
A este respeito, o Papa tem uma palavra de gratidão
para com todos os guardiões das portas – dos
condomínios, das instituições civis e das próprias igrejas (aqui,
“templos”), pelo humanismo destas pessoas e pelo simbolismo e
função das portas. Muitas vezes – refere – a prontidão e a gentileza da receção
oferecem uma imagem de humanidade e de acolhimento a toda a casa, logo a partir
da entrada. Há que aprender com estes homens e com estas mulheres, que são
guardiões e guardiãs dos lugares de encontro e de acolhimento da cidade do
homem.
Na verdade, bem sabemos – continua – que nós
próprios somos os guardiões e servos da Porta de Deus. Ora, a porta de Deus
chama-se Jesus e é Ele que lança a sua luz sobre todas as portas da vida,
compreendidas entre o nascimento e a morte. A este respeito, no quadro do
discurso do rebanho e do Bom Pastor, Jesus assegurou: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim
estará salvo; há de entrar e sair e achará pastagem.” (Jo 10,9). Ele é
efetivamente a porta por onde nos faz entrar e sair. Porém, é de considerar que
o rebanho de Cristo, a casa de Deus não é uma prisão, mas um abrigo.
Por outro lado, Jesus demarca-se do mercenário, que
não dá a vida pelas ovelhas, mas quer o soldo, e do ladrão, que não entra pela
porta, mas por outro lado (flanco, janela, teto…),
porque tem intenções funestas, ou seja, entrar no aprisco para enganar as
ovelhas e aproveitar-se delas.
Ora, nós devemos passar pela porta e escutar a voz
do Bom Pastor, pois, ao sentirmos, o seu tom de voz, estamos seguros e salvos;
podemos entrar sem medo e sair sem perigo.
No discurso do Bom Pastor, diz o Papa, também se
evoca o perfil do guardião do rebanho (o porteiro),
que tem o encargo de abrir a porta ao bom pastor (cf
Jo 10,2). Com efeito, se o guardião do aprisco escuta a voz
do pastor, abre e faz entrar todas as ovelhas que o pastor traz, mesmo as que
se tinham perdido no bosque e que o pastor andou a recuperar. Não é o guardião,
que ouve a voz do pastor – o secretário paroquial ou a secretaria da paróquia –,
que escolhe as ovelhas. Estas são todas convidadas, são escolha do pastor. Nestes
termos, garante o Bispo de Roma, a
Igreja a porteira, e não a patroa, da Casa do Senhor.
Depois, aponta o exemplo da Família de Nazaré, que
sabe muito bem o que representa uma porta aberta ou fechada para quem espera um
filho e não encontra um abrigo para ele, para o livrar do perigo. Ao invés, as
famílias cristãs fazem do limiar da sua casa um pequeno-grande sinal da Porta
da misericórdia e do acolhimento de Deus. E é em nome da imensidão desta grande
misericórdia que todos e todas as famílias hão de exigir de todos, nomeadamente
da autoridades públicas, o respeito pelos direitos da infância (a
jornada dos direitos da criança decorrerá no próximo dia 20)
e se reconhecem no dever de proteger as crianças e colocar o bem das mesmas
acima de qualquer outro critério, de modo que não voltem a ser submetidos a
quaisquer formas de escravidão, maus-tratos, exploração e mesmo recrutamento
militar. Ninguém pode esquecer o dever de ajudar as famílias a garantir a todos,
filhos e filhas, o direito à escola e à educação.
Por outro lado, é próprio da Igreja dever e desejar ser
reconhecida em todos os cantos da Terra – diz o Papa – como a “guardiã” de um
Deus que bate à porta, como o “acolhimento” de um Deus que não fecha a porta na
cara de ninguém com o pretexto de esse ou essa não ser da casa.
É neste espírito que se viverá o Jubileu que se
aproxima: será a porta santa, a porta da grande misericórdia de Deus e, por
conseguinte, a porta do nosso coração para todos recebermos o perdão de Deus e,
ao mesmo tempo, darmos à nossa volta o nosso perdão, acolhendo a todos os que
baterem à nossa porta.
Na certa que a memória da apresentação de Maria, a
celebrar a 21 de novembro, levará a Igreja a redescobrir e a agradecer ao
Senhor a riqueza da vocação dos homens e das mulheres que, na vida eremítica ou
do mosteiro, dedicam a vida a Deus na viva contemplação, de modo que, pela
oração e operativo silêncio, cumpram a sua nobre missão de proximidade com Deus,
intercedendo por que as famílias, as igrejas
(comunidades) escancarem as suas portas espirituais
e físicas para que Deus entre e saia como Lhe aprouver e todas as ovelhas,
escolhidas e convidadas pelo Pastor, passem à vontade pela porta do aprisco, à
voz do seu Pastor e Guia.
É
o desígnio da misericórdia que faz que Deus e homem não sejam os extremos duma oposição,
mas se procurem desde sempre, porque Ele reconhece no homem a Sua própria
imagem, e o homem só se reconhece a si mesmo olhando para Ele. Na
realidade, a misericordiosa comunhão entre divino e humano, realizada
plenamente em Jesus, é a nossa meta, o ponto de chegada da História,
segundo o desígnio do Pai. É a bem-aventurança do encontro entre a nossa debilidade
e a sua grandeza, a nossa pequenez e a sua misericórdia, que nos preencherá
totalmente.
2015.11.18 – Louro
de Carvalho
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